Prós e contra das emendas parlamentares

PENSAR ELEIÇÕES 2022

Prós e contra das emendas parlamentares

Em quatro anos, deputados federais destinaram R$ 3,1 milhões ao Vale do Taquari. Dados do Portal da Transparência mostram que, das 29 promessas, 12 foram efetivadas. Modelo de indicação do Legislativo para o orçamento do Executivo federal divide opiniões de estudiosos

Prós e contra das emendas parlamentares
Menos da metade das emendas empenhadas no orçamento ao Vale chegaram aos municípios. Ao todo, foram prometidos quase R$ 10 milhões desde 2018. Crédito: Divulgação
Vale do Taquari

Garantia de efetiva participação do deputado para benefício das comunidades ou uma ferramenta usada para a troca de favores políticos? A pergunta divide opiniões entre cientistas políticos, sociólogos e especialistas em direito constitucional.

O sistema criado em meados da década de 1990 proporciona ao parlamentar a oportunidade de direcionar recursos do orçamento dos executivos. O maior volume de verbas está no Congresso Nacional. Em 2022, as emendas representam 24% das despesas dos ministérios, segundo estudo do Instituto Millenium.

Esse percentual representa R$ 36 bilhões de indicações dos parlamentares no orçamento da União. “A ferramenta é constitucional. De 15 anos para cá, esse uso cresceu”, avalia o advogado especialista em direito eleitoral, Fábio Gisch.

Na avaliação dele, a maior participação das emendas é um efeito da centralização da arrecadação de impostos pela União. “Podemos resumir como a ideia de que de tudo que sobe para Brasília, algo precisa retornar. Alguns benefícios vem pelas indicações dos deputados.”

Dentro do sistema, cada emenda é vinculada. Significa que precisa estar dentro do orçamento de determinado ministério. “Deve estar especificado que determinado recurso será aplicado na construção de um ginásio, por exemplo. É uma garantia que não será usado para outro fim.”

Na avaliação dele, a emenda é positiva e necessária tanto para a comunidade, quanto para a representação política. A crítica está no uso politiqueiro. “Fazer espetáculo, criar um holofote, frente a uma obrigação do mandato é um problema”, resume.

Conforme levantamento feito junto ao Portal da Transparência, em quatro anos o Vale do Taquari teve 29 emendas parlamentares individuais destacadas no orçamento dos ministérios. Nem metade delas foram quitadas. Ao todo foram 12 repasses às contas dos municípios. O montante soma R$ 3,1 milhões.

Caso todas fossem pagas, o montante para a região se aproximaria dos R$ 10 milhões, com indicação para 18 municípios. Lajeado, com quatro emendas, foi o principal alvo das proposições de deputados federais. Em seguida está Taquari e Putinga, ambos com três.

O levantamento também mostra que parte das emendas não empenhadas foram destinadas por deputados que não se reelegeram em 2018, ou acabaram eleitos para outros cargos. Afastado da política, o suplente de deputado Cajar Nardes teve cinco das seis destinações de valores não pagas pelo governo federal.

Privatização do governo

Cientista político e professor de Relações Internacionais, Bruno Lima Rocha, considera a política de emendas prejudicial à democracia representativa do país. “Não vejo nenhum ponto positivo. Na prática é a privatização do orçamento nacional. Uma espécie de sistema distrital, comum nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, em que a obrigação do representante é conseguir brechas no orçamento para obras e benefícios à sua base eleitoral.”

Trata-se do chamado Pork Barrel (barril de porco), uma metáfora para apropriação de gastos do governo para projetos localizados. Como resultado, criam-se redutos eleitorais, em que o deputado fortalece as bases para se manter no poder, realça Rocha.

“O problema é que as emendas só podem acabar de uma vez. Pois se um parlamentar pegar e outro negar, este vai perder na sua base política. O que não nos damos conta, é que são recursos vultuosos. Pesquisa mostra que representa mais de 20% do gasto dos ministérios. Com 3 a 5% deste orçamento seria possível acabar com a miséria no país”, afirma.

Na avaliação do professor, as desigualdades regionais são redutos de oportunidades para os políticos. “Usam essas diferenças para continuar nos cargos. É o princípio da oligarquia.”

“É possível aperfeiçoar”

Doutor em sociologia e professor, Cesar Goes parte de uma avaliação diferente. Para ele, trata-se de um mecanismo com aspectos positivos, pois proporciona que parte da verba dos governos seja direcionada para obras em benefício às comunidades. “É a representação efetiva do voto de um deputado.”

Ainda assim, dentro da jovem democracia do país, há um processo de “curral eleitoral”. “Temos algumas situações escandalosas, como o orçamento secreto, em que a relatoria do Congresso pode indicar o uso de verbas sem informar qual é a finalidade.”

Essa situação, frisa Goes, abre margem para o mau uso do dinheiro público. No entanto, acredita que isso não pode inviabilizar as emendas. “Temos de defender melhorias no sistema. Para ser mais transparente, com regras mais claras e que a população possa fiscalizar.”

Sobre o orçamento secreto, Bruno Lima Rocha é mais enfático: “hoje o governo federal administra por medida provisória. A fiscalização cabe ao Supremo Tribunal Federal, e o que está amarrado no orçamento vai para os deputados.”

Executivo e Legislativo se interligam

A ideia de que a função do parlamento se limita em fiscalizar os governantes, criar leis sem interferir nos recursos públicos e representar grupos sociais é simplista, distante da complexidade das relações entre os agentes públicos.

Essa é a opinião do cientista político e professor João Pedro Schmidt. “As emendas são parte de um relacionamento não muito ortodoxo nessa divisão dos poderes. O parlamento só legislar e o Executivo só administrar não faz mais muito sentido.”

O paradoxo aparece quando se verifica o número de projetos de lei, diz. “A maioria das propostas é do Executivo. Ele é o maior legislador. Por outro lado, nenhum governo, nenhum presidente, governador ou prefeito, forma a base sem considerar a força das bancadas.” Na prática, analisa Schmidt, não há uma separação clara das funções de cada poder. “São atividades mescladas. De uma forma ou outra, um depende do outro. O Legislativo e o Executivo estão interligados.”

Com a garantia das emendas, a própria sociedade passou a assimilar o nome do deputado nas obras e investimentos. “Passou a fazer parte do imaginário do eleitor que o bom parlamentar é aquele que traz recursos. O que é valorizado é a obra, o que ele fez de concreto. Não sua posição em defesa de alguma bandeira ou assunto nacional.”

Pouca chance para renovação

Políticos aspirantes para entrar na Câmara dos Deputados terão uma barreira maior do que os que buscam a reeleição. “Esse é um elemento negativo. Como um novo representante vai competir com um parlamentar que tem até R$ 18 milhões de emendas individuais para compartilhar? Há um desequilíbrio violento na hora da campanha”, pontua Schmidt.

 


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