O relatório Tratamento do Tabagismo no SUS durante a pandemia, feito pelo Instituto Nacional de Câncer Inca, aponta que 66% dos fumantes interromperam o tratamento entre 2020 e 21. Junto com isso, pesquisa da Fiocruz indica que 34% dos fumantes no país aumentaram a carga de uso da substância entre 2020 e 21.
As duas análises se complementam e reforçam como o vício foi potencializado pelo isolamento. Pelo menos é o que afirma o médico psiquiatra e professor, Roberto Pierobom Lima. De acordo com ele, como a covid-19 alterou a interação social, os casos de estresse e ansiedade provocaram mais desejo por cigarros e também bebidas alcoólicas.
Ao depositar nas substâncias como um tipo de “automedicação” contra as angústias, o resultado acaba sendo o oposto do desejado, pois o consumo traz mais problemas do que o sentimento de satisfação.
“As pessoas tem uma ideia errada. De que fuma para se acalmar. É o contrário. A pessoa fica nervosa pois a nicotina parou de fazer efeito no organismo. Então fuma para repor a substância.” O psiquiatra explica que a nicotina não tem efeito ansiolítico. “Ela não reduz a ansiedade. É um estimulante. Quando se cria a dependência, o alívio da abstinência se confunde como se fumar trouxesse bem-estar.”
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Campanhas e tributação no produto estão entre os motivos para reduzir número de fumantes no Brasil na últimas décadas
Diante dos resultados em relação a queda no atendimento e aumento de consumo, o Inca lançou nesta semana a campanha “A Melhor Escolha é não Fumar”, desenvolvida em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O instituto preparou cartilhas para profissionais de saúde, que incluem um questionário básico a ser respondido pelos pacientes com perguntas relativas ao hábito de fumar.
A pesquisa se baseou em dados coletados pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), coordenado pelo Inca, e verificou que o Sudeste foi a região onde houve maior diminuição (68%) seguido pelo Nordeste (66%), Centro-Oeste (63%), Sul (62%) e Norte (59%).
No país, o tabagismo mata quase 200 mil pessoas por ano e tem custo anual de R$ 125 bilhões aos cofres públicos para cobrir despesas com doenças causadas pelo cigarro. Esse gasto equivale a 23% do que foi gasto com o enfrentamento à covid-19 em 2020.
Redução em 30 anos
Ainda que o consumo tenha aumentado na pandemia, no geral, o país contabiliza redução no número de fumantes ao longo das últimas décadas. De 1989 até 2019, o percentual de tabagistas caiu de 34,8% para 12,6%. Campanhas antifumo, restrições ao consumo e aumento da carga tributária estão entre as medidas usadas para dificultar o uso e a venda.
Esse resultado das últimas três décadas coloca o país em primeiro lugar no ranking mundial sobre redução do consumo. É o que aponta estudo do periódico científico The Lancet. O diagnóstico avalia 204 países e mostra a prevalência de tabagistas a partir dos 15 anos.
Depois do Brasil, aparece a Noruega, Senegal, Islândia, Dinamarca, Haiti, Austrália, Costa Rica, Canadá e Colômbia. A pesquisa também revela que, apesar da redução do consumo, 20 tiveram movimentos opostos devido à entrada de jovens adultos no contingente de fumantes. Em 2019, a estimativa é de que 1,1 bilhão de pessoas fumaram 7,4 trilhões de cigarros.
ENTREVISTA
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Médico oncologista detalha formação de tumores no pulmão (foto: Filipe Faleiro)
Renato Cramer, médico oncologista
“Mudar hábitos é uma forma de largar o cigarro”
Um vício ligado ao aparecimento de diversas doenças, entre elas, 15 tipos de tumores. No país, estima-se que quase 200 mil pessoas morram todos os anos devido a enfermidades relacionadas ao fumo. Dia de Combate ao Tabagismo, neste domingo, alerta sobre riscos inerentes ao consumo de cigarros e similares.
A Hora – Como especialista no tratamento de câncer, o senhor percebeu aumento no uso durante o período de isolamento?
Renato Cramer – No consultório não percebo isso, pois, via de regra, os meus pacientes já são tabagistas prévios. Entre 90 a 95% das pessoas que chegam na primeira consulta, com um diagnóstico de câncer, são fumantes.
Temos estudos que mostram uma redução significativa no percentual da população que fuma. No entanto, durante a pandemia houve um incremento tanto na ingestão de bebidas alcoólicas quanto de cigarros. Quem já fumava, passou a fumar mais.
– Como o hábito de fumar se torna um vício?
Cramer – O cigarro é uma droga lícita. Quando metabolizada, se transforma em nicotina. A substância se liga aos receptores do sistema nervoso central, dando uma sensação de bem-estar. Isso causa o vício, pois o tabagista quer conviver com essa sensação mais tempo.
Em um momento de estresse emocional, com mudanças na forma de se relacionar com amigos, com familiares, colegas de trabalho, o cigarro se tornou uma válvula de escape.
Isso aumenta o risco. Estudos nos mostram que os fumantes desenvolvem quadros mais graves da covid. E a recuperação também é mais difícil. Isso é muito preocupante, pois, como o consumo aumentou, há um favorecimento de mais complicações com uma doença que ainda estamos conhecendo.
– Qual o caminho para deixar o cigarro?
Cramer – O tabagismo é um dos vícios que mais demora para a pessoa adquirir. Por outro lado, é o mais difícil de perder. Tanto que a Organização Mundial de Saúde considera uma doença. Entendo que é preciso tratar de forma preventiva. Identificar o fumante, indiferente da carga tabágica e dizer: isso não faz bem, causas diversas doenças. Ou seja, estimular a parar.
O melhor sempre é largar de “sopetão”. De maneira brusca. Mas também é possível oferecer a forma gradual. Apesar de sabermos que as recaídas são comuns. Para isso dar certo, depende muito da força de vontade dessa pessoa.
Aquela ideia de acordar, sentar, tomar um café e puxar um cigarro tem que mudar. Ao invés disso, colocar um tênis e sair para caminhar. Tirar os cinzeiros de casa. Mudar de hábitos é uma forma de largar o cigarro.
Há casos de alguns que já tentaram e que não deu certo, apesar das orientações e mudanças de hábitos. Neste caso, há tratamento farmacológicos e não-farmacológicos. Junto com isso, muitas vezes é indicado o acompanhamento psiquiátrico e psicológico. A pessoa precisa ver quais fatores desencadeia a ansiedade e a vontade de fumar.