Risco de apagão ameaça retomada econômica e força adaptação

Crise hídrica

Risco de apagão ameaça retomada econômica e força adaptação

Sistema Interligado de Energia opera com reservatórios em 20% e perspectiva aponta para racionamento de luz entre outubro e novembro. Aneel eleva preço da conta até fim de abril. Caso seca continue no centro do país, instabilidade energética pode perdurar por todo 2022. Mesmo com investimento em sistemas alternativos, empresas se preparam para alterar rotinas

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Metalúrgica de Imigrante aguarda informações sobre racionamento de energia. Caso aconteçam desligamentos, será preciso desligar algumas linhas de produção / Crédito: Renata Lohmann

Risco de apagão ameaça retomada econômica e força adaptação
Metalúrgica de Imigrante aguarda informações sobre racionamento de energia. Caso aconteçam desligamentos, será preciso desligar algumas linhas de produção / Crédito: Renata Lohmann
Brasil

O que era uma ameaça se aproxima de acontecer. A perspectiva de desligamentos programados de energia elétrica e de apagões aponta para os meses de outubro, novembro e dezembro. Com o menor nível nos reservatórios das hidrelétricas em 91 anos, a geração de energia se encaminha para o colapso.

Diante dessa condição, indústrias do Vale reorganizam metas e o funcionamento da produção para os próximos meses. Na metalúrgica Hassmann, a energia elétrica é insumo básico. A planta industrial, localizada em Imigrante é uma das maiores do país. Sozinha representa mais consumo do que toda a cidade.

A autorização para uso de tamanha carga parte de contrato no mercado livre. Significa que a empresa compra fora da distribuição às residências e comércios. O diretor da indústria, Carlos Hassmann, se antecipa: “Está bem claro que teremos de reduzir. Estamos sendo empurrados para isso.”

Falta agora, diz, saber o quanto reduzirá. “Estamos na expectativa. No aguardo da informação por parte da distribuidora.” Em curto prazo, não há alternativa para escapar dos racionamentos. Conforme o empresário, como o desligamento será na ponta, nas usinas para as linhas de transmissão, tanto os setores produtivos quanto o próprio cidadão terão de se adaptar.

O horário de maior consumo no país é das 13h às 16h. Reduzir o uso de energia neste horário é uma das estratégias defendidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na metalúrgica, para fabricar as peças de metal é necessário abastecer o forno. “O maior consumo é no tratamento térmico. Se ficarmos sem eletricidade em meio aos turnos, perdemos, no mínimo, seis horas de trabalho.”

Frente a tal condição, já há perspectiva para desligamento de alguma linha de produção. “Seremos compelidos a economizar.” A ociosidade dos equipamentos eleva o custo fixo da empresa, interfere sobre o cumprimento dos pedidos. “Para o mercado é muito ruim. Como reflexo teremos perdas em toda a economia. Cai o PIB, com reflexo sobre a arrecadação pública, menos renda à população e risco de aumento do desemprego”, alerta Hassmann.

Incentivo para novas fontes

Diretor da indústria de sorvetes Sorvebom, Martin Eckert, realça que o principal risco para algum apagão ou racionamento está no armazenamento dos produtos. “As linhas de produção conseguimos adaptar. O risco é faltar luz para manter o sorvete.”

Da mesma forma que a metalúrgica de Imigrante, a empresa de Lajeado também compra energia no mercado. “Ainda não sabemos se termos desligamentos. Ainda assim, já nos programamos para alugar geradores.”

Na avaliação dele, algumas decisões políticas podem ajudar na solução dos problemas energéticos. Além de investimentos em novas fontes, a instalação de mais hidrelétricas pelo país, estaria políticas públicas de incentivo para investimentos em sistemas alternativos, em especial o solar. “Fizemos um orçamento para a nossa empresa. Teríamos 25 anos para ter o retorno.”

Solução em médio e longo prazo

A interferência sobre os setores produtivos acontece em um momento de recuperação. Por esse motivo, a Federação das Indústrias do RS (Fiergs) realça a necessidade do setor público destravar os projetos de empreendimentos para geração de energia.

Conforme apuração do Grupo Temático de Energia e Telecomunicações da Fiergs, seria possível gerar 15 megawats no Estado a partir da instalação de pequenas usinas hidrelétricas, junto com o melhor aproveitamento das fontes alternativas, em especial a solar e a eólica.

De acordo com o diretor da comissão, Edilson Deitos, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente tem cerca de 100 projetos em análise. Para ele, é preciso superar discussões ideológicas. “Tivemos avanços importantes sobre as leis de licenciamento. Os projetos estipulam três pilares: o ambiental, social e econômico. Caso haja alguma irregularidade, o empreendedor será responsabilizado.”

