A bravura do povo gaúcho, de lutar pelos ideais e se posicionar contra a injustiça, tem como marco a Revolução Farroupilha. Os dez anos de confronto contra o império, de 1835 a 1845, ajudaram a formar a identidade do povo dos Pampas.
Pela região, cidades como Travesseiro, Santa Clara do Sul, Lajeado, Taquari e Paverama guardam vestígios de combates no contexto da Guerra dos Farrapos e da Revolução Federalista. Monumentos e a história passada entre gerações recontam este período.
Uma delas ocorreu no chamado Caramujo, uma localidade às margens do rio, em Taquari, onde fica o Monumento dos Farroupilhas. Em 3 de maio de 1840, conforme conta o historiador João Paulo da Fontoura, teve ali um enfrentamento entre forças republicanas (Farrapos), lideradas por Bento Gonçalves, e as imperiais, a comando de Manuel Jorge Rodrigues. Conhecida até hoje como a Batalha de Taquari.
Fontoura relata que, durante o combate, a maior parte do exército imperial conseguiu fugir ao anoitecer. Em embarcações, os sobreviventes atravessaram o rio. Os poucos que sobraram lutaram contra os republicanos, e houve cerca de 50 mortes. O conflito foi dado por empate, e Manuel Jorge Rodrigues recebeu o título de Barão de Taquari.
Quando a batalha completou 150 anos, o monumento foi criado. No terreno, ainda se pode ver as trincheiras que os farrapos escavavam na beira do rio, em frente à Ilha do Passo da Aldeia.
Outra batalha no centro de Taquari
Também historiador da cidade, João Carlos D’ávila estuda a Batalha de Taquari há dois anos, e resgata ainda outro episódio marcante no município, em 9 de março de 1840. Naquele dia, o tenente Coronel Francisco Pedro de Abreu chegou ao centro da então vila de Taquari com grande número de soldados imperiais.
O local era guarnecido pelo coronel farrapo Thomaz Pereira, com 50 soldados republicanos. “Moradores antigos falavam que o combate foi perto da Igreja Matriz, mas isso ainda está em pesquisa”, conta D’ávila. Ao fim do conflito, sete soldados republicanos foram mortos e 600 cavalos confiscados. O restante dos soldados conseguiu fugir, e muitos foram perseguidos até próximo das localidades onde hoje é Montenegro e Santo Amaro.
Um refúgio em Paverama
Outra marca da passagem da Revolução Farroupilha no Vale está em Paverama, quando um reduto com cerca de um hectare de laje em meio ao matagal serviu de esconderijo para os soldados gaúchos durante a guerra. Era naquele local que os combatentes substituíam os cavalos fatigados pelos descansados.
O fato nomeou a localidade como Morro dos Cavalos. Moradores afirmavam que uma das líderes dos farrapos, Anita Garibaldi, teria pernoitado com a tropa naquele esconderijo, para encontrar o general David Canabarro, em Taquari. O boato circula pela cidade ainda hoje.
O fim da guerra
Em 1º de maio de 1945, com a assinatura do tratado de Poncho Verde, a guerra terminou. O principal acordo entre federalistas e republicanos era o direito do povo indicar os representantes da província do Rio Grande do Sul. Além disso, as dívidas dos republicanos seriam absorvidas pelo império.
“Foi uma guerra que perdemos, negociamos por empate e festejamos anualmente como uma data gloriosa e vitoriosa”, destaca Fontoura.
O que celebrar?
O que se comemora no 20 de Setembro, conforme conta a historiadora e professora do IFSul campus Venâncio Aires, Angelita da Rosa, são as mudanças no estado ao longo dos anos de conflito. “Celebramos uma revolução enquanto um desprendimento, um ato de bravura, de rebelião, de exaltação contra o governo imperial”. Em especial depois que o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) foi criado, na década de 40, a data também passou a significar um sentimento de pertencer do povo gaúcho.
“Esse sentimento do rebelde, do revolucionário, daquele que luta por seus ideais, é o grande foco da comemoração. A data vai muito além da guerra, está ligada a esses ideais”, ressalta Angelita. Por outro lado, a historiadora também acredita que a história das batalhas durante o período é contada apenas de um lado. “Batalhas se ganham e se perdem, e ajudam a fazer memórias de pontos positivos, de orgulho. Mas penso que só se fala nas batalhas vitoriosas, e não se fala do Massacre de Porongos, das grandes derrotas. Não se fala dos Lanceiros Negros, das pessoas que estavam nas fazendas, de quem morreu nas revoluções”.
Nas cicatrizes, espaço para um novo conflito
Quarenta e oito anos depois, o estado ainda vivia resquícios da revolução e o Vale do Taquari foi passagem de uma nova guerra civil.
A Revolução Federalista ocorreu entre 1893 e 1895. De um lado, o grupo liderado por Júlio de Castilhos defendia um governo federal forte e com poder centralizado. Do outro, os republicanos, liderados por Gaspar Silveira Martins, defendiam a descentralização do poder.
Em 28 de maio de 1895, uma das batalhas se deu em Santa Clara do Sul, conhecida como o Combate Vitorioso. No episódio, os colonos santa-clarenses liderados pelo comandante Coronel José Diel enfrentaram o grupo armado dos federalistas e os expulsaram das terras. A vitória incentivou a criação de um memorial na cidade, e muitos líderes receberam nomes de ruas.
Federalistas em Lajeado
Outro episódio ocorreu em Lajeado, no dia 17 de dezembro de 1894, quando os federalistas invadiram o município para tomar a então vila que se formava. O local era guarnecido por 85 homens armados, sendo 42 civis. Com a vinda de mais 22 combatentes da Brigada Militar e voluntários de Estrela, a luta terminou após três horas.
Os federalistas não conseguiram tomar a vila, e o povo comemorou a vitória. Décadas mais tarde, o evento virou nome de rua no Bairro Hidráulica, por meio de um decreto de 6 de novembro de 1957.
Marcas em Travesseiro
Em Travesseiro, a revolução é lembrada pela história de Felipe Essig, pioneiro na colonização da cidade. Ele era barqueiro, e foi morto em 1895, assassinado por um vizinho que queria fugir dos revolucionários usando a barca de Essig. Em frente à Igreja da Matriz, um monumento lembra os 100 anos da revolução e a morte de travesseirenses nos conflitos. A história também segue preservada em um obelisco e no Memorial da Família Essig.
Monumento em Lajeado
Para celebrar os 100 anos da Revolução Farroupilha, em 1935, o então prefeito Ramiro Barcelos Feio construiu um jardim público, conhecido hoje como Praça do Chafariz (foto acima). Ali, mandou construir também o Monumento do Centenário da Revolução Farroupilha.
De acordo com pesquisa do historiador José Alfredo Schierholt, duas décadas depois, o prefeito Bruno Born transferiu parte do monumento para a Praça da Matriz, sem placa de identificação, onde está ainda hoje.