Ondjaki: para crianças de todas as idades

Opinião

Rosane Cardoso

Rosane Cardoso

Professora de literatura

Ondjaki: para crianças de todas as idades

Vem de Jorge Luis Borges o verso célebre: que me figurava o Paraíso como uma biblioteca refinada (“Poema de los dones/Poema dos dons”, de 1955, tradução de Augusto de Campos). Andar entre livros, como também nos ensina Borges – no mesmo poema e em outras obras – é estar entre mundos, enciclopédias, atlas; entre o Oriente e o Ocidente, atravessando eras, dinastias, símbolos, cosmos e cosmogonias. Acrescentaria a isso o prazer de tocar, abrir, cheirar um livro, só para depois exercer o voyeurismo típico de quem ama espiar a história que nos contam nas entrelinhas.

E eis que nos chega uma oportunidade para esse deleite. De 17 a 21 de agosto acontece a 16ª Feira do Livro de Lajeado. A programação da Feira está repleta de opções não só livrescas, mas igualmente de atividades, como debates, contação de histórias, teatro, cinema e gente entre livros. Um dos destaques do evento será a presença do escritor angolano Nadalu de Almeida, mais conhecido por Ondjaki.

A extensa obra de Ondjaki não tem limitações de gênero. Seja em verso ou em prosa, escreve para adultos e crianças com a mesma delicadeza poética. Os diversos prêmios recebidos atestam a versatilidade do sociólogo e cineasta, comprovada ainda pelas traduções dos livros que hoje circulam em francês, inglês, alemão, italiano, espanhol e chinês.

Confesso que conhecia pouco do autor. Ou melhor, não tinha a dimensão da sua obra. Havia lido alguns livros infantojuvenis sem saber da prosa para um público mais amplo e da poesia escrita por ele. A expectativa da vinda de Ondjaki fez olhar além, só para descobrir outra riqueza literária: embora o autor faça as devidas adequações de linguagem para os diferentes públicos, os livros sempre privilegiam temáticas que abordem a memória, o cotidiano, as questões sociais e políticas. Esse fator, no que se refere à literatura para infância, é um verdadeiro achado, já que, infelizmente, ainda convivemos, embora menos, com narrativas que priorizam temas edulcorados, em detrimento a uma história instigante e plural.

Ondjaki cresceu no período de uma Angola já independente, mas vivenciou os horrores da guerra civil e da Guerra Fria. Sua obra está marcada por essas lembranças e pelas inevitáveis sequelas da colonização, processo que se aproxima ao nosso, assim como de todos os países que foram colonizados. Nenhum desses temas difíceis, no entanto, faz perder a beleza de enredos em que a vida, por mais dura que seja, mostra-se cheia de possibilidades e de palavras que brincam com o leitor, como vemos em O convidador de pirilampos.

E, como a vida se repete e se multifaceta, é possível ver as mesmas personagens desfilando em diferentes obras. Deparamo-nos, também, com textos que fogem a definições e que podem encontrar o seu público tanto na maturidade quanto na meninice. É o caso de Os da minha rua e Avó Dezanove e o segredo soviético, em que a vida transparece nos olhos de uma criança.

Parafraseando a historiadora e poeta portuguesa Ana Tavares, Ondjaki é capaz de ver o milagre das pequenas coisas. É bom saber que estamos todos convidados a vivenciar, com ele, essa epifania.

Ondjaki estará no teatro da UNIVATES, no dia 18, a partir das 19h30, para um bate-papo. Crédito: Divulgação

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