“Alguns vêm aqui com botas que fiz  há 30 anos e ainda estão usando”

ABRE ASPAS

“Alguns vêm aqui com botas que fiz há 30 anos e ainda estão usando”

Morador de Boqueirão do Leão, Pedro Seifert, 72, é conhecido como Pito e por ser um dos sapateiros mais antigos da cidade. Ele aprendeu a prática ainda jovem e hoje atende em uma oficina no centro. Com 60 anos de prática, já tentou ensinar o conserto e produção a outras pessoas, mas com a pouca adesão, acredita que a profissão vai se perder com o tempo

“Alguns vêm aqui com botas que fiz  há 30 anos e ainda estão usando”
Vale do Taquari

Quando iniciou como sapateiro? O que te motivou?

Eu era um gurizote, tinha 12 anos. Tinha um sapateiro que trabalhava embaixo da rodoviária de Boqueirão do Leão. No porão de uma casa. Eu sentava na escada que descia da casa e ficava vendo ele trabalhar. Um dia, o sapateiro disse que eu podia ajudar. Daí deixei de ir no colégio para aprender a trabalhar como sapateiro. Era uma pequena fabriqueta e ele foi me ensinando a produzir e fazer consertos. Aprendi a fazer botas, chinelos, coturnos. A gente fazia por partes. Eu comecei puxando a parte de cima do pé do sapato, colocava no forno, colocava o garrão. Logo peguei a prática. Eu ficava assistindo e só no olhar já tinha uma noção. Depois que o sapateiro fechou, comecei a trabalhar com outro. Até que com 19 anos abri minha própria oficina chamada Sapataria do Pito, nome que tenho até hoje.

Você tem ideia de quantos sapatos já fabricou ou consertou?

Minha esposa me ajudava e nós fabricávamos dois pares por dia. Tudo artesanal, com a máquina de costura, mais os consertos que fazíamos durante o dia. Naquele tempo não tinham sapatos nas lojas, era tudo feito pelo sapateiro.

Qual sapato sempre gostou de fabricar?

Eu gostava de fazer a bota domingueira, que era a de sair. Também tinha a bota de serviço. A domingueira era de cano longo, solado de couro torneado. Faz uns 7 ou 8 anos que só conserto. As fábricas fazem em quantidades maiores e a um preço menor. Com isso ficou mais difícil pra gente. Apesar de que muita gente nos procura porque nossos sapatos duram mais. Alguns vêm aqui com botas que fiz há 30 anos e ainda estão usando.

Você lembra de algum conserto curioso que tenha feito?

Tinha uma época em que eu era o faz tudo. As pessoas traziam coisas que não tinham nada a ver com a minha profissão. Eu fazia muitas coisas, assento de automóveis, de sofá. Tinha que fazer. Hoje sou o melhor sapateiro da cidade. Até porque só tem um (risos).

Hoje, a sapataria já não é uma profissão tão comum. O que te faz continuar?

Amor pela profissão. É uma coisa que gosto, que me faz bem. Não penso em fazer outras coisas. Penso em trabalhar mais 40 anos e parar. É brincadeira, mas quero trabalhar até conseguir, até que tenha condições. Me aposentei mas não largo a profissão. Hoje eu abraço tudo, qualquer serviço que venha. Mas o conserto do tênis tomou conta. Tenho que colar, fazer costura, arrumar a língua, o feltro. Tenho clientes que eram dos meus ex-patrões e estão comigo até hoje. Muitos vêm só para bater um papo.

Você acha que a profissão vai acabar? Ou percebe um interesse dos mais jovens?

Acredito que vai acabar. Em Sério tinham dois sapateiros e hoje não tem mais. Canudos também não. Barros Cassal tinha quatro e hoje só tem nenhum. E assim vai terminar. Na minha opinião. Pouca gente quer trabalhar, mas quer ganhar dinheiro. E aí não funciona. Tentei ensinar várias pessoas. Mas quando elas viram que não dava tanto dinheiro quanto imaginavam, não quiseram mais.

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