Santos e mortos

Opinião

Ledi Giongo

Ledi Giongo

Secretária Executiva da Cooperativa Dália

Santos e mortos

Novembro é um mês controverso. Digo isso porque inicia comemorando os santos (e aí há uma infinidade de candidatos) para, já no dia seguinte, homenagear os mortos. Por isso, nunca me incluo na primeira celebração para não correr o risco de também ser lembrada na segunda.

O Dia de Finados é um dia de movimento intenso nos cemitérios, fato que me leva a uma reflexão: por que temos o hábito de valorizar tanto os que já se foram e, por vezes, tão pouco os que ainda estão entre nós? Há uma passagem no Diário de Anne Frank que diz: “os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão”. Se isso é verdade, então, talvez, aí esteja o porquê de os cemitérios ficarem tão floridos no dia 2 de novembro.

Na verdade, recebem-se mais flores depois que se deixa esta vida do que durante o período de nossa passagem por aqui. O motivo seria o medo de expressarmos nossos sentimentos, demonstrar nosso amor e carinho por alguém? Ou por estarmos presos a convenções e somente homenageamos as pessoas em datas específicas?

Por exemplo: quantas vezes dizemos “amo você”, ou, ao contrário, reclamamos de alguma coisa para quem amamos? Certamente, a segunda opção acontece com mais frequência do que a primeira. Então, se fazemos isso, é porque existimos; mas, talvez, por não vivermos uma vida recheada de emoções e sentimentos. Quiçá, ao chegarmos no limiar do mundo desconhecido, nos arrependemos de não termos concedido um sentido mais intenso à nossa existência.

Penso que nossos relacionamentos são o que dão sentido à nossa vida; caso contrário, seremos apenas seres que trabalham; pagam contas; constroem patrimônio; perpetuam a espécie e por aí afora. Mas a vida precisa ter sentido, emoção, valor. E isso se faz com ações e atitudes, como, por exemplo, parar o trabalho e ligar para seu irmão; mandar uma mensagem para seu filho; enviar flores para surpreender sua parceira; enviar um vídeo carinhoso para sua amiga e, sim, dizer “eu te amo”, com mais frequência, mesmo que essa expressão pareça brega e fora de moda.

Ah, e quando encontrarmos alguém importante em nossa vida, um abraço afetuoso é importante, como também o é quando nos deparamos com alguém triste ou deprimido. A dimensão de um abraço vai muito além do gesto, porque chega à nossa alma, acalma nosso coração e alegra nossa existência. Afeto é uma demonstração sempre bem-vinda, porque permite uma troca de energia reconfortante.

Por isso, penso que apenas existir está fora de moda. Chique é viver, ser considerado esquisito porque abraça, porque valoriza seus iguais, porque manda flores sem ter o que comemorar, porque faz um jantar especial para a família em plena quinta-feira, porque gasta uma parcela expressiva do salário para realizar o sonho de quem ama e porque acredita que pequenos gestos tornam a vida mais agradável e prazerosa.

Talvez – e apenas talvez –, porque nada é definitivo, este seja o grande barato da vida: torná-la prazerosa o suficiente para que “o bom lugar” que tanto se deseja aos nossos entes queridos seja a vida terrena. Afinal, esta é uma decisão de cada um. Então, é bom repensar sobre isso enquanto ainda estamos vivos, porque o valor do ser humano está em sua vida e não em sua morte!

Respeito aos mortos, sim, mas que este comece em vida para se propagar na eternidade!

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