“Não temos presidente. Decidimos tudo juntos”

Negócios em Pauta

“Não temos presidente. Decidimos tudo juntos”

Ricardo, Fernando e Alexandre Heineck administram a Docile. Empresa completou 30 anos dia 1º de setembro

“Não temos presidente. Decidimos tudo juntos”
Fernando(esq.), Ricardo(ao centro) e Alexandre(dir.), implementaram governança corporativa e administram a empresa de forma conjunta / Crédito: Thiago Maurique
Lajeado

A história da Docile começa muito antes da fundação, em 1º de setembro de 1991. A empresa liderada pelos irmãos Ricardo, Fernando e Alexandre Heineck carrega a história de uma família que se dedica à fabricação de doces desde 1936.

Tudo começou quando o avô dos três, Natalício Heineck, iniciou uma pequena produção de balas, que depois viria a se tornar a Florestal Alimentos. Filho de Natalício e pai dos três irmãos, Nestor Heineck deu continuidade ao trabalho e atuou na empresa até 2008.

Após trabalharem ao lado do pai no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, Ricardo, Fernando e Alexandre, aproveitaram a oportunidade de iniciar uma operação própria, voltada para a venda de xarope de glicose. Em 1994, passaram a fabricar sucos em pó e nos anos seguintes, a produzir balas e pastilhas.

Em 1998, com a inauguração do novo parque fabril, se tornou a Docile Alimentos. Hoje, a empresa produz mais de 2,6 milhões de quilos de guloseimas por mês, atende todo o mercado brasileiro e exporta para mais de 50 países.

 

ENTREVISTA

Quando vocês começaram a trabalhar com doces?
Ricardo – Eu trabalhei no Banco do Brasil entre 1982 e 1986, quando meu pai me chamou para trabalhar na Florestal. Antes, o Fernando também havia sido convocado para trabalhar e o Alexandre continuou estudando em Porto Alegre. Comecei como comprador e, como eram diversos sócios, sugerimos reabrir a lojinha que a Florestal tinha no Centro de Lajeado, onde vendíamos retalho de bala, revendíamos chocolate, sacos de açúcar vazios, entre outros produtos. Íamos para Porto Alegre no fim do expediente para comprar os chocolates. A partir de 1989 o Alexandre participou conosco e em janeiro de 1990 ele ingressou na Florestal. Em 1991 surgiu a oportunidade de iniciar um negócio próprio.

Como foi esse início do negócio?
Fernando – O Ricardo tinha contato com um camarada que era fornecedor de xarope de glicose e ofereceu a distribuição desse produto. Abrimos a empresa em 1º de setembro de 1991 com o nome Gluco Amido. O dinheiro que juntamos ao longo desses anos da lojinha de bala serviu para a compra de um tanque, para que pudéssemos comprar a granel e vender fracionado. Contratamos um amigo para tocar a operação porque nós três ainda estávamos na Florestal. Em julho de 1992, nós começamos a ter uma perspectiva de crescimento e um de nós teria que sair da Florestal para tocar esse negócio e eu fui o escolhido. Esse anos iniciais, dos quais falamos pouco, foram fundamentais para a história da Docile.

Quando vocês deixaram de ser apenas uma distribuidora para se tornar indústria?
Fernando – A recomendação do pai era de não ter indústria e ficar apenas como uma distribuidora, por causa da complexidade do processo industrial. Mas, na época o mercado de refresco em pó estava em alta e uma pessoa nos recomendou comprar uma máquina usada da Olvebra, que tinha operado muito pouco. Compramos uma betoneira e trocamos o tonel de aço carbono por um de aço inoxidável para ser o nosso misturador e, em 1994, começamos a fabricar refresco em pó.

Como foi esse início?
Fernando – Produzimos e buscamos diversas formas de distribuir, mas não estava dando certo, até que tivemos a oportunidade de vender uma carreta de refresco para Belém do Pará. Foi um negócio arriscado, porque se o comprador não pagasse, nós quebraríamos. O cara não pagou. O representante pegou o delegado da cidade, foi até a distribuidora, conseguiu resgatar parte da mercadoria e foi vendendo aos poucos, até nos pagar a carga em 18 vezes. Superado esse episódio, encontramos uma forma de comercializar melhor o refresco e compramos uma nova máquina da Argentina.

