Em março deste ano, a crise sanitária causada pelo coronavírus completou dois anos. Logo no início da pandemia, ainda no segundo trimestre de 2020, muitos estudiosos em gestão defenderam a ideia de que as organizações deveriam rasgar o seu planejamento estratégico e focar em garantir o caixa do negócio. A razão daquele argumento era que o mundo estava diante de uma situação muito crítica, de um futuro totalmente imprevisível.
Naquele contexto, surgiram duas questões: como e quem poderia liderar a organização sem a ferramenta do planejamento estratégico? E qual seria o futuro do negócio?
Uma pesquisa com empreendedores bem-sucedidos que buscava entender como eles encaravam problemas pode ter algumas respostas para estas dúvidas. A professora indiana Saras D. Sarasvathy, autora do livro “Effectuation: Elements of Entrepreneurial Expertise” (“Efetuação: Elementos de Experiência Empresarial”, numa livre tradução), lançado em 2008, trabalhou com este público na sua tese de pós-graduação. Na pesquisa, Saras faz uso da lógica do effectuation, que defende a ideia de controlar um futuro imprevisível.
Assim, o estudo de Saras se conecta com a pandemia de covid-19 porque as incertezas sobre o futuro e a definição de quem assumiria a gestão para buscar compreender o que poderia acontecer com os negócios e obter sucesso era um problema urgente e imediato. Alguns paralisaram, outros preferiram esperar para ver o que o concorrente ou o líder do segmento faria, outros seguiram modelos do passado e muitos seguiram somente a sua intuição. O desafio de resolver problemas de imediato se fez presente ao mesmo tempo em várias organizações e em todos os continentes. Os líderes tiveram que aprender a liderar e a decidir no escuro, sem a segurança do planejamento estratégico.
No raciocínio do effectuation, se procura cocriar o futuro ao invés de tentar prevê-lo. É uma ideia simples que serve também para outros aspectos da vida que não só o empreendedorismo. É preciso saber o que você domina – quem você é, o que você sabe fazer, quais pessoas conhece e de quais recursos dispõe – e então criar ideias factíveis em parceria com outros interessados para então colocar isso em prática.
Para a pesquisadora, a cozinha é uma boa analogia para o effectuation. Quando você tem um planejamento prévio e quiser cozinhar, por exemplo, precisa decidir o prato, comprar os ingredientes, seguir a receita e ter as ferramentas necessárias para cozinhar. Outro jeito de fazer a mesma receita é ver o que há na despensa e na geladeira e começar a cozinhar, usando a intuição e simplesmente fazendo. Se a pessoa não souber nada de cozinha, o prato tem grandes chances de ficar ruim.
Se souber um pouco sobre cozinhar, ela vai conseguir fazer o que queria comer com o que estava disponível. O resultado do que se cozinhou pode não ser exatamente o que se tinha imaginado, mas com os ingredientes e instrumentos disponíveis na cozinha, mesmo sem uma receita, é possível fazer acontecer. E como sabemos, desde os tempos da comida preparada na cozinha da vó, estes pratos sem receita podem ficar ainda mais gostosos.
O aprendizado que a pandemia trouxe para o mundo dos negócios é que um modelo de negócios sem um planejamento estratégico também funciona e pode continuar fazendo sucesso. O uso da intuição, da visão, da experiência, do acreditar e fazer acontecer com o que está disponível continua desafiando o empreendedor. Empreender é justamente esta forma diferenciada de ver o mundo.
Para o escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler, “os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não souberem ler ou escrever, mas aqueles que não souberem aprender, desaprender e reaprender.” O conceito segue atual, especialmente após a pandemia. E ousaria acrescentar, complementando a frase: é preciso fazer tudo isso rapidamente.
Acompanhe nossas redes sociais: WhatsApp / Instagram / Facebook.