João e Lucas são meninos de uma mesma cidade, ambos com 12 anos de idade. Um vai para um clube no sul e outro para o norte do país. Ainda jovens, vivem a mesma realidade. Saem de casa ainda crianças, vivem em alojamentos com condições mínimas, treinam na chuva ou sol e voltam para o aconchego do lar apenas uma vez ao ano. Vivem essa rotina até 18 anos, sem nunca receber um “tostão” sequer.
Lucas assinou contrato profissional com um grande clube, já com um “pé” na Europa, e vive o mundo de fantasia que vemos na TV. Por outro lado, João não consegue se firmar como profissional, vive a realidade de 95% dos atletas brasileiros, “mendigando” contratos a cada 3 meses, sujeitando a trabalhar por mil reais e às vezes (acredite se quiser) até mesmo de graça, apenas pela oportunidade.
Os ventos sopraram diferentes para eles e essa história poderia ser mais uma obra da literatura brasileira, mas Érico Veríssimo que me desculpe, essa é a história da trajetória de muitos atletas. As vidas de João e Lucas podem até parecer diferentes, mas elas têm muito mais em comum do que a gente pode imaginar. Muito além do que qualquer dinheiro e sucesso poderia entregar. É O TEMPO. Ele não volta, não dá avisos e, muitas vezes, passa rápido demais.
Sair de casa cedo, abdicar da família e de coisas que toda criança precisa viver é comum para todos esses jovens que buscam o sonho. Todos, até mesmo aqueles que desistiram no caminho. Criança brinca, o atleta treina. Criança tem dia triste, mas volta para o aconchego da família.
Atleta tem dia ruim, mas volta para o alojamento onde divide o quarto com outros 20 “concorrentes”. Criança tem os prazeres das descobertas, o atleta tem no seu sonho a responsabilidade de mudar a vida da família.
Sim, os jovens atletas abdicam da infância, precisam amadurecer cedo e adquirir a “casca grossa” que a vida lhes exige. Mas aqui o tempo é cruel. Ele não permite replay.
Recentemente Michael (ex-Flamengo e atualmente no Al Hillal) perdeu a vó e a mãe num período de um mês: “Foi um baque, minha mãe ficou internada 12 dias. Nessa hora você pensa de que adianta o dinheiro? Eu tinha o dinheiro que podia, mas não consegui salvar minha mãe.”
Se Michael com dinheiro sofre por não poder estar junto da família, o que dizer de João que não recebeu nada de seu último clube e ficou sem dinheiro para voltar para casa?
Não somos alienados, dinheiro é importante, mas ele não compra lembranças. Ele não vai comprar o tempo abdicado lá atrás, não vai comprar aquele abraço que tanto foi preciso anos antes e não vai preencher o vazio que todo atleta sente. Independente de sucesso.
Grande parte do que escrevo aqui vem de uma reflexão interna de tudo que vivi. Não foram raras as vezes que abri mão de acompanhar minha família e também não foi apenas uma vez que vi meus amigos aproveitando suas férias escolares enquanto eu estava correndo pelos gramados do Brasil, alimentando um sonho.
Cada escolha é uma renúncia, mas você abriria mão de todo o tempo precioso com aqueles que mais ama na vida, sabendo que esse tempo jamais vai voltar? É, o tempo não vai voltar, as lembranças irão ficar e as marcas vão aparecer.
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