Quando uma empresa nasce, ela é criada para atender os objetivos de seu dono ou dos sócios. São pessoas que decidem oferecer um produto ou serviço para os clientes e querem que o negócio dê certo porque dependem disso para viver. Na medida em que a empresa cresce, outras pessoas passam a ser importantes: os clientes, os fornecedores, os funcionários, os concorrentes. Neste momento, a opinião destes grupos passa a ser relevante, e às vezes é preciso o sócio abrir mão de lucro para dar desconto ao cliente ou pagar mais caro por um insumo. Quem está fora deste ecossistema pouco interessa à empresa. Ou pouco interessava, porque a covid-19 mudou esta realidade. Agora, os noholders precisam de atenção.
Em setembro de 2020, em plena pandemia do coronavírus, o engenheiro e conselheiro de administração Marco Antonio de Barros Penteado cunhou o termo “noholders” para identificar um contingente antes quase invisível: designa as pessoas sem posses, com empregos de salário mais baixo, precários, informais, pequenos biscateiros e prestadores de serviço que “vendem o almoço para pagar a janta”, mas que são imprescindíveis para manter a roda girando. E por que o especialista traz o termo? Para dar um nome – e assim gerar visibilidade entre a alta administração das empresas – ao grupo mais afetado pela crise sanitária e que passou a depender de auxílio público e da solidariedade alheia para sustentar a si e suas famílias.
Os chamados “shareholders” (proprietários ou sócios) e “stakeholders” (partes interessadas no negócio, como os fornecedores) precisam colocar os “noholders” na pauta de suas organizações. Não se pode pensar em desenvolvimento sem focar na redução das desigualdades sociais. Para este grupo, há uma certeza: precisará de muita atenção e ajuda! Empresas e empresários devem se questionar insistentemente se é possível despertar e promover, por meio da governança corporativa, algum nível de estabilidade social para esses diversos segmentos da economia.
As primeiras análises mostram que a pobreza aumentou no mundo com a pandemia, ou seja, os “noholders” não estão sendo atendidos. Então, caberá, sim, às organizações empresariais mais esta missão: a de criar estruturas e programas para atender as demandas de trabalho e renda para esses trabalhadores.
No livro “O Poder do Hábito – Por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios”, o autor Charles Duhigg fala sobre como as pessoas se habituam de tal forma a determinadas situações que nem se dão conta do ambiente em que estão. Como peixes nadando em um aquário que não percebem a água ao redor. A água são os hábitos, as escolhas e decisões impensadas que tomamos todos os dias e que, eventualmente, precisam receber um novo olhar para que se tornem perceptíveis de novo. Os “noholders” são a água invisível do aquário e que a governança precisa trazer à tona nas suas discussões. E isso não é apenas ética nos negócios. É questão humanitária.
Há quem entenda que este papel deve ser exclusivamente do Estado. Do ponto de vista empresarial, sabemos que os limites do Estado já estão esgotados e essa situação passa a exigir priorização em outras estruturas organizacionais. Como esta conta de alguma maneira será, de qualquer forma, suportada pela sociedade, o ideal é iniciar a jornada de atendimento às demandas dos “noholders” o quanto antes.
Talvez seja preciso renunciar a algumas vantagens individuais. Não se trata de buscar saber “qual será o desconto no imposto se eu ajudar uma instituição”, mas sim de buscar uma atuação com base em propósitos mais humanos e sociais. Numa ação conjunta, do todo, de todos e de cada um. E empresas com propósitos focados no desenvolvimento humano e social fazem todos sair ganhando.
Teremos disposição para trabalhar nisso juntos?