O Dia Nacional do Samba é celebrado anualmente em 02 de dezembro. Mais do que uma comemoração marcada pelo estilo musical que caracteriza o Brasil mundo afora, a data é uma oportunidade para lembrar a importância do samba para a formação da identidade nacional e, principalmente, como uma linguagem de integração entre as comunidades negras do país.
Para o compositor e sambista Vinicius Brito, que também é Mestre em Comunicação e especialista em Carnaval, quando se pensa o gênero é fundamental levar em conta a perspectiva da negritude. Originada nos porões dos navios negreiros como “semba”, que significa “umbigada”, uma dança de roda que já trazia elementos que marcariam para sempre o gênero, o samba já vem subalternizado.
O Dia Nacional do Samba e o Carnaval como festa identitária
“Essa manifestação diaspórica vem dessa forma, escravizada. E representa até hoje isso. Por mais que o Carnaval e o samba, mesmo com o pagode mais moderno ou um bloco, quando toca um tambor, se está evocando essa ancestralidade, essa luta contra o racismo estrutural”, avalia Brito.

Imagem de 1865 que mostra dois negros escravizados tocando tambor abre o livro, numa referência às matrizes da música brasileira.
Fundamentado sobre os instrumentos de percussão, o samba tem a característica de ser aberto e diverso. Mais do que isso, é um dos exemplos de como a música afro-diaspórica, surgida nas sociedades negras e excluídas das Américas, é um fenômeno social muito relevante.
Segundo Gerson Brisolara, sócio-fundador do Centro de Estudos e Pesquisas de Tema Enredo e histórico jurado do Carnaval de Porto Alegre e Venâncio Aires, o grande público precisa perceber que o samba não é apenas uma música de nicho presa numa bolha. Porém, é, sim, um símbolo nacional de uma identidade musical do país.
“A ascensão do samba está relacionada com a transformação do Carnaval na principal festa popular do Brasil. O samba foi utilizado por Getúlio Vargas no seu projeto de construção da identidade e nacionalidade do brasileiro na década de 1930. Desta forma, ele se tornou um dos símbolos da chamada brasilidade e passou a ser enxergado como um traço da cultura brasileira merecedor da exportação”, explica Brisolara.
De acordo com Deivison Campos, Coordenador de área científica da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e músico da bateria da Escola de Samba União da Vila do IAPI, de Porto Alegre, quando se pensa no gênero é importante avaliá-lo como uma síntese da brasilidade. A estratégia de Estado de Getúlio Vargas passa pela observação de que em todo o país, devido a forçada colonização de africanos, a batucada fazia sentido e seria uma alternativa viável de integração.
“O gênero tem uma centralidade nas relações sociais negras, que são marcadas pelo comunitarismo. A forma como o samba é produzido e consumido, sempre de forma coletiva, é importante para os negros e para a sociedade brasileira”, observa Campos.
O samba no Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, existe um tensionamento no que diz respeito ao samba em função das características populacionais do estado. A população negra é minoria. Existe o reconhecimento das batucadas, mas também um processo de marginalização das manifestações do gênero.
De acordo com Brisolara, em mais de uma oportunidade ele ouviu a questão: no Rio Grande do Sul se faz samba? Mais: tem negros no Estado? Além de mostrar, segundo ele, o quão grave é o processo musical puramente mercadológico, que só reconhece como samba o ritmo que aparece nas grandes mídias, também indica o quanto o racismo estrutural invisibiliza a contribuição negra no Rio Grande do Sul.
“O samba feito aqui no sul tem a característica da ancestralidade das nações africanas que vieram para o Estado, como gêges, bantos e oiós, que são as nações que formam a religião de matriz africana do Rio Grande do Sul, conhecida como ‘batuque’. Ao contrário do que muitos pensam, não é o ‘candomblé gaúcho’”, explica Brisolara.
Comemore o Dia Nacional do Samba com os maiores do gênero
Para Campos, como o samba ainda tem a característica de ser uma festa de negros e pobres, foram construídos “guetos” nas cidades gaúchas para sambistas apresentarem sua arte. E neste processo, há, sim, aspectos raciais importantes que precisam ser discutidos.
“Existem bares e festas ligados à elite branca das cidades que alguns poucos grupos conseguem ter acesso. Porém, majoritariamente coordenados ou integrados por uma maioria de músicos não negra. E, claro, o racismo cumpre seu papel de uma maneira bem importante”, avalia Campos.

Apresentação do Grupo Samba Bom, que conta a participação do músico Alex Gomes
Para o músico Alex Gomes, natural da Restinga, em Porto Alegre, o Vale do Taquari respira samba. Para ele, é alto o número de locais que abrem as portas para receber o gênero. Além disso, onde tem pagode e samba a casa sempre enche.
“Não vejo a questão racial ser influente hoje na região. Ainda que a origem do samba venha da negritude, o samba é para todos. A região é a prova disso. Músicos amigos meus representam essa pluralidade”, opina o integrante do conhecido grupo Samba Bom.