O Dia Nacional do Samba e o Carnaval como festa identitária

Dia Nacional do Samba

O Dia Nacional do Samba e o Carnaval como festa identitária

O Dia Nacional do Samba é fundamental para a formação da identidade do negro brasileiro. E o Carnaval é parte intrínseca desse processo

O Dia Nacional do Samba e o Carnaval como festa identitária

Neste Dia Nacional do Samba, comemorado sempre em 02 de dezembro, é importante observar o quanto o gênero está ligado ao identitarismo. A expressão mística e ancestral adaptada e transformada em samba é fundamental para a formação da identidade do negro brasileiro. E o Carnaval é parte intrínseca desse processo.

Segundo o compositor e sambista Vinicius Brito, que também é Mestre em Comunicação e especialista em Carnaval, historicamente, as escolas de samba são recentes. O primeiro desfile no Rio de Janeiro é do ano de 1932, vencido pela Mangueira, com o enredo “A Floresta”. Os carnavais, até então, se organizavam a partir de blocos e levavam o luxo dos antigos Corsos. 

“A escola de samba é o negro que foi ao centro da cidade e viu o corso passar, viu o Zé Pereira bater tambor, viu os blocos e criou seu próprio jeito de fazer carnaval”, avalia Brito.

O Dia Nacional do Samba e sua importância para o Brasil

A partir do surgimento do Morro de São Carlos, favela criada no início do século 20, no bairro de Estácio, no Rio de Janeiro, os músicos Ismael e Sinhô criam essa expressão chamada escola de samba. Eles fundam uma entidade, a Deixa Falar, e por se encontrarem, diz a lenda, em frente a uma escola, eles se tornaram os bambas do samba, os que ensinavam o samba – por isso, uma escola de samba. 

“O samba e o Carnaval foram a oportunidade em que negro, constrangido, subalternizado e sufocado por um abismo social criminoso que assola nosso país, conseguiu buscar a dignidade. E se viu no palco brilhando, não apenas servindo no bastidor. O samba permitiu que ele expressasse seus sentimentos, suas ideias e conseguisse pisar no ‘lado de lá’”, reflete Brito.

No Rio Grande do Sul, conta Renato Dornelles, jornalista com 33 anos de carreira dedicados à cobertura de Carnaval, as escolas de samba são do início dos anos 1940. Em Porto Alegre, a primeira foi Bambas da Orgia, fundada em 1940, antes de grandes e famosas escolas do Rio de Janeiro, por exemplo. Apenas em 1961, a Academia de Samba Praiana dividiu a escola em alas e formatou o desfile como é conhecido atualmente.

Além disso, Pelotas, Uruguaiana e Rio Grande, onde foram criadas diversas escolas, são cidades muito influenciadas pelo Carnaval do Rio de Janeiro, principalmente pela chegada de fuzileiros navais chegados do Rio de Janeiro.

“As escolas de samba em todo o Estado cumprem o papel de quilombos urbanos por manter a cultura negra. A tradição das escolas está enraizada na cultura africana”, comenta Dornelles. 

Já Gerson Brisolara, sócio-fundador do Centro de Estudos e Pesquisas de Tema Enredo e histórico jurado do Carnaval de Porto Alegre e Venâncio Aires, aponta que a origem das escolas de samba parte de uma raiz única: os bairros pobres das cidades.

Para ele, o papel que a escola de samba exerce vai além do simples desfile no concurso de Carnaval ou uma alegoria no Dia Nacional do Samba: as escolas desempenham um papel muito importante no contexto social ao dar oportunidade de inclusão social, geração de emprego e estímulo à prática do voluntariado. 

“O espaço social na escola de samba busca a integração dos componentes, a afetividade, as amizades e o crescimento em decorrência da percepção do outro e da necessidade do espírito de grupo, com a participação de crianças, jovens, adultos e idosos”, complementa.

Para Deivison Campos, Coordenador de área científica da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e músico da bateria da Escola de Samba União da Vila do IAPI, de Porto Alegre, pela falta de espaço e pela opressão que o Carnaval sofre, é possível dizer que há sim uma tentativa de sufocamento da cultura do samba. 

“Em Porto Alegre, por exemplo, o Carnaval foi retirado das regiões centrais e colocado quase na divisa com Alvorada, que também é um município onde já haviam sido deslocadas populações negras nos anos 1950 e 1960 do Centro da Capital. Isso mostra, mais uma vez, esse processo de gentrificação. O carnaval sofre por isso”, avalia Campos.

O Carnaval no Vale do Taquari

Criada em 1983, a Escola de Samba Inhandava, em Bom Retiro do Sul, teve uma origem diferente. Segundo Bruno Petry, presidente da escola, a instituição foi criada pela elite da cidade, ainda que todos, independente de questões sociais ou raciais, fossem acolhidos.

“Os maiores puxadores e compositores são negros e de origem humilde. Nosso maior nome é o Tio Nésio, que faleceu neste ano e é uma referência de samba na cidade, junto com o Tio Jura”, conta Petry.

No decorrer dos anos, a Escola ficou mais perto da comunidade, assim como perdeu um pouco do seu glamour e passou a fazer um esforço muito maior para construir seus desfiles.  Tanto é que passou a ser necessário mobilizar recursos para auxiliar integrantes que não tinham condições de custear suas próprias fantasias.

Escola de Samba Inhandava se apresenta no Shopping Lajeado

Para Petry, no Dia Nacional do Samba, este exemplo é uma boa ilustração do Carnaval no Vale do Taquari. Segundo o presidente da agremiação, os prefeitos da região acabam se submetendo a opinião de parte da população sobre o Carnaval e acreditam que a festa não é cultura.

“Em Lajeado não tem carnaval há anos. E isso me parece preguiça da administração. É possível ajudar entidades a encontrar o reconhecimento da população. Não queremos dinheiro. Carnaval é cultura e alegria. Nessa situação, fica mais fácil cancelar”, avalia. 

Comemore o Dia Nacional do Samba com os maiores do gênero

Enquanto isso, em Bom Retiro do Sul, a entidade realiza projetos educacionais para mostrar a crianças e adolescentes o quanto o Carnaval é importante para a comunidade e o quanto essa cultura é rica e valiosa em conhecimento.

Além disso, Petry chama atenção para um elemento que destoa do histórico racismo que cerceia o samba e o Carnaval: o preconceito religioso. Para ele, a discriminação que o Carnaval é alvo no Vale atualmente está muito mais ligado ao aumento de evangélicos. 

“Como eles pregam contra, pelo preonceito de um olhar sobre bebida e sexo, isso faz com que a cultura do samba perca força. Temos que lutar para demonstrar o quanto o samba pode melhorar a vida de uma pessoa”, explica.

Segundo Petry, o objetivo da Inhandava é iniciar 2022  com uma Gincana. Ainda que não confirmada, a meta é realizá-la em fevereiro e envolver todo o município. A partir desta retomada, serão desenvolvidas oficinas de bateria nas escolas para o desenvolvimento do Carnaval de 2023.

Queremos nos tornar referência na região. Queremos que o Carnaval aconteça nas outras cidades. Queremos nos tornar mais independentes e nos livrar do contexto político. E para isso, precisamos depender de nós mesmos”, conclui.


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