Quando criança, Liniker Duarte, 31, tinha dificuldade para compreender as disciplinas escolares e não tinha muitos amigos. Ele perdeu a audição aos 3 anos depois de passar por problemas de saúde e, apenas nove anos depois, teve acesso às primeiras próteses. Diagnosticado com perda auditiva bilateral neurossensorial, hoje ele é um dos 11,7 mil pacientes atendidos pela Fundação para Reabilitação das Deformidades crânio-faciais (Fundef), que completa 30 anos no próximo sábado, 16.
Liniker sempre morou no interior de Arroio do Meio e, em meio às dificuldades financeiras e pessoais, encontrou na entidade a possibilidade de crescer. Mesmo com os problemas na escola, não desistiu de estudar, formou-se no Ensino Médio e estudou quatro anos para ser padre. Hoje está concluindo o curso de jornalismo.
Com o tratamento e as próteses auditivas, ele se tornou um amante da música e acompanha artistas nacionais e internacionais. Além disso, é crítico de cinema e trabalha no Setor de Cultura e Eventos da Univates desde 2013.
“Fui curador de mais de 300 exposições de arte. E mesmo com dificuldade auditiva os médicos hoje ainda se impressionam com minha dicção e expressão verbal”, conta Liniker. Ele diz ter um compromisso de gratidão com a Fundef e acredita que entidade deveria existir em todo o país para devolver sorrisos ao rosto de crianças e adultos.
Três décadas de uma ideia
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Fundef foi criada em 16 de outubro de 1991 por Wilson Dewes. Hoje, além de pacientes com fissuras labiopalatinas, também atende pacientes auditivos (Foto: Divulgação)
Há 30 anos, o médico Wilson Dewes fazia surgir em Lajeado uma entidade assistencial com papel importantes do município e região. A ideia começou a ser colocada em prática em junho de 1991 e, em 16 de outubro foi fundada a Fundação para Reabilitação das Deformidades crânio-faciais (Fundef).
Dewes era cirurgião e otorrinolaringologista e percebeu uma carência de atendimentos na área de fissuras labiopalatinas. Na época, empresários, médicos e voluntários se engajaram com a causa e deram início aos atendimentos.
No início, os procedimentos eram feitos na clínica de Dewes e, mais tarde, a entidade recebeu uma sala no Hospital Bruno Born (HBB) para que o serviço também pudesse ser registrado. Por 28 anos, esse foi o principal local de referência da instituição. Em 2019, uma nova sede foi montada no número 1210 da Avenida Benjamin Constant.
Antes disso, no entanto, passou por outras mudanças. Em 2007, a entidade passou a também oferecer atendimentos na área de reabilitação auditiva e, em 2011, recebeu uma nova sede da Unimed para o tratamento da especialidade. Dois anos depois, o serviço passou para o prédio onde hoje está a Secretaria de Saúde, enquanto o atendimento de pacientes com fissuras labiopalatinas permanecia no HBB. Hoje, os serviços são integrados no ambiente.
Um hospital nos planos da Fundef
Ainda em 2014, surgiu o sonho de um hospital especializado na área, sobretudo para cirurgias. Por divergências no Plano Diretor do município, no entanto, o projeto não foi adiante.
A ideia voltou a ser discutida entre a administração nos últimos anos, e hoje já há uma área cedida pela prefeitura para a construção do hospital, no bairro Bom Pastor. Em processo de legalização, o próximo passo é conseguir verba para a obra.
O atual presidente da Fundef, Ito Lanius, acredita que Lajeado têm um papel importante nos atendimentos, porque assumiu o tema há 30 anos e, por isso, também têm compromisso com o futuro do serviço para a região.
“É uma entidade fantástica, ela tem seu coroamento em uma história de sucesso, não nos 30 anos, mas em cada pessoa que teve uma melhor qualidade de vida com o tratamento. O que a entidade faz é devolver sorrisos”, reforça o atual presidente da entidade, Ito Lanius. O administrador já participa da Fundef há dez anos e ocupa o cargo faz pouco mais de um.
