Em 1953, Lupicínio Rodrigues eternizou a frase: até a pé nós iremos. Ele se referia, é claro, a ver o Grêmio jogar. A distância nunca foi um problema para os gremistas. Prova disso é o esforço que os torcedores que residem no Vale do Taquari fazem para acompanhar as partidas em Porto Alegre. Contudo, na última década, das arquibancadas do Olímpico e agora da Arena, um novo canto ecoou: contigo na boa, na ruim muito mais.
Diante da complicada situação do Tricolor no Campeonato Brasileiro, desde a segunda rodada na zona de rebaixamento, este mantra moveu os torcedores no quente domingo de 31 de outubro, quando mais de 50 pessoas, em torno das 10h, saíram de ônibus do Parque do Imigrante, no Alto do Parque, em Lajeado, a caminho da capital. O Grupo A Hora acompanhou toda esta jornada.
Organizado pelo Movimento Gurias do Grêmio Lajeado, Borrachos do Vale e a Banda do Vale, a “Barca Tricolor” contou com participantes, além de Lajeado, de Estrela, Encantado, Arroio do Meio, Marques de Souza, Cruzeiro do Sul, Pouso Novo, Santa Clara e Arvorezinha. Ainda que apenas às 10h o ônibus tenha partido, o movimento começou bem antes.
Por volta das 9h, as primeiras camisas tricolores começaram a ser vistas em torno do Parque. Mais do que seus mantos, os torcedores traziam consigo bandeiras, trapos, caixas térmicas e muitos instrumentos. E uma das coisas que mais chamou atenção no grupo de gremistas que se reunia, era o número significativo de mulheres presentes.
Um dos nomes que organiza as gremistas é Thay Wendt (30), que há três anos participa da Barca com regularidade. Segundo ela, o número da participação feminina, que cresce a cada dia, é fruto de um processo de conscientização e engajamento que vai além das partidas.
“Estamos tentando fazer com que mais mulheres participem, porque parece que há um receio por acharem que são apenas homens que vão ao estádio. Porém, hoje conseguimos fazer com que, no mínimo, dez mulheres consigam ir por jogo”, comenta.
De acordo com Zully Abella (46), uma das coordenadoras do Movimento de Torcedoras Gurias do Grêmio Lajeado, que conta com dois “grupos de whats” cheios – ou seja, 512 pessoas -, o objetivo da iniciativa é mostrar a força feminina dentro do estádio e assim trazer mais mulheres para o convívio com o clube.
“Como viemos do interior e precisamos enfrentar a distância, é necessário mostrar que estamos presentes e que há mulheres para estarem com elas. Muitas querem ir, mas não vão por falta de companhia. Porém elas nunca vão estar sozinhas, sempre haverá mulheres ao seu lado”, explica.
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Atrás do gol, eu vou estar
No grupo de torcedores gremistas, as idades eram diversas, mas segundo Jardel de Andrade (28), um dos líderes do movimento Banda dos Vales, o público que participa das excursões varia, em média, de 25 a 30 anos.
“Há uma preocupação dos pais, que é legítima, em liberar que os mais jovens participem. Existe aquela ideia de que só rola bagunça. Na verdade, quando abrimos a lista, queremos abraçar os mais novos, aqueles que vão pela primeira vez. Até por isso seguramos um pouco a ‘loucura’, porque sempre pode ter os que não gostam”, explica.
Jadel talvez tivesse razão. Enquanto os bumbos ressoavam, os torcedores cantavam e bebiam seu “suco loko”, receita exclusiva do grupo à base de vodka e suco em pó, um jovem segurava sua mochila e os observava. Quando a reportagem do Grupo A Hora se aproximou, ele resistiu em falar. Contudo, com o tempo, ele compartilhou sua história.
Gabriel Dammann tem 21 anos e estuda Direito, na Univates. Aquela seria apenas sua terceira vez na Arena do Grêmio e a primeira junto à Barca Tricolor. “Escolhi vir para ter de novo a experiência com o estádio, mas também saber como é ir com a galera”, conta.
A moderação de Gabriel nada tem a ver com a empolgação de Mônica Klein (20), de Santa Claro do Sul, que também estava na Barca pela primeira vez. Segundo ela, durante toda a semana a ansiedade bateu à porta. Principalmente pelo fato de que estar na Arena é muito diferente de torcer em casa.
“Eu me associei e agora pretendo vir sempre aos jogos. Sempre quis ser sócia pra poder ir na Geral. Entrei no ônibus e não conhecia ninguém e agora já fiz amigos. Emoção que nunca tive vida. Espero ir muitas outras vezes com eles”, conta.
Além dos novatos, a Barca é o espaço de reunião de muitos torcedores que há muito tempo dedicam suas vidas a acompanhar o Grêmio. Entre eles, está o engenheiro civil Rodrigo Britto (32), que desde 2005, quando o movimento de torcidas na cidade de Estrela começou a se fortalecer, acompanha com regularidade o clube em Porto Alegre e outras regiões.
Historicamente, entre 20 e 30 pessoas do município saíam para acompanhar as partidas na capital. No dia que a reportagem do Grupo A Hora os acompanhou, 12 torcedores de Estrela estavam presentes. O cenário da pandemia ainda é um elemento que precisa ser superado, assim como a situação do Grêmio no campeonato.
“O pessoal está triste, mas nosso objetivo é sempre apoiar o clube. Se é fora, vamos ao bar ou na casa de alguém. Se a partida é em Porto Alegre, vamos ao estádio. O objetivo é que em todo jogo tenha um representante de Estrela”, conclui.
Infelizmente, os torcedores do Grêmio provavelmente não verão mais o Tricolor neste ano. Devido a punição do STJD após a invasão de torcedores ao campo, na partida contra o Palmeiras, o clube está proibido de receber público na Arena.