As ações para ampliar a geração de energia no RS reduziria a dependência da fonte hídrica, acredita. De acordo com ele, uma vez que o recurso água vem se tornando, ano após ano, cada vez mais limitado, é preciso rever o uso do sistema de energia baseado no fio d’água.

Nos três estados do sul, a geração de energia é das hidrelétricas (63%), térmica (15%), eólica (10%). Os 12% que faltam se dividem entre o fornecimento vindo do centro do país ou importada da Argentina e do Uruguai.
Hoje o RS importa 30% da energia que consome. Caso as pequenas hidrelétricas que estão no papel estivessem operando, o estado não precisaria recorrer as fontes externas. “Passaríamos a ser exportadores de energia”, afirma Deitos.

Uso de condicionadores de ar elevam consumo. Com crise hídrica, governo estuda o retorno do horário de verão / Crédito: Renata Lohmann

Luz mais cara e campanha

Conforme o Operador Nacional do Sistema (ONS), significa que o país não terá capacidade de atender a necessidade de energia. Dois movimentos foram adotados para reduzir essa chance. O primeiro da Agência Nacional de Energia Elétrica, com a criação tarifa. A chamada bandeira de escassez hídrica.

A taxa extra será de R$ 14,20 para cada 100 kilowatt-hora (KWh) consumidos. Entrou em vigor dia 1º de setembro e permanece vigente até abril do ano que vem. Esse novo patamar representa um aumento de R$ 4,71 na conta. É cerca de 50% mais na comparação com a bandeira vermelha patamar 2, até então o maior patamar, no valor R$ 9,49 por 100 kWh.

O outro movimento parte do governo federal. O programa dará incentivos para os clientes residenciais e de pequenos comércios a partir da redução do consumo. A ideia é garantir um desconto nas contas de luz para quem que tiverem diminuição de 10% até 20% no uso da energia.

Ainda assim, as estimativas apontam que não será possível adiar o inevitável. “Dependemos do fim da seca no centro do país. Se trata da maior crise hídrica em 91 anos. Podemos afirmar: teremos racionamento”, diz Deitos. Em caso de a falta de chuva continuar, há risco de escassez energética no país ao longo de todo o próximo ano.

Uso de fontes renováveis

Na análise do engenheiro eletricista Alex Mottin, como a infraestrutura energética da nação tem grande dependência das hidrelétricas, é preciso ampliar o leque de possibilidades. “Para evitar e reduzir riscos de apagões, é preciso investir em mais fontes de energia.”

Em meio a isso, as melhores opções são pelos modelos sustentáveis, com baixo impacto poluente. Quanto mais limpa, melhor”, afirma. De acordo com Mottin, o modelo central de geração no país tem aspectos positivos e negativos. Por um lado, o uso da água produz muita energia com baixo preço. Além disso, também é um modelo limpo.

Por outro lado, é preciso prever áreas de inundação, o que interfere na fauna e na flora. Junto com a questão ambiental, há ainda o risco de baixa geração quando há falta de água.

Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) apontam para o crescimento na instalação de sistemas de geração de energia a partir do sol no RS. Dos 785 MW de capacidade instalada, mais de 39% são em residências. No comércio representa 33,9% e no meio rural, alcança 15,4%. Hoje, a geração de energia pelo sol no Rio Grande do Sul é a terceira maior do país.

Opção sustentável não está imune aos cortes

Na indústria de vestuário Rola Moça, foram instalados 697 painéis fotovoltaicos. Com a energia do sol, reduziu de 60% a 70% a conta da energia, diz o diretor Alexandre Dullius. O investimento foi inspirado na experiência de empresas da Europa.

Apesar da preocupação em se tornar uma organização sustentável, toda a energia gerada é transferida para o sistema nacional. “Se tiver apagão, vamos ser desligados também. Não podemos gerar automaticamente só para a indústria”, relata.

Caso o racionamento interfira sobre as linhas de produção, resta o uso de geradores a base de diesel. “Vai na contramão das nossas atitudes. Temos como meta sermos uma empresa limpa, preocupada com a sustentabilidade e com a natureza. Usar o gerador é muito poluente. Mas não teremos como fugir disso.”

Fábrica de roupas de Estrela instalou painéis fotovoltaicos. Investimento reduziu o consumo entre 60 e 70%. Ainda assim, isso não garante autonomia para funcionar caso houver apagões / Crédito: Divulgação

 

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