“Temos a personificação de modelos políticos distintos. Eles dominam o debate público ao Planalto e engajam aqueles eleitores mais radicais”, avalia o cientista político Fredi Camargo. Para ele, a marca dessa eleição é a radicalização. Essa ideia vai além do termo usado de polarização. “Sempre tivemos dois lados bem distintos no país. Havia os federalistas e republicanos, depois os trabalhistas e federalistas. Depois tivemos Arena e MDB no regime de exceção. Mais recente, na década de 90, a disputa era PT e PSDB. A polarização não é estranha ao nosso processo eleitoral. Mas essa radicalização nunca passamos.”
Outro cientista político, João Pedro Schimidt, parte de uma análise similar. “Tínhamos dois polos bem demarcados que se alternavam no poder.” A partir do impeachment de Dilma Rousseff, acredita ter surgido a corrente onde tem como principal personagem o atual presidente. Neste contexto, o doutor em História, pesquisador de temas ligados à relações internacionais e política brasileira, Mateus Dalmáz, acredita que o movimento visto nestas eleições é uma continuidade do pleito de 2018. “Para mim, aquela foi a mais polarizada desde a redemocratização. Ali houve uma mudança dos campos políticos tradicionais.”
Naquela disputa a chegada Jair Bolsonaro (na época do PSL), emergiu uma diretriz ideológica. Ao longo dos anos 90, avalia Dalmáz, havia o PSDB com um modelo de centro-direita, ligado ao liberalismo. Como adversário, o PT, da esquerda social democrática. “Nas eleições passadas, foi a primeira vez que um político de extrema direita se destacou e chegou à presidência.”
Para o pesquisador, o antipetismo foi uma das forças de Bolsonaro naquela disputa. “Os eleitores que antes estavam mais próximos do liberalismo pregado pelo PSDB decidiram pelo nome do PSL, mesmo que não concordassem com o campo político original do atual presidente.”
O resultado disso ficou evidente no segundo turno de 2018. Dos mais de 104 mil votos válidos, Bolsonaro venceu com mais de 54% do eleitorado.
Desgaste dos modelos políticos
Em 1989, com o voto direto, se iniciou o modelo de democracia representativa de hoje. Do movimento da “Diretas Já” até o pleito deste ano, surgem narrativas tanto de alerta para uma ruptura institucional quanto para pedido de mudança no sistema político-eleitoral. “Me parece haver duas causas principais. A primeira está no fracasso dos modelos de desenvolvimento econômico desde a redemocratização e a outra na memória do eleitor”, estima Dalmáz. “Um deles é o liberalismo e o outro o desenvolvimentista. Os dois não geraram resultados que se sustentam em longo prazo.”
O primeiro, diz, se enfraquece quando deixa legado de baixo desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), perda de renda e baixa geração de empregos. “Aí se abre brecha para os formatos desenvolvimentistas. Vimos isso na transição de Fernando Henrique Cardoso para Luís Inácio Lula da Silva”.
Pelo pêndulo da história, a alta da inflação, descontrole nos gastos e na gestão pública, o outro modelo volta a ascender. “O liberalismo se credencia com proposta de mais austeridade. Essas formas se sucedem e se desgastam.” O reflexo aparece com a perda de força das siglas tradicionais e dos próprios políticos. “Vemos muito deste descrédito hoje.”
Consciência
O outro motivo, acredita Dalmáz, está relacionado à pouca memória da população. “Conhecemos pouco sobre História, Política e Economia. A geração que começou a votar em 89 carregava consigo a esperança de poder escolher os candidatos melhores preparados.”
Na medida que os projetos não deram certo, surgiram outras gerações que não vivenciaram o período de restrição política e censura, argumenta. “Neste cenário, discursos autoritários, de centralizar as decisões e dar resultados em curto prazo se torna sedutor. Vimos nos últimos anos pessoas levantando faixas em favor de intervenção militar. Um episódio contraditório e que se explica pela memória curta e o pouco conhecimento.”
“Eleitor passional relativiza conceitos”
Para o cientista político Fredi Camargo, o sentimento usado como capital político de antipetismo se enfraquece. Junto com isso, os próprios conceitos de esquerda e direita também não estão claros. “Não podemos cair na vala comum. São conceitos difíceis de serem compreendidos hoje.”
Em cima disso, ressalta que há um discurso mais permanente entre grupos ligados a uma determinada corrente devido às tecnologias. “Uma grande parte das pessoas que não se posicionava começou a cobrar. Começou a discutir política. Nas redes sociais, se aproximaram daquelas grupos com mais afinidade.”
Como consequência, manifestações se tornaram mais comuns. “O que era algo típico de partidos e correntes ideológicas mais vinculadas a esquerda também viraram ferramentas dos seus críticos.” O ano de 2013 foi marcado por protestos. O que permaneceu ao longo dos anos subsequentes. “Havia uma massa de pessoas descontentes e que acharam na corrupção uma necessidade de cobrar mudanças. O curioso é que tudo ocorreu em um momento de grande atuação das políticas e da Justiça.”
Para ele, neste momento político, há uma relativização dessa cobrança por transparência, ética e de conduta dos políticos. “Depende do seguidor. A corrupção é ruim dependendo de quem pratica e de quem condena. Infelizmente temos uma irracionalidade. O eleitor passional relativiza conceitos. É capaz de pedir pena de morte para um ladrão de galinha, mas defende seu político de estimação.”