Toda sexta-feira, depois da aula, era sagrado. A criançada se reunia na pista do Parque dos Dick, em Lajeado, para andar de skate. Rochelles Franciosi, 19, cursava o Ensino Fundamental na época e vivia entre os meninos para aprender o esporte. Foi nas rampas do parque que ela teve contato com a modalidade pela primeira vez e passou a frequentar o lugar. “Foi um momento em que eu senti liberdade de poder fazer parte de um grupo, foi um momento único”, conta a menina.
Há um ano, Rochelles passou a levar a prática mais a sério, apesar de ainda ter o skate como um hobby. “O skate me traz coragem para tentar algo diferente, vontade de superar meus medos e me traz muitas amizades”, destaca. Mesmo sendo uma das poucas meninas na modalidade, ela acredita que a prática pode ser exercida por todos. O que falta é incentivo e representatividade feminina.
O cenário, no entanto, passa por mudanças desde o anúncio do skateboard como uma modalidade presente nas Olimpíadas de Tóquio. Com as medalhas conquistadas pelos brasileiros Pedro Barros, Kelvin Hoefler e, em especial, a medalha de prata de Rayssa Leal, o país passou a ver a prática com outros olhos. Não apenas pelo público masculino, mas também pelo feminino.
“Vi muitas crianças se sentindo motivadas a praticar o esporte depois que fomos representados de outra forma nas mídias. Antes o skate era muito criticado, taxado por ser algo sem futuro. Depois das Olimpíadas, as pessoas perceberam que é um esporte como qualquer outro, que tem pessoas que andam por diversão, assim como temos atletas que seguem pro profissional”, destaca Rochelles.
Alta no comércio
Outro segmento que viu a modalidade crescer nos últimos meses foi o comércio. Funcionário de uma loja de surf skate de Lajeado, Arthur Henrique Dullius conta que a procura por skates no estabelecimento aumentou após as Olimpíadas.
Antes era comum a montagem de oito a 10 skates por mês. Hoje, o número dobrou e a procura é por “shapes” temáticos e coloridos. “Quando a modalidade entrou nas Olimpíadas, o pessoal começou a procurar mais, e quando a Rayssa ganhou a medalha de prata, os próprios clientes vinham comentar sobre ela”, diz.
De acordo com Arthur, no entanto, ainda falta incentivo a essa prática esportiva, e há poucas pistas de skate no município. “Hoje, as regiões mais incentivadas são Santa Cruz do Sul e Porto Alegre”, ressalta. A maior pista de skate da América Latina, inclusive, está em processo final de construção na Orla do Guaíba, na capital gaúcha.
Primeiras manobras
Se antes o esporte era predominantemente masculino, hoje há um movimento gradativo que coloca as meninas na atividade. Essa representatividade, trazida em especial por Rayssa Leal, foi um dos incentivos que fez Gabrieli Grasel Spohr, 14, voltar a subir em um skate.
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(foto: arquivo pessoal)
A pista do Parque dos Dick é o principal lugar de treinos da menina, que ainda aprende as primeiras manobras da modalidade. Faz pouco tempo que ela substituiu o pequeno skate recebido da avó, aos 7 anos.
“Para mim, o skate é ainda um hobby, uma coisa que gosto de fazer e quero aprender coisas novas”, ressalta a menina. Gabrieli já competiu pela patinação e ginástica artística, mas devido a uma lesão, teve que parar de treinar. Hoje, ver a menina em cima de um skate é a alegria da família.
“Como mãe, gostaria que tivesse mais incentivo na nossa cidade, mais espaços. Compramos outro skate porque ficamos felizes em ver ela andando”, ressalta Gislaine Grasel. Para ela, o esporte é sinônimo de liberdade.
Incentivo na região
No Vale do Taquari, a prefeitura de Estrela tem planos para a reforma e manutenção do Centro Esportivo e quer dar incentivo à modalidade, a pedido de uma associação representativa do município.
Em Lajeado, também foi criada uma organização nos últimos meses, chamada Associação de Skatistas e Similares de Lajeado (ASSLA). O vice-presidente, Flávio André Johann, pratica a modalidade há 20 anos. “Naquela época a gente não tinha uma associação que pudesse nos representar. Era tudo gurizada que só queria andar de skate”, lembra.
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(foto: arquivo pessoal)
Hoje, formados e mais experientes, aqueles meninos se uniram para dar oportunidade aos novatos. A associação ainda é composta apenas por atletas masculinos, mas querem incentivar o esporte para as mulheres.
“Por meio do skate, foi acontecendo um movimento global onde as meninas foram inseridas, tiveram vontade e interesse, e agora há cada vez mais praticantes”, acredita.
Entre os planos da associação está a construção ou aquisição de uma pista de skate em um local que não seja atingido pelas enchentes. A ideia é também organizar campeonatos e eventos para promover o esporte, além de projetos sociais com aulas em escolas carentes do município.