A falta global de componentes afeta a produção de novos veículos. Essa redução de oferta trava a renovação de frota e amplia o comércio de veículos usados. No último ano, o segmento de automóveis de segunda mão cresceu 18,1% no mercado nacional, comparado a 2020.
Por consequência, cresce a procura de serviços em oficinas mecânicas. Seja pela necessidade de revisões ou reparos após compra. Muitas vezes, a manutenção demanda novas peças e há dificuldade em fazer a reposição. A maior demora e escassez afeta, em especial, veículos importados.
Além da espera de até quatro meses para conseguir a peça, o preço também sofreu alterações. Em alguns casos, custa mais que o dobro comparado ao período anterior da escassez de componentes.
Quando se trata de veículo nacional, as concessionárias demoram em média duas semanas para entregar a peça. Já no mercado independente, é possível reduzir esse prazo, mas exige ampliar a lista de fornecedores e se expor a itens com qualidade dúbia.
Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) os desafios no segmento persistem e mesmo com o aumento das margens, a queda do giro prejudicou o resultado das vendas de veículos.
A entidade alerta que as dificuldades na logística e falta de insumos para as montadoras, assim como os aspectos de emprego e renda das famílias indicam um ano desafiador no setor automotivo.
Dificuldade por peças
No ramo desde 1996, o mecânico e proprietário de oficina Carlos Giovanella, atesta o cenário desafiador em busca de peças. “A dificuldade em conseguir itens de reposição se acentua desde o segundo semestre do ano passado. Até consegue, mas precisa ter bons contatos e persistência na busca”, conta.
Com a valorização dos veículos, a demanda de serviços também cresceu. “Sempre tem cliente na fila. O agendamento foi uma forma de melhor organizar essa demanda.” Giovanella acredita que a alta de preços nos automóveis novos fez o proprietário investir mais no usado.
Esse é o caso de Valdir Galli, proprietário de um Voyage, ano 2011. “Fui na oficina para uma revisão na suspensão e sistema de freio. Essa verificação preventiva evita despesas maiores e contribui na segurança”, comenta.
Diante do aumento expressivo no preço dos veículos novos, Galli descarta a troca do carro neste momento. “Não pretendo comprar outro agora, a não ser que apareça uma proposta muito boa.” Ao mesmo tempo que os automóveis usados têm maior valorização, a faixa de preço do novo disparou e está cada vez mais difícil encontrar abaixo dos R$ 60 mil.
ENTREVISTA – Marco Antônio Machado, presidente do Sincopeças-RS
“Somos dependentes da importação e os altos custos comprometem a oferta”
A Hora – O que ocorre com o setor de peças automotivas?
Machado – Existem dois canais de suprimentos, o das montadoras e o mercado independente. Nós representamos esse segundo segmento que é o das revendas para reparadores. A falta de peças já foi pior durante o pico da pandemia no ano passado. Ainda há problemas pontuais, mas acreditamos que isso vá se resolver durante o ano.
– Quais são as maiores dificuldades?
Machado – Somos dependentes da importação. Ou o mercado importa direto as peças prontas, ou as fabricantes importam partes para produção. E essa importação é difícil. Faltam contêineres e o custo do frete internacional subiu. Antes dessa situação, para acelerar o envio ao Brasil, as empresas ocupavam 50% do contêiner. Agora, saem apenas com carga cheia e isso reflete no tempo de entrega. A China tem dificuldade em fornecer componentes por restrições internas.
– Qual é a orientação para as autopeças e oficinas mecânicas?
Machado – No início da pandemia achávamos que haveria redução de demanda, mas ao contrário, teve crise na oferta. Nossa orientação no momento é que as empresas busquem novos fornecedores para atender os clientes. Sem os suprimentos o reparador não sobrevive. Na década de 40 até era possível fazer a peça na oficina. Os veículos evoluíram e isso não é mais possível. Nós acreditamos que se houver maior controle da pandemia o cenário vai mudar. Acreditamos que a circulação de pessoas é a mola propulsora da economia.
– Como a escassez de peças compromete a qualidade dos reparos?
Machado – A evolução da indústria se dá em vários aspectos. A produção de forma geral melhorou muito e há o controle do Inmetro sobre as peças importadas. Claro que, diante da falta de componentes, surgem os oportunistas que colocam no mercado itens falsificados. Assim como no segmento de roupas e calçados, também há o risco de imitações.
– E a venda de carros novos?
Machado – Além da falta de chips, há uma retração nas vendas por conta do encolhimento da economia. A pandemia impactou no emprego formal e no poder de compra. Percebemos, inclusive, uma mudança no perfil do comprador do automóvel zero. A maioria dos veículos já custam mais de R$ 100 mil e isso fez desaparecer o carro popular. O avanço nos projetos dos híbridos também faz as montadoras rever a atuação no mercado.