Depois de quase seis décadas de atuação, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) sairá de cena. A estatal teve sua privatização autorizada pela Assembleia Legislativa. Mas o debate sobre o futuro do saneamento básico nos municípios ainda está longe de ter um desfecho convergente entre Estado, governos locais e sociedade.
Pelo cronograma, o próximo passo se refere à estruturação da regionalização do saneamento. O governo pretende aprovar o projeto ainda em setembro, para que depois os municípios assinem aditivos contratuais com a Corsan. Paralelo a isso, busca acelerar a oferta pública de ações da estatal. O objetivo é que isso ocorra na primeira quinzena de fevereiro de 2022.
Entidades e líderes regionais analisam prós e contras da privatização. Contudo, há mais dúvidas do que certezas. “Algumas perguntas ainda permanecem no ar. Precisamos de uma proposta que contemple melhor as necessidades da população”, afirma o prefeito de Santa Clara do Sul e presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), Paulo Kohlrausch.
O gestor participará de uma reunião amanhã, às 8h30, com o presidente da Assembleia Legislativa, Gabriel Souza (MDB), onde a regionalização entrará em pauta. No dia seguinte, o tema norteará assembleia da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs).
Kohlrausch simpatiza com a iniciativa proposta por Souza, de sistema de governança e divisão em somente dois blocos, e não quatro, como o governo projeta. “Me parece mais alinhada com os municípios do que a anterior”, comenta.
Consultoria
A Amvat chegou a pedir consultoria ao advogado e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Pedro Henrique Poli de Figueiredo, na análise do projeto de regionalização. Ele é o mesmo profissional contratado pela Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal).
“Como estamos ainda no âmbito das sugestões, não necessitamos de sua contratação. Nossos prefeitos tiveram acesso ao estudo feito para a Granpal. Mas grande parte dos municípios tem demandas diferentes e o documento é baseado no primeiro projeto do governo, agora se discute a possibilidade da matéria apresentada pela Assembleia”, frisa Kohlrausch.
“Vamos lutar para defender nossos interesses”
Com 41 anos de atuação, a Associação Pró-Desenvolvimento Languiru (APDL), também conhecida como Associação da Água, abastece quase metade da população de Teutônia. Porém, as propostas de regionalização do saneamento ameaçam o futuro dela e de outras associações. Só no Rio Grande do Sul, são mais de 500 entidades em atividade.
“Se existem tantas associações, é porque nosso trabalho não é ruim”, comenta o vice-presidente da APDL, Rudimar Landmeier. “Está tudo mal explicado. Por isso, estamos indo à luta para defender nosso interesse, que é continuar prestando o serviço”, afirma.
Landmeier diz que não compete a ele opinar sobre a privatização da Corsan. Porém, é crítico ao projeto de lei que divide o Estado em unidades regionais de saneamento. Seriam quatro diferentes regiões, sendo uma delas que abrange os municípios hoje abastecidos pela Corsan. As demais reúnem as cidades que são atendidas por associações ou pelas próprias prefeituras.
Para ele, porém, caso o município de Teutônia aceite integrar a unidade regional, não há o que fazer. “O município que aderir, em tese, terá acesso a recurso federal. Mas os pequenos não se dão conta de que vão tirar água deles. Não poderão definir tarifa e projeto. As unidades é que vão fazer isso. E eles pagarão a conta”, observa.
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Cobertura da Associação da Água atinge quase metade da população de Teutônia. Futuro é incerto com regionalização / Crédito: Divulgação
Projeto de R$ 77 milhões
Em 2019, a APDL e o governo de Teutônia apresentaram um projeto de saneamento básico, orçado em R$ 77 milhões. Na época, se projetavam R$ 58,6 milhões na rede coletora, R$ 9,8 milhões na estação elevatória e o restante na estação de tratamento.
“Montamos o projeto, compramos a área para estação e depois começaram a busca por recursos. Agora estamos buscando pessoas especializadas para fazermos cálculos, contas e projetar a atividade pelos próximos 35 anos a atividade”, explica Landmeier.
Contradições
A economista e vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cintia Agostini, entende que é necessário solucionar a deficiência regional na cobertura do esgotamento sanitário. “Só temos 10, 11% da população atendida. Isso é muito aquém do ideal”, pontua.
Por outro lado, Cintia vê com preocupação o futuro das associações, que hoje desempenham papel importante nos municípios. “De maneira eficiente, elas cumprem seu papel, entregando água de qualidade e outros serviços à comunidade. Hoje há contradições grandes que precisam ser avaliadas”, ressalta.
Em 2016, o Codevat elaborou um plano estratégico de desenvolvimento do Vale do Taquari. Entre os projetos, uma iniciativa com objetivo de ampliar e qualificar a estrutura e os serviços de saneamento básico nos municípios da região, como água, esgotos, resíduos e drenagem. Para atingir tais objetivos, a entidade calculou que seria necessário investimento estimado de R$550 milhões.
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Lajeado é um dos 13 municípios do Vale que possuem contrato com a Corsan / Crédito: Mateus Souza
PRÓXIMOS PASSOS À VENDA DA CORSAN
O governo precisa sancionar o projeto de lei que autoriza a privatização da Corsan. O prazo é de 15 dias, a contar da última terça-feira.
• Após a sanção, serão contratadas instituições financeiras que coordenarão o processo de Oferta Pública Inicial. Ela terá supervisão dos órgãos de controle do RS;
• As ações para leilão da Corsan devem ser disponibilizadas até fevereiro de 2022. A modelagem está em elaboração. O Estado pretende ficar com 30% das ações da companhia. Qualquer investidor poderá adquirir ações;
• Os contratos firmados com 317 municípios gaúchos serão mantidos. Eles deverão estar em conformidade com o novo marco legal e precisarão ser adequados;
• Os dois projetos de lei que tratam da regionalização do saneamento seguem em tramitação na Assembleia Legislativa. A intenção do governo é tentar aprová-los em setembro, após dar mais tempo de análise aos deputados, prefeitos e sociedade;
• Com a privatização, a intenção da Corsan é assegurar a universalização da coleta e tratamento do esgoto em 90% das áreas até 2023, conforme exige a legislação nacional. A intenção é investir até R$ 10 bilhões.