A festa dos mentirosos

EM NOVA BRÉSCIA

A festa dos mentirosos

O Festival da Mentira de Nova Bréscia surgiu como uma brincadeira entre amigos. Mas o evento se tornou sucesso e projetou o município em nível nacional. Depois de seis anos sem apresentações, a final da 18ª edição ocorre neste sábado, 28, com transmissão online

A festa dos mentirosos
(Foto: imagem aérea rs/reprodução)
Vale do Taquari

Numa sexta-feira à noite, os amigos Gilberto Laste, o Catraca, Ângelo Mezacasa e Celto Dalla Vecchia jogavam conversa fora no Clube Tiradentes, em Nova Bréscia. Era noite de churrasqueada e, em meio a uma brincadeira, surgiu a ideia de criar um evento turístico e cultural no município. Na segunda-feira seguinte, foram a Porto Alegre para comunicar a imprensa e, assim, divulgaram a primeira edição do Festival da Mentira, marcada para o dia 22 de maio de 1982.

“Lá nós fomos surpreendidos. O pessoal da RBS queria copiar a nossa ideia, de tão bonita que foi”, conta Celto, de 74 anos. Naquele ano, todo o festival foi organizado em uma semana, com mais de 10 inscritos.

A comunidade lotou o clube para ver os participantes, que tinham 5 minutos para contar a mentira. O regulamento foi escrito na hora do evento, e ao final daquela edição, a competição teve um empate. José Calvi e Aquilino Scartezini eram os finalistas.
“O público então decidiu o vencedor por palmas. Calvi acabou levando o prêmio”, conta Celto. Para ele, uma boa mentira tem que ser original, contada de forma criativa, em português, e sem fatos verídicos.

Nos anos seguintes, a fase classificatória do festival era feita durante o dia de sábado e, à noite, era esperado um grande baile, muitas vezes com shows. Entre os artistas que se apresentaram estão Teodoro e Sampaio, Os Serranos e Gilberto e Gilmar.

No domingo, era a disputa dos finalistas. Entre os prêmios aos vencedores, já foram entregues carros e motocicletas. “A ideia era promover a cidade e fazer festa. Nos damos bem nesse aspecto. É uma coisa que ficou na história”, destaca Celto. O evento promoveu a cidade à Capital da Mentira.

Esperança para o retorno

Em geral, os festivais eram feitos no Clube Tiradentes. Mas houve ocasiões em que os mentirosos se apresentavam na praça da cidade, onde era montado uma espécie de tenda coberta por uma lona.

Em alguns anos, o festival chegou a ter mais de 60 inscritos. “Os jurados tinham que começar de manhã. Algumas eram fracas, não tinham fundamento. Nós ficávamos o dia todo ouvindo mentiras”, conta Ângelo, de 78 anos, outro fundador do festival.

Com o tempo, o evento passou a ser organizado de dois em dois anos, até que perdeu força no município. O último festival ocorreu em 2015. “Estamos conversando para talvez fazer o evento junto com outros festivais, como o do churrasqueiro ou do gaiteiro, para atrair mais pessoas ao município. Queremos que volte a ser como era no início”, destaca Ângelo. O professor aposentado garante que o evento vale a pena, e conta com mentiras “cabeludas”, divertidas de escutar.

Entre as curiosidades do festival, estão a participação de Paulo Sant’Ana como apresentador da 7º edição e a visita de Renato Borghetti que foi ao município para assistir o 3º evento.

Homenagem ao fundador

Os amigos Ângelo e Celto contam que Catraca foi o grande incentivador do festival. Ele morreu em 1988, em um acidente de carro. Naquele ano, não teve evento, mas a tradição permaneceu no ano seguinte, também para manter viva a memória do fundador.

18ª edição

Depois de seis anos, o festival volta ao palco do Clube Tiradentes, para a sua 18ª edição. Ao todo, dez participantes foram selecionados para a fase final, que ocorre neste sábado, 28, a partir das 18h. O evento conta com público reduzido e será transmitido pelo canal do festival no Youtube, promovido pela prefeitura, pelo clube e pelas empresas La Estancia Produções e LK Lives.

A premiação para os 10 melhores mentirosos variam entre R$ 300 e R$ 5 mil. As histórias são avaliadas pela originalidade, conteúdo, criatividade, interpretação e tempo de apresentação.

Na avaliação

Entre os jurados desta edição, estão Celto e Ângelo, ao lado da professora da Univates Kári Forneck, que participa pela segunda vez como avaliadora do festival, e mais dois convidados.

“Uma mentira não deixa de ser uma história, mas é uma história não verdadeira. E uma boa mentira, no meu entender, precisa em alguma medida mobilizar as nossas emoções, aquele engajamento que a gente vai ter com uma boa história”, ressalta Kári.

A professora conta que na seleção deste ano, as mentiras que aproveitaram o cenário atual e local tiveram destaque. “Quando a mentira tem uma conexão com a realidade, a gente se deixa levar pela história”, acredita.

Para Kári, a cultura da contação de histórias pode ser desenvolvida pela literatura, música, cinema. “O nosso cérebro pensa e se organiza em narrativas, mesmo quando a história não é ficcional. Nossa percepção de mundo é sequencial. Quem são os personagens? O quê está acontecendo? Quando? Essas são algumas questões que uma narrativa tenta responder. É como a gente se constitui como ser humano”, afirma.

A professora ainda destaca a importância do festival para o município e região. “É uma cultura que leva Nova Bréscia para o mundo. A mentira que é contada em Nova Bréscia é uma história, é folclórica. São histórias para povoar nosso imaginário. É isso que é tão bonito desse festival”, completa.


 

ENTREVISTA – Osmar Ghisleni, pentacampeão do Festival da Mentira

“Eu sempre procurei colocar a cidade de Nova Bréscia em evidência”

A Hora: Como você começou a participar do festival?

Osmar Ghisleni: Eu acompanhava pelo jornal os primeiros festivais, e aí me deu vontade de participar, de inventar uma história. A primeira vez que eu me inscrevi, me classifiquei entre os 15 finalistas, e a primeira vez que venci foi em 86. Gostava de participar porque era uma coisa inédita, tinha um acompanhamento muito grande da mídia, era muito concorrido, com vários participantes.

O que inspirou a criação das suas mentiras?

Osmar: As minhas primeiras mentiras eram baseadas sempre em um fato. A mentira tinha uma regra que o contador tinha cinco minutos, não podia ultrapassar para não perder pontos, e além disso tinha que ser inédita, não podia ser uma piada conhecida, precisava ser original. Eu levei em consideração a questão política que tinha na época, aqueles problemas todos que existiam com a troca de moeda, de Cruzados para Cruzados Novos. Eu sempre procurei colocar a cidade de Nova Bréscia em evidência nas mentiras. Um ano eu contei que Nova Bréscia ia sediar as Olimpíadas, fiz uma camiseta com o slogan “Nem Rio nem Grécia, Olimpíadas é em Nova Bréscia”.

Como se preparava para as apresentações?

Osmar: Eu escrevia a mentira e treinava em casa. Minha preocupação maior era não passar dos cinco minutos de apresentação, então eu praticava cronometrando o tempo. Eu também fazia adereços para as apresentações: fui pilchado de gaúcho, de caipira, de colono, tinha de tudo. Eu ficava tranquilo, não ficava nervoso.

Acompanhe
nossas
redes sociais