Desde a década de 1930, mulheres possuem o direito de serem votadas no país e disputar eleições para cargos no Executivo ou Legislativo. Noventa anos depois, contudo, a participação feminina na política segue tímida, apesar de alguns avanços pontuais.
No âmbito presidencial, apenas uma mulher foi eleita para comandar o país, enquanto o Rio Grande do Sul também teve somente uma governadora em sua história. Hoje, só um dos 27 estados do país é comandado por uma mulher, o Rio Grande do Norte.
No Vale do Taquari, a situação não é diferente. Hoje, dos 38 municípios, Poço das Antas é o único que tem uma mulher no poder, com a vitória de Vânia Brackmann (PDT) no pleito de 2020. São três eleições consecutivas onde a região permanece estagnada no número de prefeitas: apenas uma chefe de Executivo. Outras cinco mulheres ocupam cargos de vice-prefeita.
Nas eleições legislativas, houve um avanço, ainda que tímido. Em 2012, por exemplo, 51 mulheres foram eleitas vereadoras no Vale, num universo de 358 parlamentares. Quatro anos depois, foram dez cadeiras a mais conquistadas. Já no último pleito, de 2020, 69 se elegeram. Ou seja, em oito anos, a representatividade feminina cresceu 35% nas câmaras da região.
Pioneira no RS
Se hoje a comunidade ainda discute formas de viabilizar candidaturas femininas, há 40 anos o cenário era ainda mais restrito. Poucas mulheres se encorajavam a disputar uma eleição, sobretudo para cargos executivos. E o Vale foi pioneiro em eleger uma prefeita no RS.
Com uma diferença de menos de 30 votos, Iris Altmayer Ranck desbancou o candidato adversário e o machismo em Cruzeiro do Sul, em 1982. À época, Iris era filiada ao PDS, partido criado a partir da ARENA.
Devido a unificação das eleições naquele ano, o mandato de Iris foi maior. Em seis anos, além dos desafios de governar uma cidade, também teve que enfrentar as críticas simplesmente por ser mulher e exercer um cargo que só era ocupado por homens. “Havia uma rejeição por eu ser prefeita. Havia machismo. Tinha campanha dos homens contra mim, mas lutei bastante contra isso”, recorda Íris. Essa rejeição, por sinal, seguiu em 1992, quando tentou retornar à prefeitura. Foi derrotada na disputa com José Manoel Ruschel. Ainda seria eleita vereadora, em 1996, antes de encerrar a trajetória política.
Trabalho comunitário
Iris chegou à política pelo trabalho comunitário. Primeiro, como professora do ensino primário. Depois, na Secretaria Municipal de Educação, conheceu as mazelas e pobreza de Cruzeiro do Sul e passou a lutar por melhores condições de vida às comunidades.
Também passou pela antiga Delegacia Regional de Ensino, em Estrela, antes de ingressar na Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este foi um fator importante, segundo Iris. “Conversei com o coordenador estadual e ele nos concedeu um núcleo para Cruzeiro. Fiz um trabalho de assistência social aqui. Primeira coisa foi organizar os clubes de mães no interior. Ajudava o povo a crescer”.
Antes das eleições de 1982, Iris teve a oportunidade de assumir mandato de vereadora por dois meses. “Eu era primeira suplente do partido. Um tempo onde os vereadores não tinham remuneração. Movimentei aquela câmara e isso também me abriu portas, para que o partido me indicasse depois”.
Iris lembra que nenhum homem do partido teve coragem de concorrer naquele pleito. “Eles me empurraram. Eu não fui por livre e espontânea vontade. Depois, comecei a me entusiasmar. E me elegi. Fui muito bem aceita e continuei, na prefeitura, a fazer o trabalho de quando era voluntária”.
A vitória de Iris colocou Cruzeiro do Sul no centro das atenções. Ela concedeu – e ainda concede – dezenas de entrevistas a rádios e jornais, inclusive dos grandes veículos de comunicação sediados em Porto Alegre. Entre as realizações de seu mandato, destaca os investimentos em melhorias nas redes de energia elétrica no campo e recuperar as estradas.
A única do Vale
Professora de biologia por formação, Vânia Brackmann também tomou gosto pela política. Depois de lecionar por 32 anos, ela trocou a sala de aula pela prefeitura. Se tornou a primeira prefeita da história de Poço das Antas, eleita em 2020 com 64% dos votos válidos.
Muito mais do que a conquista pessoal, a vitória nas urnas também representou, segundo ela, um desejo da comunidade. A participação feminina na política local já vinha em expansão nos últimos anos.
“Temos um bom número de vereadoras há algum tempo, e isso certamente ajudou a cidade a eleger uma prefeita do sexo feminino. Fico muito honrada de ter conseguido ser eleita prefeita”, analisa Vânia.
Ela ingressou na política pelo perfil de liderança, bem como por entender que as mulheres também possuem condições de administrar um município. Além disso, os pedidos da comunidade eram frequentes. “De certa forma, eu sempre tive esse sonho. E muitas pessoas me pediam para concorrer, os próprios alunos. Fui paraninfa de turmas por 15, 16 vezes”, recorda.
Apesar de ser a única prefeita do Vale, Vânia diz se sentir respeitada por gestores dos municípios vizinhos. Contudo, entende que é necessário e possível o aumento da representatividade feminina na política, sobretudo porque em outras regiões há mais prefeitas mulheres.
“Há um preconceito sim, aqui. Mas é algo histórico, que vem de anos. Acredito que as mulheres são capazes de, cada vez mais, conquistarem seu espaço. E estar à frente da administração é um desafio maior ainda, pois nós precisamos provar muita coisa e fazer um bom trabalho para assegurar que essa caminhada seguirá em frente”.
Cronologia da participação feminina na política nacional
• A primeira mulher prefeita no país foi Alzira Soriano, em 1930, no município de Lajes, no Rio Grande do Norte;
• Aldamira Guedes Fernandes, em Quiexeramobim (CE), foi a primeira prefeita eleita pelo voto popular, em 1958;
• Suely Gomes de Oliveira foi a primeira deputada estadual no Rio Grande do Sul, eleita em 1950;
• Iris Altmayer Ranck foi a primeira mulher prefeita no Rio Grande do Sul. Foi eleita em 1982 para comandar Cruzeiro do Sul;
• Iolanda Fleming foi a primeira governadora do país. Ela comandou o Acre entre 1986 e 1987;
• Carmen Regina Cardoso foi a primeira mulher eleita vereadora (em 1988) e a primeira prefeita (entre 2005 e 2012) da história de Lajeado;
• Yeda Crusius, em 2006, foi eleita a primeira governadora na história do Rio Grande do Sul;
• Dilma Rousseff foi a primeira mulher escolhida para presidir o Brasil. Eleita em 2010, seria reeleita em 2014;
• Silvana Covatti, em 2016, se tornou a primeira mulher a presidir a Assembleia Legislativa do RS.
As mulheres nos parlamentos
Assembleia Legislativa do RS:
46 homens (83,6%)
9 mulheres (16,4%)
Câmara dos Deputados:
437 homens (85,2%)
76 mulheres (14,8%)
Senado:
68 homens (83,9%)
13 mulheres (16,1%)