Uma imersão aos Emirados Árabes Unidos faz bem a qualquer gestor ou empreendedor que se pretende aberto às transformações globais. O contraste ou paradoxo estão presentes na política, na sustentabilidade, nas oportunidades e na cultura. Apesar de muito religiosos, o povo e a monarquia de Dubai toleram e convivem bem com os estrangeiros de 150 países.
Foi esta a impressão dos integrantes da missão empresarial da Acil, da qual participei nos últimos 10 dias. Uma pena que não teve representante do Pro_Move Lajeado nesta missão, inclusive, faltaram prefeitos, apenas um se encorajou. Certamente, todos teriam agregado muito.
Aqui tento sintetizar as lições e aprendizados, desta que pode ser classificada uma viagem necessária para qualquer gestor ou empreendedor disposto a ter uma visão mais ampla sobre cultura, negócios e gestão.
Embora o país árabe – formado por sete emirades (estados) – tenha apenas pouco mais de meio século como nação, seus avanços tecnológicos traduzem a assertividade do modelo adotado pelos sheiks, uma espécie de monarcas que integram o governo totalitário comandado pelo califado da capital, Abu Dhabi.
São famílias reais poderosas que controlam absolutamente tudo, desde o táxi, meios de comunicação, serviços básicos da população e a construção civil. A segurança pública, a água, o esgotamento sanitário, tudo é pensado, controlado e executado pelo governo.
Impossível imaginar este modelo no Brasil. Por lá, as ruas têm segurança. Ninguém se atreve a desrespeitar uma mulher, criança ou um idoso. Vai preso na hora. Talvez por isso se vê tanta gente caminhando na rua, muito à vontade, ostentando joias caríssimas.
Os árabes (muçulmanos) são muito religiosos, chegam a rezar três vezes ao dia. Sua civilização data de 7 mil anos e traz muita espiritualidade, disciplina e propósitos. Além de tudo, a palavra empenhada tem valor. São cumpridores dos tratados.
Difícil imaginar uma cultura tão singular, ao mesmo tempo em que é tolerante e aberta ao mundo. Aliás, dois novos ministérios estão sendo criados – o da Tolerância e da Felicidade –, para fortalecer a cultura da diversidade e receptividade. Dubai quer se tornar o principal destino turístico do mundo até 2030, motivo pelo qual passa a flexibilizar regras aos investidores. O petróleo está terminando e, por isso, o turismo é a nova aposta, com projeto pensado aos próximos 50 anos. Planejamento, eis algo que funciona para os árabes. Ainda mais, com seu ambiente desértico.
Até agora, para abrir um negócio tradicional em Dubai, o investidor precisa se submeter a um sócio árabe, que retém 30% do faturamento. Ele entra com o lobby necessário para acelerar as relações comerciais. Diferente é para startups, que são livres desta exigência. Basta uma boa ideia, especialmente, na área tecnológica.
Chama atenção a infraestrutura. Mesmo em bairros industriais e mais periféricos, o esgoto é recolhido por caminhões-pipa, para ser transformado em adubo, enquanto a água é reaproveitada na irrigação, a maior parte por cotejamento.
Nada é pensado em curto prazo. Os projetos consideram décadas, até séculos pela frente. Um exemplo é a mobilidade. Estações de trem são instaladas em locais onde ainda não tem habitação populacional. Algumas levam para a areia, prevendo futuros usuários nas imediações.
As coisas realmente funcionam com velocidade e pragmatismo. Por ser um governo totalitário, ele “imagina, planeja e executa” superando os próprios recordes. A burocracia não aparece e os preceitos de sustentabilidade são questionáveis, mas ninguém se opõe. A coisa anda, para o “bem da maioria e do país”.
No governo, as mulheres ocupam 70% dos cargos. “Elas são mais focadas”, justificam os homens que preferem se dedicar aos negócios da família.
Nem tudo são flores. Existem pobres em Dubai. Indianos, paquistaneses e vários povos oriundos de países em guerra formam a maioria da população. Estes trabalham nos serviços operacionais como construção civil, restaurantes, táxi e outros. Trabalham muito, e recebem pouco pelas jornadas exaustivas. Se submetem para sobreviver e enviar algum dinheiro para suas famílias em seu país de origem, onde a situação é bem pior. Não tem sindicatos, nem oposição. Ou seja, os árabes se aproveitam desta condição vulnerável e acabam por explorar os estrangeiros, pois sabem das suas dificuldades e necessidades.
Não tem mendigo na rua. Ou você estuda, intercambia, é turista ou trabalha. Não tem jeitinho. Sem ocupação, você é deportado, imediatamente.
A grande lição de Dubai é sua tolerância e mente aberta. Embora rígida e conservadora nos seus costumes, ela está aberta ao mundo. Permite e convive em harmonia com diferentes etnias e origens, desde que todos trabalhem ou invistam no emirado.
Tem oportunidades para todos, basta se adequar. O governo é mão de ferro, com regras claras e ninguém ousa desrespeitá-las. As pessoas mais inteligentes e cultas estão na linha de frente das organizações governamentais. O respeito e a obediência são valores para todos, indiferente de condição social. Nas periferias, onde há menos controle, o capricho perde bastante deste brilho verificado na metrópole.
O grande legado de Dubai é sua objetividade, velocidade, segurança em todos os aspectos, criatividade, superação e tolerância. Impossível voltar de Dubai sem questionar o excesso de burocracia, falta de disciplina e “julgamento” que nossa cultura ocidental insiste em seguir.
“Imaginar, planejar e executar” é o mantra do governo que estimula o propósito em seu povo e tenta convencer o mundo da sua generosidade, tolerância e pragmatismo. De fato, muitas coisas já acontecem e outras parecem estar a caminho.
Para falar de Dubai, é preciso visitá-la. Isso que nem falei da ExpoDubai. Já é outro capítulo.