Quando começou a produção de balas?
Alexandre – Não tínhamos como nos manter somente com o refresco em pó, porque é sazonal aqui no sul. É como o sorvete, vende muito pouco no inverno. O pai nos convidou a ir para Erechim visitar uma fábrica que era de um amigo dele. Nós três fomos lá, visitamos a fábrica e eles tinham duas linhas à venda. Uma de chocolate, italiana, de alta qualidade, e umas máquinas mais simples, de balas de goma. Não tínhamos como comprar a linha de chocolates e compramos a máquina de goma. Fizemos a compra entregando glicose. Quando fomos carregar, eles tinham outras duas máquinas paradas para fazer pastilhas, perguntaram se não queríamos levar junto por mais uma carga de glicose. Negociamos e embarcamos as máquinas. Em 1998, inauguramos a nossa fábrica atual. Saímos de um espaço de 300 metros quadrados para um de 3 mil metros quadrados. Em 1999 começamos a produzir as balas de goma. Ainda ficamos mais dois anos buscando conhecimento para poder fabricar as pastilhas, cuja linha começou a operar em 2001.

Como se deu o crescimento da empresa a partir das balas?
Ricardo – Fomos aprimorando o processo e melhorando. Em julho de 2001 paramos com a distribuição e ficamos só com a indústria e, em dezembro de 2002, substituímos várias máquinas. O Fernando aproveitava as férias coletivas para fazer uma verdadeira revolução nas linhas de produção. Em 2003, iniciamos a produção de pastilhas drageadas, cujo processo é bastante complexo. Começamos com refresco, um processo simples, passamos para a bala de goma, um processo menos simples, depois pastilhas, já mais complexo. Fomos em uma crescente buscando maior complexidade para ter menos concorrentes no país e maior valor agregado. Em 2008, adquirimos a primeira linha nova da Docile.

Quando vocês decidiram profissionalizar a gestão?
Fernando – Em agosto de 2008, o pai decidiu se aposentar e deixou a Florestal. Mas logo ele começou a participar aqui conosco. Naquela época decidimos formar um Conselho de Administração com profissionais externos e iniciar o processo de governança corporativa. Elaboramos um acordo de acionistas que regula o ingresso de filhos, a saída de algum dos sócios, entre outros detalhes além de criar uma cultura orçamentária. Entre 2008 e 2009, lançamos a bala de gelatina. Em 2012, adquirimos a primeira linha de marshmellows e, em 2014, a segunda. Em 2018, compramos a primeira linha de regaliz e 2021 a terceira linha de balas de gomas e gelatinas e uma segunda de regaliz.

Como vocês começaram a exportar e quais foram os desafios desse processo?
Alexandre – A indústria brasileira de balas sempre foi muito exportadora porque a base é forte no país. Somos os maiores produtores mundiais de açúcar e temos todas as matérias-primas para a indústria de guloseimas aqui. Isso nos dava vantagem competitiva para exportamos na comparação com outros países. Nossa primeira exportação foi para um cliente venezuelano, no fim dos anos 1999. Depois exportamos para o Uruguai, Paraguai e Argentina. Foi quase natural vendermos os produtos para fora do país. Nos últimos anos, a exportação se tornou parte fundamental do nosso negócio. A exportação nos exige fazer produtos adequados ao país de destino, não só em legislação mas também em textura, sabor, embalagem. Isso nos trouxe novas capacidades e hoje exportamos para quase 60 países.

Por que a decisão de inaugurar uma fábrica no Nordeste?
Fernando – Entre 2010 e 2011, decidimos montar uma operação em Pernambuco. Na época, o Nordeste crescia em níveis chineses e queríamos levar a produção de refresco em pó para mais perto do nosso maior mercado consumidor desse produto. Começamos em um prédio alugado e, em 2016, fomos para um prédio próprio em Vitória do Santo Antão. Temos cem pessoas lá, produzindo refresco em pó. Também levamos para lá outros produtos que fabricamos aqui. Eles vão em embalagens maiores e lá são fracionados para consumo.

Quais os motivos para o sucesso da Docile?
Alexandre – Muito foi por essa história de perseverança. Para nós, não havia possibilidade de dar errado. Mas nem no melhor dos sonhos pensei que chegaríamos nesse ponto. Acho que uma das coisas é relação entre nós três. Não temos presidente. Decidimos tudo juntos. Cada um tem um perfil e opiniões diferentes e isso dá uma consistência melhor para o negócio. Outra coisa fundamental é a felicidade que sempre tivemos em nos juntar a pessoas bacanas, com bons valores e conhecimento maior do que o nosso.

Ricardo – Fundamos a Docile em 1991, efetivamente uma linha nova entrou na Docile em 2009. Foram anos de trabalho que pouca gente vê. As coisas não acontecem de uma hora para outra. O que nos tornou forte foi essa questão de fazer diferente. Nunca gostamos de produto meia boca, sempre nos dedicamos em fazer coisas boas, que trazem felicidade ao consumidor. O sucesso é consequência de muitas coisas bem feitas.

Nestor ao lado da bicicleta utilizada por seu pai Natalício Heineck / Crédito: Thiago Maurique

 

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