Cinco dos 38 municípios da região não alcançaram o percentual mínimo de investimento em educação no último ano. A aplicação inferior a 25% do orçamento na área do ensino ocorreu em Boqueirão do Leão, Dois Lajeados, Marques de Souza, Progresso e Travesseiro. O argumento é de que não havia onde investir, já que as escolas permaneceram fechadas devido à pandemia.
Esse cenário pode se repetir com outras cidades em 2021 e preocupa gestores com a possibilidade de serem enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal por improbidade administrativa. A expectativa é que os deputados aprovem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que isente os prefeitos e determine a complementação até o fim do exercício financeiro de 2023.
Para contribuir com os municípios, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) publicou instrução normativa e passou a considerar as despesas empenhadas e não apenas os valores pagos. Com isso, a maioria dos secretários projetam superar o mínimo constitucional da educação.
Mesmo assim, há situações na qual o desempenho ficará abaixo do previsto em lei. É o caso de Boqueirão do Leão. Em 2020, foi investido 22,94% e este ano, mais uma vez não deve alcançar o percentual mínimo. De acordo com o secretário Luiz Cláudio Carlesso, os trâmites burocráticos de uso do recurso federal atrasam investimentos.
“O modelo de pregão eletrônico dificulta a contratação de equipamentos e serviços para cidades mais distantes dos grandes centros. Estamos com tratativas para compra de novo veículo para o transporte de estudantes, mas não é certo que será concluído agora”, observa Carlesso.
Outra dificuldade apontada é em relação à falta de professores nomeados, são apenas 28. Para compor o quadro de profissionais que atendem nas 13 escolas da rede municipal, são mais de 60 contratos temporários. Sem aulas presenciais, essas contratações não ocorreram e resultaram em menor gasto com a folha de pagamento. Uma alternativa é um novo concurso público, mas o município está impedido de promover a seleção por decisão judicial.
Para o próximo ano, a pasta da Educação em Boqueirão do Leão terá novo incremento de recursos. O orçamento da área de ensino passa de R$ 5 milhões para R$ 7,2 milhões. Além dos projetos e programas regulares, está previsto implantar o turno integral até o 5° ano do Ensino Fundamental. Reajuste salarial aos professores e monitores de ensino também estão nos planos do gestor municipal.
Impedido de acessar financiamento
O prefeito de Progresso, Paulo Schmitt, tenta contratar financiamento de R$ 1,8 milhão para obras de pavimentação junto ao governo federal. No entanto, o gestor anterior aplicou apenas 23,77% do orçamento na educação e essa condição bloqueia o acesso à operação de crédito.
Para este ano, Schmitt garante superar os investimentos e destaca a modernização da estrutura de ensino com a compra de novos computadores, além de reformas em prédios escolares, construção de nova biblioteca e museu, compra de veículo para distribuição de merenda e qualificação dos professores, diretores e funcionários.
Obras e tecnologia
Com o objetivo de compor o percentual mínimo da educação, os secretários direcionam recursos para compra de computadores, veículos e reforma em prédios escolares. É o que ocorre em Travesseiro, município que no ano passado direcionou 24,44% do orçamento à área e este ano deve superar os 25%.
De acordo com a secretária Michele Träsel foi adquirido um laboratório móvel de informática com 30 computadores portáteis, novo automóvel para a secretaria e a ampliação da principal escola municipal. “É uma obra projetada há, pelo menos, cinco anos, mas nunca saiu do papel. Agora iniciamos os serviços que serão finalizados em março do próximo ano.”
No aspecto da qualificação, os professores participam de um seminário voltado à socialização e debate literário. O projeto inclui compra de livros.
Prévia dos investimentos
Os dados do TCE-RS atualizados até 31 de outubro mostram que apenas 6 dos 38 municípios da região alcançaram o investimento mínimo em educação. Nesta prévia, Bom Retiro do Sul aparece com apenas 15,05%.
A secretária Martinha Maria Dullius justifica que a partir da portaria do próprio TCE, o qual também passa a considerar investimentos empenhados, já atende o mínimo constitucional. “Os dados no portal do Tribunal de Contas não consideram essa faixa de valores autorizados, apenas o que foi pago, mas já superamos a meta através da requalificação tecnológica e novos equipamentos nas escolas”, ressalta.
Em relação ao processo de licitação destaca a importância do Consórcio Intermunicipal de Serviços do Vale do Taquari (Consisa). Segundo a secretária, desta forma há maior segurança na contratação ou compra dos itens. Martinha cita também a mobilização do quadro de funcionários para dar conta da demanda no retorno das aulas presenciais, o que também necessitou de maior investimento em transporte dos estudantes.
ENTREVISTA
“Não se pode punir gestor ao preservar o recurso público”
Gladimir Chiele • Consultor jurídico da Famurs
• A Hora – Qual é o entendimento da Famurs sobre o impasse entre o mínimo constitucional à educação e o equilíbrio fiscal?
Gladimir Chiele – É algo debatido desde o ano passado e foi tema de seminário com os prefeitos. No RS, 57 municípios não alcançaram o percentual mínimo de 25% do recurso público na educação. Na medida que avançou a pandemia houve redução significativa das atividades nas escolas. Muitas despesas da atividade letiva não foram executadas e por outro lado aumentaram as necessidades em saúde pública. Desta forma, é matematicamente impossível cumprir em 2020 e 2021 os percentuais estabelecidos pela Constituição.
• Houve falta de planejamento para atender os preceitos básicos na área educacional?
Chiele – A pandemia é uma situação atípica e mais uma vez vamos registrar investimentos abaixo do ideal na área da educação. Muitos municípios não conseguiram fazer maiores movimentos e adotaram uma postura para resguardar investimentos. A proposta em tramitação na câmara dos deputados sugere que esse percentual não seja aplicado em 2020 e 2021 seja compensado entre 2022 e 2023.
• Os gestores municipais podem ser punidos caso não seja aprovada a PEC que flexibiliza o percentual de investimento?
Chiele – Essa situação de forma alguma pode configurar em restrições aos municípios. O prefeito descumpriria os preceitos básicos da gestão se aplicasse valores em algo desnecessário. Desta forma, ao verificar que a PEC foi aprovada em dois turnos no Senado, estamos confiantes pelo bom senso dos deputados. Não se pode punir o gestor ao preservar o recurso público.