TSE promete rigor contra fake news nas eleições deste ano

PENSAR ELEIÇÕES

TSE promete rigor contra fake news nas eleições deste ano

O combate à desinformação é uma das tarefas mais difíceis à fiscalização eleitoral no país. Histórico dos últimos pleitos mostra como a tecnologia da informação avança mais do que as ferramentas de controle

TSE promete rigor contra fake news nas eleições deste ano
Plataforma de troca de mensagens foi a única que não assinou acordo para combate das fake news com o Tribunal Superior Eleitoral (Foto: Divulgação)
Brasil

Identificar de quem partem disparos de mensagens com informações falsas em um ambiente criptografado, sob domínio de empresas de tecnologia. Uma missão complexa e pouco efetiva.

Há pelo menos três eleições essa tem sido a tônica da fiscalização em termos nacionais. Comandada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a cartilha prevê multa, retirada do ar das informações e até mesmo cassação de mandato, caso comprovado impacto dos compartilhamentos no resultado do pleito.

Ainda que haja uma orientação geral sobre o uso das ferramentas, o avanço tecnológico supera a capacidade dos órgãos públicos de controlar o ambiente digital. De fato, o modelo de negócio das mídias sociais depende do usuário, avalia o doutor em redes sociais, Paulo Pinheiro.

“Cada curtida e compartilhamento garantem o sustento das plataformas digitais. Cada informação distorcida, inverídica ou fora de contexto que envolva personalidades da política ou correntes de pensamento costumam ganhar destaque muito rápido.”

Essa análise se comprova a partir de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). De acordo com o estudo, as notícias falsas têm 70% mais chance de serem compartilhadas do que as verdadeiras.

Essa análise em termos globais se assemelha às condições vistas no Brasil. Levantamento feito pelo Grupo de Pesquisa em Política Pública para o Acesso à Informação, da USP, estima que mais de 12 milhões de pessoas difundam material falso sobre política.

Bloqueio do Telegram

O TSE convoca as empresas de tecnologia da informação para conseguir auxílio no combate às fake news. Entre os conglomerados está o Telegram, um aplicativo voltado à troca de mensagens, organização de grupos de debate e compartilhamento de documentos.

Sem resposta aos pedidos da corte, o uso do aplicativo pode ser bloqueado no país.

No mês passado, o TSE assinou acordo com as plataformas WhatsApp, Twitter, Kwai, Instagram, Google, TikTok e Facebook. As empresas se comprometem em auxiliar no combate às fake news.

Entre as responsabilidades, os conglomerados precisam emitir alertas em caso de informações duvidosas e reduzir o alcance das postagens. Também poderão retirar publicações das postagens e suspender usuários.

O Telegram não participou dessa construção. Tanto que a corte estuda a suspensão dos serviços da empresa. O sistema da plataforma se assemelha ao WhatsApp, porém, há uma gama maior de possibilidades, em termos de organização de usuários, compartilhamento de documentos e formação de grupos de debates.

Sem representação jurídica no país, a plataforma não tem como ser responsabilizada em caso de uso para disseminação de mentiras que interfiram sobre a livre escolha dos eleitores.

Rastro digital

Professor da Univates, o doutor em Comunicação e Informação, Flávio Meuren, ressalta a necessidade de se criar meios de responsabilizar empresas coniventes com a propagação de informações duvidosas. Para ele, os órgãos de controle não conseguem acompanhar a velocidade do ambiente virtual muito pela dinâmica das plataformas, por serem uma forma de comunicação privada. “Como é possível saber de quem partiu determinada notícia? Qual a origem daquilo? As redes sociais são a tecnologia, a ferramenta.”

Mesmo que não tenham ingerência sobre o uso por parte do internauta, as empresas falharam ao não ter controle para o uso de robôs, por exemplo. “O disparo em massa é feito por pessoas que investem nisso. Neste momento se perde um pouco o aspecto subjetivo, de alguém que recebe e compartilha.”

A partir disso, Meuren cita a dúvida quanto à responsabilização. “A possibilidade é chegar à origem. Se for para quem passou a informação adiante é praticamente impossível.” Na análise do professor e doutor, a sugestão de bloquear o Telegram é uma alternativa constitucional, mas traz riscos, pois pode ser interpretada como cerceamento da liberdade de expressão.

“Por serem plataformas, deveriam evitar ao máximo a interferência nos conteúdos. Ainda assim, também não se pode admitir o uso criminoso, para violência, disseminação de conteúdos nazistas. São fenômenos atuais, que acontecem e extrapolam pontos de vista ideológicos.”

