Tornar as cidades sustentáveis, as pessoas mais saudáveis e conscientes sobre a atuação humana no ambiente. Essas são algumas bases da chamada cultura da bicicleta. O fortalecimento desses conceitos está para ganhar um marco, com a construção da ciclovia intermunicipal entre Estrela, Colinas e Imigrante.
No sábado ocorre a assinatura para início das obras. O evento será em Estrela e conta com a presença do governador Ranolfo Vieira Jr. A programação começa às 10h30min e será ao lado da Igreja de Linha São José, às margens da ERS-129. “Iniciamos as conversas para essa ciclovia em 2016. De lá para cá, buscamos apoio em diversas esferas governamentais”, relembra o prefeito de Colinas, Sandro Herrmann.
Para além dos movimentos políticos, da união entre os municípios para garantir o investimento, integrantes de grupos de ciclistas realçam o significado da pista exclusiva. “Representa mais segurança aos praticantes e estimula mais pessoas a adotarem a bicicleta tanto como esporte, lazer e meio de transporte”, diz o administrador Jonatas Schwengber. Ele adotou a bike no cotidiano faz cinco anos. Gosta das pedaladas de longas distâncias. “Na última, fizemos 254 quilômetros.”
Para ele, a ciclovia entre as cidades tem como diferencial a beleza do local. “É um trecho muito bonito. A Cascata da Orquídea, o Morro Tomas, diversos parques e, lá em cima, em Daltro Filho. Há muitos atrativos.”
Em contato com ciclistas de outras regiões, lembra de levá-los para o trecho. “Ficam admirados em conhecer. Pedalar cria uma ligação entre as pessoas. Além disso, também muda nossa relação com o ambiente. Coisas que não percebemos quando estamos de carro.”
Pelo projeto, a ciclovia terá 37 quilômetros de extensão. Ao todo, o valor aplicado chega a R$ 12 milhões, com verbas estaduais e das gestões municipais. A obra foi dividia em três etapas. Cada cidade abriu uma concorrência pública.
Sustentabilidade, saúde e turismo
O prefeito de Estrela, Elmar Schneider, frisa que o projeto vai ao encontro de pensar espaços voltados ao bem-estar. “Se gasta muito na doença e pouco na saúde. Essa ciclovia representa termos locais voltados para a qualidade de vida, para as relações entre as pessoas e para sustentabilidade.”
Pelo trecho, diz, há empresários, trabalhadores e estudantes que pedalam pela rodovia para a prática esportiva além de aproveitar as belezas naturais da região. Conforme Schneider, a obra é fruto de um esforço coletivo e comprova a necessidade de aliar bons projetos com boas relações políticas. “Mostramos ao governo do Estado a importância dessa obra”, reforça.
As verbas estaduais fazem parte do programa Avançar no Turismo. No trecho entre os três municípios, está uma das rotas mais tradicionais do Vale do Taquari. O presidente dos Municípios de Turismo dos Vales (Amturvales), Leandro Arenhart, enaltecer a ciclovia como uma nova atração regional. Com mais movimento, diz, também se abrem perspectivas de novos negócios.
Um dos integrantes do grupo de ciclistas Raiders, Frederico Sehn, considera a confirmação da obra uma vitória. “Desde quando fundamos o grupo, buscamos parcerias, nos apresentamos às autoridades e defendemos a importância da ciclovia neste trecho.”
Para ele, há ganhos em diversos segmentos. Começa com a segurança. “Hoje temos 30 centímetros para pedalar. Não tem nem acostamento. Contamos com o respeito dos motoristas, pois usamos a mesma via.”
No aspecto turístico, considera que o Vale eleva o patamar. “A Cultura da Bike está em constante crescimento. Com um trecho tão extenso, muito mais ciclistas virão para cá. Inclusive de outras regiões. É um lugar bonito, com várias atrações. Isso vai movimentar muito a nossa cidade e a região.”
Por fim, destaca a questão de saúde. “A bicicleta não é só lazer. Pode ser usada pelos trabalhadores. Quem pedala sofre menos de estresse, fica mais disposto e gasta menos com saúde. Todo mundo ganha se tivermos mais ciclistas.”
ENTREVISTA – Augusto Alves, urbanista e professor
“Com ciclovias bem estruturadas, mais pessoas vão pedalar”
O planejamento das cidades e a ligação entre elas prioriza os veículos automotores. Fazer planejamento, afirma o professor, significa se antecipar a problemas. Nas cidades da região, em especial as maiores, ainda há boas condições de fluxo. Para ele, este é o momento de racionalizar os sistemas de transporte.
A Hora – O Vale do Taquari tem mais de 288 mil veículos emplacados. As maiores cidades, como Lajeado e Estrela têm quase um habitante por veículo. Como esse alto índice de motorização impacta sobre a mobilidade tanto urbana quanto intermunicipal?
Augusto Alves – O efeito mais visível são os congestionamentos. Já sentimos alguns nas nossas cidades, em especial nos horários de pico. Com o uso do transporte individual excessivo, essa é uma tendência cada vez mais presente.
Quando pensamos em veículos alternativos, a bicicleta em especial, as cidades e a ligação entre elas, nessas de menor distância, é preciso haver um sistema mais seguro. Com ciclovias bem estruturadas, mais pessoas vão pedalar.
– O planejamento das cidades, inclusive no Vale do Taquari, priorizou os veículos automotores. Como isso interfere no planejamento das cidades?
Alves – Percebemos que tanto a sociedade quanto os órgãos públicos decidem de acordo com as pressões recebidas. O responsável pelo plano diretor, pelos projetos de infraestrutura rodoviária não atuam sozinhos. São demandas que vem de fora e de segmentos com influência sobre o poder. A visão baseada no carro como prioridade, sem verificar outras alternativas fazem parte disso.
Isso sem juízo de valor, sem dizer que é certo ou errado, sempre foi assim. No outro lado também vemos que a demanda da sociedade traz impactos. Pegamos os novos parques em Lajeado. Mostrou que havia uma demanda reprimida e hoje são muito movimentados. O mesmo com as ciclovias. Aos poucos há um avanço nestes sistemas. O trecho entre os municípios de Estrela, Colinas e Imigrante é outro exemplo importante.
– O que significa ter uma mobilidade urbana e entre cidades próximas mais racional?
Alves – Seria algo que combine diferentes modais. Não significa tirar o carro, ou torná-lo vilão. Ele existe e é necessário. Mas junto com o automóvel, ter um sistema de transporte coletivo eficiente, que dê possibilidade de escolha para as pessoas. Ou mesmo dar condições às bicicletas.
O ciclista precisa ter estrutura para se se deslocar de forma segura, sem arriscar a vida em meio aos carros ou caminhões. Também com calçadas em condições para os pedestres, com faixas de segurança bem pensadas para a travessia das ruas. Isso seria o mais racional e efetivo em termos de mobilidade.