A fé é cultivada de diferentes maneiras. Para uns, ela está nas igrejas e nas orações. Para outros, é firmada com maior força em um momento de dor, quando há necessidade de esperança. E, para que alguns pedidos sejam concretizados, muitos fiéis fazem trocas com o divino. Assim, por motivos de saúde ou mesmo conquistas, cumprem promessas de procissões, peregrinações e solidariedade.
Juliana Quadros, 28, está entre os jovens que acreditam nas promessas. Por meio de orações pela saúde da filha, ela prometeu à Nossa Senhora Aparecida que não cortaria o cabelo dela e da criança por cinco e sete anos, respectivamente. Em maio, Andriele de Quadros Huff completa 7 anos, e a ideia é doar os fios para a Liga Feminina de Combate ao Câncer.
Moradora de Estrela, Juliana trabalhou até os oito meses de gestão, mas apresentou um quadro de pressão alta e diabetes gestacional. Queria que a filha nascesse de parto normal, e com 38 semanas, foi internada no hospital de Estrela. Era domingo, 16 de maio de 2015 e, até terça-feira, 19, ela não sentia contrações e teve que optar pela cesária. Andriele nasceu às 15h15 daquela terça-feira, saudável, com 3,480 kg e 51 cm.
Em 2016, logo após o aniversário de 1 ano, a menina teve pneumonia e muitas infecções respiratórias. Foi no período em que a H1N1 surgia, e os médicos achavam que era gripe. Mas, mesmo com o tratamento, os sintomas não melhoraram.
“Ela teve muita febre alta. Chegou a 40 graus e começou a convulsionar. Fomos ao pronto socorro de Estrela onde fizemos exames de urgência, raio-x, tomografia e foi constatado o derrame pleural, ela tinha água no pulmão”, conta Juliana.
Depois do diagnóstico, o próximo passo foi buscar um hospital que fizesse cirurgia, e internaram a filha no Hospital Bruno Born (HBB). Ao lado dos pais e da avó, Andriele passou pela cirurgia e colocação de um dreno no tórax, e ficou mais de 30 dias internada. O médico avisou à família que apenas uma em 10 crianças sobreviviam a esta pneumonia.
O pai, André Huff, que nunca tinha doado sangue, fez a doação à filha. Foi então que Juliana pediu ajuda à Nossa Senhora Aparecida e fez uma promessa em frente à santa que ficava na escada do refeitório do hospital. “Eu sempre passava na frente dela e rezava, chorava e até xingava por estar naquela situação. Por ela ser tão pequena e passar por tudo aquilo. No dia da cirurgia, rezei muito. Disse que se ficasse bem, eu não cortaria os nossos cabelos”, conta a mãe.
Naquela época, saiu uma reportagem sobre a história do cantor Wesley Safadão, que passou pelo mesmo problema de Andriele, e a mãe tinha feito a mesma promessa.
“Naquele momento me apeguei nisso como uma forma de agradecimento por ela estar bem, falei para todos que não iria mais cortar o cabelo dela durante sete anos nem o meu durante cinco. Seria promessa”. Quando a menina saiu da UTI, a família voltou ao Hospital de Estrela até tirar o dreno. E, mesmo depois da alta, continuou com fisioterapia respiratória.
Hoje, Andriele tem 6 anos e é uma menina saudável. Juliana cortou os cabelos faz dois anos, com a promessa comprida. Em maio será a vez da filha, unindo a promessa e a solidariedade.
Pelo caminho
Também movido pela fé, Tiago Agostini Scheid, 26, já fez algumas promessas. Mas elas não envolviam saúde ou profissão, e sim por devoção ao time de futebol. A primeira foi em 2016, quando o Grêmio venceu o Cruzeiro na semifinal da Copa do Brasil. Se o time fosse campeão, o gremista iria até a Santa de Encantado caminhando. E, assim, o juramento foi cumprido.
Em 2017, a promessa foi a mesma, e o Grêmio foi campeão da Copa Libertadores. “Em 2018, fiz a mesma promessa e o Grêmio caiu para o River na semifinal. E no ano passado eu e mais 10 amigos iríamos caminhar até a santinha se o Grêmio não caísse para a série B”, conta.
O percurso do centro de Arroio do Meio, cidade onde ele vive, até a Santa em Encantado é de 17 km, que caminha com felicidade a cada pedido realizado.
Para Tiago, as promessas são feitas a partir da fé, mas também em momentos de emoção. “Tu tá olhando o jogo com a galera e vem aquela ideia. Se o Grêmio for campeão nós vamos caminhar até a santinha. E a gente sempre cumpre com gosto, porque o objetivo foi alcançado”, ressalta.
Ele também tem o exemplo da família e, no primeiro ano que caminhou até Encantado, a mãe, também gremista, o acompanhou.
ENTREVISTA – “A promessa precisa tornar a pessoa mais caridosa e menos egoísta, mais humilde e menos vaidosa e exibicionista”
Padre Leandro José Lopes, vigário geral da Mitra Diocesana de Santa Cruz do Sul, fala sobre a relação entre as promessas e a fé.
As promessas são muito comuns entre pessoas de fé, como a Igreja as vê?
De forma positiva, desde que elas sejam expressão do acolhimento livre e responsável por parte da pessoa, daquilo que ela compreende que Deus queria para ela. Porém, o querer de Deus para a pessoa sempre é conforme os ensinamentos de Jesus Cristo nos Evangelhos. Assim, uma pessoa não pode prometer algo contrário a esses ensinamentos.
Para quem as promessas são feitas?
A princípio, uma promessa pode ser feita ao próprio Deus. Algumas pessoas também fazem a um santo de devoção, pedindo alguma intercessão. A questão varia segundo o grau de maturidade e profundidade da fé. Há pessoas que cultivam a devoção a algum santo, e procuram imitar suas virtudes e exemplos. E, às vezes, por causa do grau de amizade espiritual na relação com este santo, chegam a pedir alguma graça necessária para a sua salvação ou pedir algum bem para realizar sua missão como cristão. Outras pessoas são mais superficiais, ficam apenas no nível de um certo comércio com o sagrado.
Em quais situações as promessas são feitas?
Alguns estudos das religiões indicam que elas são feitas, em geral, por motivos de ordem profissional ou financeira, de relacionamentos, familiares e amorosos, e por motivos de saúde.
O que é possível prometer?
As promessas na Sagrada Escritura ou na vida dos santos sempre é procurar viver com fidelidade e radicalidade o Evangelho. A promessa precisa ser medicinal para a pessoa: torná-la mais caridosa e menos egoísta, mais humilde e menos vaidosa e exibicionista. Desta forma, a promessa é uma resposta ao convite de salvação que Deus oferece gratuitamente a pessoa.
Falando da espiritualidade no geral, o que as promessas podem significar?
Hoje, alguns estudos indicam a relevância de crer em algo para benefícios na saúde biológica e mental, porque no exercício do crer ou do ato religioso, libera algumas substâncias benéficas (neurotransmissores) no organismo humano. Não vejo problema contrário a religião nisso, mas a fé cristã consiste numa questão mais ampla e profunda: crer que Jesus Cristo é a manifestação do mistério divino, que Ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não apenas um bom personagem altruísta da história da humanidade, com belos ensinamentos morais.