O temor de uma crise econômica na China, com escala global, traz preocupação às exportações do agronegócio. Ainda não há clareza dos impactos, mas isso pode inclusive afetar a venda da carne de aves e suínos produzida no Vale do Taquari. A proteína animal é hoje a principal aposta da região para o mercado externo.
Durante a alta nos custos de produção, desde o início da pandemia, indústrias ampliaram a oferta para fora do país, para compensar as perdas no mercado interno. Em agosto, a China comprou 57,4 mil toneladas da carne de frango do Brasil, volume 4,8% superior ao ano passado.
Na avaliação de economistas, o país asiático tem ditado o ritmo do crescimento e, por conta disso, o risco de calote por parte da Evergrande acende o alerta em todo o mundo. “A crise do setor financeiro chinês pode ter um impacto desastroso em demais setores. A escassez de crédito levaria o país a reduzir importações”, aponta o economista Rafael Spengler.
Ainda de acordo com Spengler, havia uma projeção da economia chinesa desacelerar nos próximos anos, o que pode talvez ocorrer em um intervalo menor. “Já se percebia um cenário com redução nos preços da carne de suínos e grãos. O governo da China vai tentar intervir, mas de qualquer forma vão reduzir a compra de fora do país”, avalia.
A tendência para o Brasil, conforme análise de Spengler, é de uma redução nos preços do mercado interno. O economista aponta para a desvalorização das commodities. “A cotação do minério de ferro já apresenta recuo. Também se espera uma redução de preços dos derivados do petróleo”, observa.
Dívidas da Evergrande
A insegurança de investidores e do mercado ocorre diante do risco de calote da gigante do ramo de incorporações e construção chinesa Evergrande, com a maior dívida de ativos do mundo, mais de 300 bilhões de dólares, cerca de R$ 1,6 trilhão na conversão direta.
O primeiro sinal de desajuste da empresa aconteceu em agosto do ano passado, quando a construtora pediu socorro ao governo de Guangdong, província chinesa. Segundo a imprensa internacional, a situação é tão crítica a ponto da Evergrande ter forçado empréstimos em nome de funcionários.
Na segunda-feira, 20, as ações da empresa, que é responsável por cerca de 3,8 milhões de empregos em vários países, caíram 10,24% após o anúncio de que os juros da dívida da empresa não seriam pagos aos credores. A preocupação é que se repita o cenário de 2008, onde uma crise no setor imobiliário dos EUA tomou proporções generalizadas em nível mundial.
“China vai reduzir seu potencial de importação”
O economista João Fernandes, da Quantitas Gestão de Recursos, acredita que em um primeiro momento o problema se concentra no setor imobiliário chinês. Apesar das projeções pessimistas, acredita que o governo vai intervir para evitar um colapso na economia.
“O setor de imóveis cresceu muito na China e no mudo todo nos últimos anos. A gigante Evergrande sempre acompanhou esse processo, mas agora com a desaceleração se vê num cenário sem ter como pagar os credores”, comenta Fernandes.
Além de não ter como pagar os bancos, a empresa tem dificuldade para entregar imóveis e e atender os prazos de fornecedores. Essa condição ocorre diante do maior rigor na regulação chinês. “O governo apertou o cerco para limitar o endividamento futuro em diversos setores. A empresa precisa pagar nesta quinta-feira uma pequena parte desta dívida, e parece não ter o recurso que viabiliza refinanciar”, observa o economista.
A venda de ativos e a intervenção do governo chinês são as grandes expectativas para evitar perdas e uma crise em demais setores da economia. “Não é um cenário nem parecido com 2008 nos EUA, mas sem dúvida deixa o mundo em alerta”, conclui Fernandes.
Crise de 2008
A quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, colapsou mercados internacionais e obrigou o Federal Reserve (FED), o Banco Central dos Estados Unidos, e o Banco Central Europeu (BCE), a injetar centenas de bilhões de dólares e euros no sistema financeiro.
A concessão de créditos de alto risco vinculados a imóveis, concedidos em larga escala e de forma irracional por décadas, resultou em uma bolha financeira que acabou com o quarto maior banco de investimentos norte-americano.
Em todo o planeta, mais de 400 milhões de pessoas ficaram desempregadas na pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial, só comparável à quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. As condições de geração partiram de uma questão localizada, no sistema de hipoteca imobiliária dos EUA.
Efeitos do calote
• O não pagamento da dívida da Evergrande pode levar a uma crise generalizada e a escassez de crédito no sistema financeiro da China e reflete no mercado;
• A queda nas bolsas de valores impacta países emergentes e exportadores de commodities, como minério de ferro, petróleo, alimentos, entre outros;
• Tendência de recuo no preço de produtos do mercado interno brasileiro;
• Interferência em indicadores de mercado no Brasil, que impactam no reajuste do aluguel, por exemplo.