Pesquisa realizada pela consultoria Idados mostra que mais de 12,3 milhões de brasileiros entre 18 e 29 anos fazem parte dos chamados nem-nem, jovens que não estudam nem trabalham. O número que representa 30% da população dessa faixa etária e um acréscimo de cerca de 800 mil na comparação com o total registrado no segundo semestre de 2019, antes da pandemia por covid-19.
Apesar do acréscimo no número de jovens, o contingente nem-nem já apresentava elevação antes do coronavírus. Em 2012, o número de jovens que não estudam ou trabalham somava 10 milhões, equivalente a 25% da população. A elevação do contingente mostra que, a cada ano, novos estudantes se formam e não conseguem posição no mercado de trabalho.
De acordo com a economista e vice-presidente do Codevat, Cíntia Agostini, o aumento dos nem-nem está diretamente relacionado com as crises econômicas. Segundo ela, os jovens são os primeiros a ficar sem emprego nos momentos de turbulência na economia seja no Brasil ou no mundo. “Nos piores momentos da crise de 2008, quando alguns países da Europa bateram 20% de desemprego, entre os jovens o índice era de 40%.”
As crises enfrentadas no país ampliaram a quantidade de jovens que concluem o Ensino Médio sem ingressar no mercado de trabalho, porque as oportunidades ficaram mais restritas. Diante da pandemia, o cenário se agravou. “Os jovens ficaram fora da sala de aula, muitos com dificuldades de acesso à tecnologia para continuar os estudos, o que triplicou os índices de evasão escolar.”
Conforme Cíntia, além das dificuldades relacionadas à covid-19, a maioria dos jovens ainda chega ao mercado de trabalho com déficit de qualificação, tanto técnica quanto comportamental.
Segundo ela, hoje a escola não consegue oferecer a formação exigida pelo setor privado. Ao mesmo tempo, em uma sociedade cada vez mais digital, muitas das vagas abertas para quem não tem formação superior são para execução de tarefas analógicas e repetitivas.
“Temos jovens que não estudam nem trabalham e por outro lado empresas precisando de mão de obra. Isso tem muito a ver com uma incompatibilidade do que querem jovens e empresas”, aponta. Para ela, este cenário precisa ser reequilibrado a partir do processo de formação das crianças e adolescentes, por meio de políticas públicas e programas que minimizem esse distanciamento.
Números
- 12,3 milhões de jovens brasileiros não estudam nem trabalham
- Número equivale a 30% da população que tem entre 18 e 29 anos
- São 800 mil jovens a mais do que o número registrado antes da pandemia
- Em 2012, o Brasil tinha 10 milhões de “nem-nems”,
- 25% da população entre 18 e 29 anos

No Vale, jovens tem oportunidades de trabalho e incentivo ao estudo, com destaque para a área de tecnologia. Faltam dados estatísticos, mas de forma empírica, percentual local é menor (Foto: Thiago Maurique)
Déficit preocupa estudantes
Nos primeiros três meses de atividades, o projeto Rumo desenvolveu levantamento com mais de 600 estudantes das redes pública e privada de Lajeado.
Pesquisador responsável pelo estudo, Lucildo Ahlert afirma que os estudantes demonstram grande preocupação com a distância dos conteúdos ensinados e a realidade do mercado de trabalho.
“Alguns jovens dizem não saber para que servem, porque ninguém consegue experimentar uma profissão durante a formação escolar”, aponta.
Segundo ele, no passado era comum os adolescentes iniciarem as experiências profissionais ainda na escola, algo que hoje não é mais tão usual.
Conforme Ahlert, as escolas estão distantes do mercado devido a lógica de oferecer uma grande quantidade de informações sem explicar para que serve esse conhecimento e como ele pode ser usado na vida profissional. Com a pandemia, considera que a situação se agravou.
“Os estudantes relatam não terem aprendido nada na pandemia. Por isso, dizem não ter condições emocionais ou conhecimento para dar seguimento aos seus projetos pessoais”, alerta. Lembra que os próprios professores têm dificuldade em lidar com a tecnologia e não conseguem dar atenção às necessidades dos alunos.
Segundo ele, muitos estudantes apontaram falta de empatia dos mestres quando relatam dificuldade para construir o conhecimento. “Aqueles que tem facilidade conseguem avançar, mas quem tem dificuldade, não recebe a ajuda necessária.”
Ahlert afirma que os próprios estudantes manifestaram interesse em experimentar, exercitar, e construir o conhecimento necessário para o mercado de trabalho. “O conteúdo da pesquisa será muito bom para trabalhar. É um problema que tem solução.”
Exemplos regionais
Cíntia Agostini lembra que a realidade do Vale do Taquari difere do restante do Brasil, por isso o contingente de jovens que não estudam ou trabalham é menor. Segundo ela, existem ótimos exemplos de inserção de jovens no mercado de trabalho da região, por meio de iniciativas do setor privado, público de entidades e da universidade. “Sabemos que isso não acontece no cenário nacional.”
