Fantasias, tamborins e serpentinas ficarão mais um ano guardados. As principais festas do país suspenderam os desfiles novamente e, mesmo que os foliões botem seus blocos na rua, a celebração deve ser mais tímida do que era antes da pandemia. Com ou sem samba enredo, o fim de semana suscita as lembranças dos tempos áureos do carnaval de Lajeado.
A primeira memória que Joel da Silva, o Zulu, tem da festa popular vem da infância. A figura icônica da carnaval no Vale desfilou pela primeira vez aos oito anos, junto com pai, Emanuel da Silva, que sempre foi outro grande entusiasta da festa. Na adolescência, Zulu fez parte das escolas Deixa Sambar e Alegria de Viver. Na década de 1980, Lajeado contava com quase dez escolas que desfilavam pela Júlio de Castilhos para um público de mais de 20 mil pessoas.
A inspiração para os desfiles vinha da Sapucaí e das festas de rua que aconteciam nos grandes centros. “A referência para fazer tudo era o meu pai. A gente olhava muito o carnaval de rua”, conta Zulu. Essa é uma paixão da família. Em 2013, quando Neguinho da Beija Flor esteve em Lajeado, ele se encontrou com o Seu Emanuel e realizou o sonho do antigo carnavalesco.
“O melhor nem era o desfile, era a preparação: soldar ferro, comprar lantejoula e pluma, convidar as pessoas para participar”, lembra. A brincadeira era séria, movimentava toda cidade e trazia foliões de outras regiões. Os jurados que avaliavam os desfiles vinham de Porto Alegre e eram técnicos de suas áreas. Em 1985, a competição chegou a um nível tão alto que ficou difícil pagar todos por toda a alegoria. Naquele ano Lajeado deu uma pausa nos seus desfiles e encerrou seu melhor período.
Lembranças das décadas de ouro
A escola Maracangalha foi criada em 1957 e anos depois deu origem a outros grupos. No dia 5 de fevereiro de 1976, nascia o Castaca, grupo carnavalesco que existe até hoje. Uma semana depois, foi a vez da Sociedade Recreativa Batutos, a Soreba. Com o sucesso das competições, mais escolas surgiram na década de 1980, como as que Zulu participou.
“Foi um período que marcou muito a minha geração. Era um carnaval luxuoso, com muito samba no pé”, lembra Marco Aurélio Munhoz, um dos fundadores do Cascata. Com ele, estavam outros seis amigos. O grupo chegou a desfilar com 500 pessoas. Para quem só assistia os desfiles pela televisão, os grandes eventos eram uma possibilidade de brilhar.
A professora e cantora Stella Maris Reckziegel começou a participar em 1982, pela escola Deixa Sambar, como puxadora de samba. O envolvimento era tanto, que em 1984 ela chegou desfilar grávida. “Eu sempre acompanhava os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Mas nunca imaginei que um dia eu seria uma puxadora de samba. Foi uma experiência espetacular”, lembra. A professora também participava de outros eventos carnavalescos da região.
Era uma festa que não acabava em fevereiro. Com o objetivo de arrecadar fundos, as escolas organizavam bailes e vendiam galetos. “Teve um ano que vendemos 700 cartões”, conta Munhoz. A competição não acabava no desfile. Entre os meses de julho ou junho, os grupos organizavam olimpíadas de inverno, com jogos no Parque do Imigrante.
Cansativo, mas gratificante
Depois da crise de 1985, para reviver o Carnaval foi preciso suar. Os pais dos jovens envolvidos ofereciam suas casas para organização dos materiais. A artista plástica Desirée de Azambuja viveu esse momento. “Antes da pausa era um pessoal de Porto Alegre que fazia o trabalho com figurino. Depois, em 1999, lembro que as fantasias foram de plástico”. Em 2000, Desirée desenhou as fantasias das 10 alas do Cascata.
As alegorias deviam estar de acordo com o tema que a escola tinha naquele ano. Além do trabalho na produção, Desirée também desfilou com a escola. “Quando cheguei em casa, percebi que meu corpo tinha muitos hematomas. Nem sei como aconteceu”, conta. “Era muito cansativo, mas era gratificante”, lembra.
Palhaços mantêm o seu espaço
O Bloco dos Palhaços começou a pular carnaval em 1971 e não parou mais. Em janeiro, o grupo completou 51 anos na ativa. A ideia de formar o bloco surgiu em um encontro das famílias Dresch, Rocha, Vanzim, Chiarelli e Eckert. Conforme a atual presidente do bloco, Morgana Bender, hoje a associação conta com 130 pessoas e nenhuma faz parte das famílias fundadoras.
“Nosso objetivo é alegrar as crianças. Ninguém sabe sambar, mas elas adoram”, conta Morgana. Neste ano, o grupo participou de festas de comunidade no Natal e no Dia das Crianças. As fantasias e adereços são criados conforme o tema do samba enredo e tudo está guardado no Parque do Imigrante. Lá também ficam os troféus que contam o meio século de história.
Futuro da festa
O último evento organizado pela Prefeitura de Lajeado ocorreu em 2018. Conforme Talita Santana Fracalossi, coordenadora da Cultura, a festa popular não tem adesão da comunidade como os outros eventos realizados pelo município.
“O Carnaval é uma cultura popular importante, mas é um evento que precisa ser pensado num formato adequado para o município. E esse diálogo precisa ser feito com a comunidade, com o Conselho Municipal de Política Cultural e entidades”, explica.
Antes da pandemia, em 2020, Zulu montou o bloco “Vem quem quer” que se concentrou na Avenida Décio Martins Costa. Nesse ano, clubes como o Tiro e Caça organizaram um Carnaval Infantil. Para Zulu, o envolvimento dos pequenos é uma possibilidade de resgatar a cultura carnavalesca. Ate lá, resta a saudade e a expectativa de uma nova boa fase do Carnaval em Lajeado.