Ter claro os limites para os usuários é complexo, avalia. “Ninguém concorda que uma plataforma saiba e mantenha conteúdo de pedofilia, por exemplo. Então a moderação da empresa existe. Só que isso não é fácil de delimitar. Até onde pode ir à intervenção? Daqui a pouco, alguém faz um comentário de caráter político ideológico e pode ser barrado. Neste caso, houve censura, em que se relativiza certas ideias. Isso também é um fator preocupante sobre a interferência das redes sociais no debate público e na democracia.”

Dicas para não ser enganado

  • Checar a fonte: Verificar se o material compartilhado nas redes sociais foi assunto em veículos de imprensa profissional. Jornalismo pressupõe apuração, checagem e confirmação das informações com mais de uma fonte.
  • Aparência da página: Em portais profissionais, as informações estão organizadas. No texto jornalístico noticioso, o uso de adjetivos é evitado para evitar má-interpretação. Também evita-se expressões agressivas ou exageradas. O nome do autor do texto e o autor da foto constam na publicação.
  • Data da publicação: Fake news não são apenas mentiras. Há informações distorcidas, por vezes que remetem a fatos passados. Essas notícias são reproduzidas fora de contexto e com propósitos de prejudicar a pessoa citada.
  • Pesquisar a credibilidade do autor: Jornalistas profissionais e articulistas costumam manter perfis de trabalho na internet. Pesquise quem é o autor do texto. Verifique suas referências e materiais publicados.
  • Desconfie das publicações de amigos e familiares: A relação de afinidade pode ser uma armadilha. Há uma tendência de materiais postados por familiares e amigos serem compartilhados devido a essa relação. As fake news estão presentes inclusive nesses círculos. Certifique-se da veracidade antes de difundir materiais nas linhas do tempo.
  • Olho no link: Alguns sites que propagam notícias falsas imitam nomes ou layouts de veículos tradicionais.

ENTREVISTA – “Mais do que atacar a plataforma, é preciso responsabilizar as pessoas”

Paulo Pinheiro, professor universitário, Senior SEO Analyst da GearSEO e doutor em redes sociais

Características descentralizadas da internet tornam hipótese de bloquear o Telegram pouco efetiva para evitar a propagação de fake news, acredita o professor e especialista em redes sociais, Paulo Pinheiro.

A Hora – Às vésperas da eleição, quais as principais dificuldades em estabelecer a fiscalização e evitar excessos que possam comprometer o voto?
Paulo Pinheiro – Em primeiro lugar, as plataformas de comunicação mais usadas pelas pessoas como Whatsapp, Telegram ou Facebook são empresas privadas. Durante muito tempo, essas empresas foram beneficiadas pela audiência gerada em função de fake news ou teorias de conspiração. Hoje, me parece que elas estão mais atentas ao fenômeno. A fiscalização por meio do poder público pode ser exercida com multas ou punições que provoquem um impacto financeiro em plataformas que estejam sendo condescendentes com essas publicações.

É uma tarefa difícil. Por exemplo, pesquisa da Avaaz aponta que, no Brasil, 72% receberam alguma mentira sobre a pandemia. Isso significa que sete em cada 10 brasileiros acreditaram em pelo menos uma notícia falsa sobre a pandemia. Para piorar a situação, as fake news tendem a se espalhar muito mais do que as notícias verdadeiras.

– O Telegram corre o risco de ser suspenso. É possível barrar o aplicativo no país, como sugere o TSE? Qual o impacto disso?
Pinheiro – Honestamente, não acredito que barrar o Telegram seja uma solução efetiva no combate as fake news. A internet tem como uma das principais características ser uma rede descentralizada. Se a informação for impedida de circular no Telegram, vai encontrar outro caminho. As mesmas pessoas que propagam notícias falsas simplesmente buscariam outro aplicativo. Identificar e punir os responsáveis me parece bem mais eficiente. Se o Telegram fosse barrado, uma ação que eu considero improvável, o impacto mais lógico seria a migração e consequente absorção desse público por outra plataforma. O que não resolveria. Mais do que atacar a plataforma é preciso responsabilizar as pessoas.

– A propagação de fake news tem interferido em diversas esferas da sociedade. E para a democracia, qual o risco dessa prática?
Pinheiro – Um exemplo prático das fake news foi visto em plena pandemia. Pessoas se recusaram a tomar vacina, pessoas acabaram apostando em tratamentos não recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Tudo isso por conta de um relato lido no WhatsApp, por exemplo. Infelizmente, muitas das pessoas que optaram por acreditar em notícias falsas adoeceram e muitas morreram. É triste notar que a vacinação das crianças no Brasil ainda não atingiu o patamar ideal em função de uma série de fake news que circularam apontando riscos inexistentes. A própria OMS, junto com a ONU, pediu medidas firmes contra as fake news. Como 2022 é um ano de eleição e há o risco do pleito ser marcado novamente por uma intensa polarização, as fake news podem ser uma ameaça à democracia. Mais do que nunca é importante que as pessoas deem valor ao jornalismo de qualidade.

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