Cita como exemplo o Alfab&Letrar, programa de extensão desenvolvido pela Univates, em parceria com municípios da região, que visa melhorar o desempenho escolar de crianças em idade de alfabetização.
Outro programa de destaque é o Trilhas da Inovação. Desenvolvido pelo Pro_Move Lajeado, o projeto oferece oficinas e cursos técnicos a estudantes do 9º ano das escolas municipais.
A intenção é preparar os jovens para o mercado de trabalho, em especial para as áreas de tecnologia.
“De fato, a escola perde atratividade”
Moacir Fernando Viegas • PROFESSOR DA UNISC, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pós-doutor em Psicologia do Trabalho na Universidad Autónoma de Barcelona
• A Hora – Porque o número de jovens que não trabalham nem estudam cresce no Brasil?
Moacir Viegas – Um dos motivos é o fato de a economia estar organizada de forma segmentada em nível mundial. Tem segmentos de alta tecnologia e outros com nenhuma tecnologia em todos os países. Alguns concentram mais tecnologia, mas não é o caso do Brasil devido a nossa tradição de exportação de produtos agrícolas. Isso torna necessário um contingente muito grande de pessoas com baixa qualificação e muitos jovens não aceitam trabalhar em qualquer coisa. Eles vão levando conforme podem, sustentados pela família ou talvez fazendo alguns bicos de forma autônoma. Trabalhos que exigem muito esforço físico e pouco intelectual não são atrativos para esses jovens que as vezes preferem ficar sem trabalhar.
• Como a escola se insere nesse cenário?
Viegas – O tempo em que a formação para o trabalho era predominantemente da escola acabou. Existe um conceito chamado enquadramento social, pelo qual a pessoa se forma pelo acesso à informações na internet e no próprio meio social em que se convive. Hoje, se consegue acessar informação e um pouco de conhecimento sem necessariamente ir à escola. Os filhos de classe média e alta estão em um enquadramento social onde tem mais acesso às informações, recursos e tecnologia. Hoje é muito comum conversar com jovens que pararam de estudar no Ensino Médio, se profissionalizam de outra forma e conseguem empregos com alta remuneração. Claro que, quanto mais pobre for a família, maior a dificuldade. De fato, a escola perde atratividade.
• Porque a escola deixa de ser atrativa para os jovens?
Viegas – Os métodos e a organização escolar ainda são muito teoristas, centrados na quantidade de conteúdo, com métodos repetitivos e pouco atrativos. A escola é necessária, mas para um jovem de classe popular, com poucas perspectivas de emprego, frequentar a escola por muitos anos para aprender muito pouco não é nada estimulante. Tem grupos de jovens de classe média e alta que preferem prolongar o estudo de forma autônoma e existem outros das classes populares que não vêm estímulos nem na escola e nem no mercado de trabalho. Esses, vão levando a vida como podem.
• Quais as habilidades que deveriam ser ensinadas na escola?
Viegas – Nós acompanhamos estagiárias do curso de graduação nas escolas e vemos uma maioria de sala de aulas onde não se faz trabalho em grupo. Hoje, trabalhar em grupo é fundamental porque todas as empresas exigem habilidades que só se desenvolvem no coletivo. Muitas habilidades necessárias no mercado de trabalho são sociais e não estão no currículo tradicional, entre elas a construção de raciocínio coletivo, a criação de projetos, a tomada de iniciativa e o desenvolvimento da autonomia. As escolas focam somente no indivíduo e isso faz diferença no momento em que esses jovens participam de seleções nas empresas. Muitas vezes, o jovem domina o conteúdo, mas não sabe o que fazer com esse conhecimento em uma relação social com outras pessoas em um mesmo ambiente de trabalho.
• O que é preciso para mudar esse cenário?
Viegas – Não devemos culpabilizar demais a escola, porque faltam investimentos na educação. Os próprios cursos de formação de professores estão muito defasados em termos tecnológicos e assim eles não conseguem dar conta das necessidades dos alunos e do mercado de trabalho. Algumas empresas apoiam escolas e fazem parcerias, o que é válido para reduzir o gap, mas são ações muito pontuais e que não revertem para a população em geral. O Estado deveria oferecer essas condições.
Infelizmente, enquanto não houver uma mudança de politica pública de priorização da educação. Sou a favor de uma relação mais próxima de empresas e escolas porque as escolas devem formar trabalhadores que saibam pensar, que tenham valores importantes sobre o mundo e as relações sociais, mas que tenham condições de conseguir trabalho. Países que passaram por crises e que hoje são líderes em desenvolvimento de tecnologia investiram pesado em edução. Precisamos priorizar a educação.