Com alunos de todas as idades, Lajeado dos anos 90 via muitos grupos de teatro independentes em circulação pela cidade. Mesmo sem incentivo e estrutura, festivais estaduais foram sediados no município, e muitos atores de sucesso foram formados na região. Com o tempo, no entanto, as oficinas perderam força no interior, as aulas ficaram restritas às escolas, e a busca pelo teatro profissional ficou para as grandes metrópoles do país.
A lajeadense Pietra Augustin (19), foi ao Rio de Janeiro para cursar tv, cinema e teatro na academia Wolf Maya, referência no país. Foram duas semanas de curso com alunos de diferentes estados que compartilham o mesmo objetivo: fazer teatro profissional.
Pietra começou a atuar aos 9 anos, e esperava ansiosa pela quinta-feira, dia das aulas de teatro. “Eu ouvia falar muito sobre as aulas, e sempre havia apresentações durante o ano, quando a turma ‘dos mais velhos’ se apresentava”, conta. Ela sonhava em um dia também estar no palco, e não apenas na plateia.
Para a idade dela, no entanto, não havia alunos suficientes para formar turma. Assim, Pietra e uma colega saíram pela escola para convidar mais alunos. O plano deu certo: reuniram crianças de 6 a 10 anos prontas para começar as oficinas.
A lajeadense pretendia seguir o teatro como profissão. Pensava, inclusive, em dar aulas. Mas a falta de incentivo na região fez com que o sonho ficasse, quem sabe, para o futuro.
Ela diz que, depois de adulto, é difícil encontrar cursos de teatro no Vale. “Para quem quiser seguir na área, é necessário explorar o mundo lá fora. Rio de Janeiro e São Paulo são a base do mundo artístico, é onde tu vai ter mais oportunidade de aprendizado, conhecimento e trabalho”, acredita.
Hoje, Pietra estuda nutrição na Univates e, desde o ensino médio, não fez mais teatro. “Mesmo assim, estou de coração e mente aberta para novos aprendizados, e sempre que tiver oportunidade vou me conectar com os palcos, que é onde me sinto confortável e encorajada”, destaca.
A sala de aula como alternativa
Karina Sieben (34), também saiu da região para atuar. Ela é formada em Licenciatura em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e começou a praticar ainda criança, em grupos escolares. Depois de passar mais de dez anos em Porto Alegre, retornou ao Vale para dar aula de artes no Instituto Estadual de Educação Monsenhor Scalabrini, de Encantado.
Para conectar sua formação com o trabalho, Karina desenvolve com os estudantes técnicas teatrais. “Trazer o teatro para escola me faz bem. Foi novidade para os alunos e me sinto feliz com o reconhecimento deles. Mas não tô fazendo uma parte do meu sonho que sempre foi, e ainda é, atuar”, conta.
Ela lembra do período em que o cenário cultural era movimentado e de como, aos poucos, os grupos diminuíram, assim como os festivais e programações culturais.
Memórias de quando a plateia estava cheia
Laura Peixoto também começou a fazer teatro na escola. Depois de participar de oficinas com a atriz gaúcha Denize Barella, do grupo Teatro Vivo, começou a ministrar as primeiras aulas em Lajeado, além de procurar cursos na área. Em 1994, orientou as oficinas gratuitas na Casa de Cultura.
Na época, o grupo, que ficou conhecido como os “Batatas de Palco”, reformou parte do ginásio de esportes da Escola Fernandes Vieira para sediar um grande festival estadual. O Sesc era um apoiador, com empréstimo do palco para as oficinas e apresentações. E, nas competições, sempre havia quem trouxesse um troféu ao município.
Mais tarde, quem assumiu as oficinas foi o ator Marcelo Aquino, de Santa Maria, que deu um impulso para o teatro na região. “A importância do movimento teatral daquela época foi muito grande. Tudo era desafiador, a começar pela grana para montar um espetáculo”, conta Laura. Por isso, pais e amigos apoiavam os grupos, inclusive, de forma financeira.
Os alunos também tinham a tarefa de buscar soluções para a iluminação, trilha sonora e criação de figurinos. Assim como auxiliar na criação dos roteiros.
Com os anos, os grupos perderam força. O município chegou a promover o 1º Festival de Teatro Amador do Vale do Taquari. Mas nunca houve um segundo. Por muitos anos, o grupo de teatro da Univates foi referência, até ser desativado, em 2020.
Mesmo assim, grandes nomes do teatro brasileiro foram alunos do Vale, como Ismael Caneppele, Julia Feldens e Gabriela Munhoz. Pablo Capalonga também ainda monta espetáculos pela região, assim como Antônio Lopes, 64, o conhecido Tio Tony, idealizador do Teatro Social.
A conexão que a cidade pequena tem
O Teatro Social Tio Tony já pisou em palcos da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Rio de Janeiro e São Paulo. Mas, desde 2005, é em cidades pequenas do Vale que o grupo se apresenta. “Gostamos mais de trabalhar no interior, nos identificamos com o público. Prestamos o serviço de responsabilidade cidadã de atender aqueles que não são contemplados com grandes espetáculos”, explica Tio Tony.
O grupo foi criado em 1988 e hoje três famílias fazem parte das peças teatrais apresentadas em associações de bairro, escolas e ginásios.
Para Tio Tony, as cidades pequenas têm a vantagem de tornar o grupo mais conhecido e próximo da comunidade, além de conquistar a confiança dos gestores. Ainda assim, a falta de estrutura e de acesso à arte atrapalham os trabalhos.
O Teatro Social atua com públicos pequenos e é procurado com frequência pela qualidade das apresentações, que abordam temas como violência contra mulher, abuso sexual de crianças e vicio em drogas. Hoje, quando questionado se está realizado com a profissão, Tio Tony retruca: “Estou realizando. Estou realizando o que me destinei a fazer e por isso me sinto feliz”, conclui.
Na região, apesar de poucos grupos atuantes, muitos teatros já são oferecidos para a comunidade. Entre eles, o Teatro Univates, o Teatro do Ceat, do Sesc Lajeado, e o Theatro São João, de Taquari.
Quase 30 anos no palco
Outro destaque na região é um pequeno grupo que atua hoje em Arroio do Meio. Em 1994, Arroio Grande Central viu surgir o grupo “Chama”, que produzia apenas peças natalinas. Quatro anos depois, o grupo cresceu e mudou de ano: era o “Dramatyzando”. Na virada do século, teve nova formação com a contratação de nova direção e nasceu o FoiceAcena, que mudou-se para Arroio do Meio e segue nos palcos até hoje.
No início, os ensaios aconteciam às 4h. A diretora do grupo, Iselda Pelison, lembra que os atores seguiram os trabalhos até às 7h. “Depois, cada um continuava com a sua rotina. Vale lembrar que naquela época não existiam celulares”, recorda. Ela iniciou em 1990, ano em que foi oferecida a primeira oficina de teatro promovida pela secretaria de Educação de Arroio do Meio, que deu origem ao grupo de teatro amador da cidade “Elenku”.
Para ela, é impossível destacar qual o melhor espetáculo. “Todas são marcantes. Cada processo é único”, ressalta. Hoje, o grupo se encontra toda quarta-feira, às 18h30, na Casa do Museu para ensaio e oficinas de formação, e está aberto para receber interessados.