Tecer, bordar e costurar ainda são atividades muito comuns em filmes de época, e contam a história de gerações de mulheres que tinham a prática como ofício. A visão romantizada e, por vezes, machista, dessas atividades, no entanto, está mais do que desatualizada. Enquanto a imagem que era passada era de mulheres submissas que teciam longas peças na espera dos maridos voltarem de alguma guerra, hoje, o costume está de volta pelas mãos de empreendedoras que têm a prática como profissão.
Foi-se o tempo em que bordar era considerado uma atividade antiga. O ramo tem crescido e criado comunidades que se identificam com as atividades manuais. Entre elas, está o Clube do Bordado, que iniciou em 2014, com uma coleção de bordados “soft porn”, que representava a sexualidade do ponto de vista feminino. Hoje, o clube tem mais de 230 mil seguidores no Instagram e 7 milhões de visualizações mensais em seus vídeos e aulas no YouTube.
Com a ascensão dessa economia criativa, o artesanato vem se fortalecendo ao longo dos últimos anos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como segmento de mercado, a atividade movimenta R$ 50 bilhões por ano no Brasil, e é responsável pela renda de aproximadamente 10 milhões de pessoas.
Costura de gerações
Uma delas é Bianca Käfer, 26, que, ainda criança, já gostava de criar. Com a máquina ou uma agulha na mão, não há costura que ela não possa fazer e, ao longo dos anos, coleciona bolsas, estojos, e muitos produtos ecológicos feitos com linha e tecido.
Mas a história da família com a costura vem de pelo menos quatro gerações. Quando a bisavó era jovem, costumava receber roupas das primas e irmãs mais velhas e ajustava para servir nela e nas filhas.
Mais tarde, a prática foi passada para a avó de Bianca, Íris Erna Sonntag, 83, que sempre teve boa mão também para o bordado. “Ela me contou que aprendeu sozinha. Ela lida com o bordado desde os 11 anos e diz que também sabe fazer macramé. Até hoje ela tem esse carinho pelo bordado”, conta Bianca.
Quando a designer de moda era a criança, a mãe, Sônia Käfer, 56, trabalhava no comércio, mas tinha um gosto especial pelas artes. Depois do expediente, fazia cursos e levava a filha para oficinas de pintura em tecido. Nesse tempo, Bianca também gostava de fazer pulseiras de miçanga, e já ensaiava as primeiras peças manuais.
Aos 16 anos, ela já sabia que queria fazer moda, e um pouco antes de entrar na faculdade, começou a costurar. Nesse tempo, Sônia e uma irmã abriram uma loja de artesanato no Centro de Lajeado, e passaram a vender e ensinar o patchwork. Bianca também aprendeu a técnica e, depois de formada, entrou para o negócio das mulheres da família.
“Lembro que uma das primeiras coisas que eu fazia quando era menor, era finalizar os trabalhos da minha mãe. Tinha que fazer um ponto à mão, com linha e agulha, que se chama ponto invisível. Eu ficava muito feliz quando ela via e dizia que estava muito bom”, recorda Bianca.
Amor e empreendedorismo
Hoje, a loja Feito a Fio é dela, que conta sempre com as sugestões da mãe. A designer de moda também criou a própria marca Biankä handmade, focada em produtos ecológicos como os absorventes e lencinhos de maquiagem feitos de pano.
A rotina entre uma costura e outra é trabalhosa, mas Bianca não se importa. Afinal, trabalha em família, com algo que gosta. Quando iniciou, lembra que ouviu os amigos falarem que costura e bordado eram coisas de antigamente. Hoje, ela já vê um movimento diferente e acredita que a pandemia foi um grande incentivador da procura pelos trabalhos manuais como processo criativo e terapêutico.
“Os jovens hoje nascem com o celular no rosto e acho que essa questão do artesanato, de poder fazer algo fora da tecnologia é muito legal. Essa parte de criar, de ter um momento só teu é uma das coisas mais legais do trabalho manual para mim”, destaca Bianca.
De mãe para filha
Na família de Vestina Schmidt Fleck, 67, o bordado também vem de gerações, e este era um dos tantos trabalhos manuais que a mãe dela a ensinou, ainda quando a filha era criança. As duas costumavam praticar juntas, em especial, em tecido xadrez e em algumas tapeçarias caseiras. Mas Vestina também sabia como fazer outros tipos de bordados, como o livre, e gostava de aprender.
Quando se tornou mãe de Karina Fleck, 27, passou o gosto para a filha. “Eu ensinei o básico que sabia pra ela. No começo, ela usou minhas linhas e alguns poucos materiais de bordado que eu tinha. No fim, dei tudo pra ela pois eu não praticava mais”, lembra.
Hoje, enquanto Karina borda, a mãe faz tricô ou crochê. “Fiz uma blusa de crochê que ela pretende bordar. Também ensinei ela a costurar, e por isso, fazemos muitas coisas desse tipo juntas”, conta Vestina.
“Bordadeira”
Depois de aprender algumas técnicas com a mãe, Karina teve maior interesse pelo bordado a partir de um evento para os estudantes de design da Univates. “Lá tinha uma oficina de bordado livre, eu não conhecia essa técnica, que é mais moderna, e quis fazer. Infelizmente as vagas já tinham sido preenchidas, mas fiquei curiosa mesmo assim”.
Quando chegou em casa, foi procurar sobre a técnica e se apaixonou pelo bordado livre contemporâneo. Reviu os ensinamentos da mãe, procurou novos estudos na área e, hoje, é bordadeira de profissão.
A decisão por deixar o emprego fixo como designer pelo próprio negócio a partir do artesanato surgiu na pandemia já que, sem trabalho na agência em que ia ingressar, precisou encontrar uma nova fonte de renda.
“Ainda faço alguns freelas de design às vezes, mas me considero muito mais bordadeira hoje do que designer. E, no fim, acho que meu conhecimento como designer me ajuda muito na questão estética do bordado também”.
Com a mãe, Karina também aprendeu a costurar e a fazer tricô e pede ajuda de Vestina sempre que precisa.
O retorno de uma tradição
Assim como Bianca, ela também percebe que as atividades manuais têm chamado cada vez mais a atenção dos jovens. Karina acredita que a rapidez com que as pessoas vivem faz com que procurem formas de deixar as coisas mais tranquilas.
“Acho que muita gente se interessa por trabalhos manuais para relaxar, para deixar as tecnologias um pouco de lado. Também acho que é uma forma de nos conectarmos com nossas tradições”, destaca.