De acordo com o administrador, o auxílio da comunidade sempre foi importante para o trabalho da instituição e os desafios não acabam com o passar dos anos. “Nós sempre estamos diante de desafios, porque somos 100% SUS, prestamos os serviços de forma gratuita. Mas temos empresas amigas, clubes de serviços, comunidade, prefeitura, estado, um mundo de pessoas contribuindo”, destaca. A organização sem fins lucrativos Smile Train também repassa valores para o funcionamento da entidade.
“A gente se apaixona pela causa”
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Entidade conta com mais de 50 colaboradores. Entre eles, a diretora executiva Dorli Maria Diehl (2ª da dir. à esq.) (Foto: Renata Lohmann)
Com a nova localização da entidade, surgiu a oportunidade de incluir um novo negócio na estrutura, para a sustentabilidade dos serviços oferecidos. Assim, são vendidos acessórios e aparelhos auditivos, além de outros ítens importantes para o tratamento dos pacientes em uma loja na entrada do prédio. A instituição também passou a fazer exames de forma particular por meio de convênios.
Com 100% dos atendimentos feitos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), toda a verba que entra na instituição é revertida para os atendimentos, conforme destaca a Diretora Executiva, Dorli Maria Diehl, 60.
Enfermeira de formação, a profissional atua na instituição há quatro anos. “A Fundef tem uma particularidade, a gente se apaixona pela causa. É diferente de um hospital, aqui conseguimos estar mais próximos dos pacientes”, destaca.
De acordo com a diretora, uma a cada 650 crianças que nascem no Brasil possuem uma fissura labiopalatina. Ao longo de três décadas, a Fundef já atendeu 3200 pacientes fissurados e 8500 pacientes auditivos, e é referência em mais de 400 municípios do estado.
Os encaminhamentos já podem ser feitos mesmo antes do parto, já que por meio de ecografia é possível perceber a má formação crânio-facial. Com orientação, a equipe tranquiliza a família para a espera da criança e acompanha o paciente até a vida adulta.
Empatia e solidariedade
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Mariana Scheeren nasceu com uma fissura labial unilateral e ainda hoje é atendida pela entidade (Foto: Arquivo pessoal)
Assim, foi para Mariana Scheeren, 24. Natural de Teutônia, a designer iniciou o atendimento na entidade em 2007. Mas, antes disso, já havia passado pela primeira cirurgia em Porto Alegre, no Hospital da PUC.
Mariana nasceu com fissura labial unilateral. O caso era leve, mas, além das consultas odontológicas, ela também passou por cirurgias estéticas e acompanhamento fonoaudiólogo e bucomaxilofacial.
Ao longo dos anos, passou por três cirurgias e, mesmo depois de finalizado o tratamento, continua com consultas periódicas na entidade. “Como usei aparelho fixo por cerca de 10 anos, nesse período eu ia, sagradamente, todo o mês para a Fundef. Já passei bastante tempo na sala de espera da instituição ao lado da minha mãe”, conta.
O transporte ficava à cargo da prefeitura e na espera, sempre encontrava alguns rostos conhecidos. “Era muito bacana poder ver pessoas de vários lugares diferentes estando lá por uma mesma causa”, destaca.
A designer acredita que ser atendida pela Fundef a ensinou sobre empatia e a fez conhecer outras histórias como a dela. “Quando tu nasce com uma deformidade e vive próxima de pessoas que não a tem, tu te sente excluído e diferente. Lembro que na infância eu ficava olhando o rosto das outras crianças e tocando meu lábio e meu nariz, tentando entender por que eu era diferente”, conta.
Um dos momentos marcantes durante o tratamento foi quando tirou o aparelho dentário. “A parte estética influencia muito na adolescência, a gente se compara aos outros e sente muita necessidade e ansiedade de ver o resultado logo”, conta. Ela gostava de sentir as mudanças a cada novo procedimento.
Para celebrar
Na noite desta quinta-feira, às 19h, o Teatro da Univates será palco de um evento comemorativo ao aniversário da entidade. Com a presença de pessoas da comunidade, entidade, pacientes e profissionais, o momento será de reconhecimento do passado e projeções para o futuro.
O novo site será lançado na data. A equipe também apresentará a Fundef e os planos para a construção do hospital, além de agradecer o apoio da comunidade durante os 30 anos de história da instituição.