“O que é uma cidade inteligente”? Esta é uma pergunta com muitas respostas e diferentes abordagens. E elas remetem aos seis eixos que compõem o Crie Smart Cities, evento inédito promovido em Lajeado, pela Univates, e que debaterá formas de inovar para o desenvolvimento social e econômico das cidades, de forma sustentável e com atuação conjunta e colaborativa de diferentes agentes de transformação.
O evento, que será 100% virtual, inicia na próxima segunda-feira, 23, e terá uma semana de palestras, oficinas e painéis, voltados a cada um dos eixos: mobilidade urbana, sustentabilidade, governança das cidades, transformações tecnológicas, qualidade de vida e educação. As conferências terão convidados locais e também do exterior. Confira aqui a programação completa.
Para entender melhor este conceito, A Hora ouviu coordenadores e especialistas dentro de cada um dos eixos, que detalham o que se projeta dentro de cada área.
O termo “cidades inteligentes é usado para falar de comunidades que usam tecnologia digital a fim de tornar prática e eficiente a vida de seus cidadãos. Nesses lugares, existe preocupação em melhorar a fluidez do tráfego, a segurança e a prestação de serviços em diversas áreas.
SUSTENTABILIDADE
Harmonia entre ser humano e a natureza
Uma cidade inteligente precisa de iniciativas que resultem em maior harmonia entre ser humano e natureza. Para a professora Luciana Turatti, coordenadora do eixo sustentabilidade, o equilíbrio é fundamental. “Isso diz respeito a três vértices: econômico, social e ambiental. Então, temos que permitir a presença de espaços verdes e preservar o que ainda é possível preservar”, explica.
Um dos debates no eixo sustentabilidade colocará a água em evidência. Segundo Luciana, cidades inteligentes são capazes de suportar mudanças climáticas. “Os desenhos dos planos diretores devem conter essas questões de mudanças, pois não são mais uma possibilidade. Vai acontecer. As cidades precisam se preparar para isso”, afirma.
Luciana sugere um planejamento a longo prazo para resolver um dos principais problemas, que é a ocupação irregular às margens do rio Taquari. Entretanto, reconhece que não é uma saída simples. “Não dá para culpar ninguém, pois isso é um problema no planeta inteiro. Mas, com planejamento, é possível remover as pessoas das áreas de risco para lugares mais seguros. Sabemos que é algo extremamente custoso e que elas não estão ali por escolha e sim por falta de opção”, sustenta.
Hoje, ela desconhece propostas neste sentido. “Cidades sustentáveis são inclusivas, participativas, e não devem ser feitas para apenas alguns nichos”.
MOBILIDADE URBANA
Integração regional para melhores resultados
Lajeado hoje é a cidade polo do Vale do Taquari e está a menos de 30 minutos de diversos municípios vizinhos. Neste casos, as políticas de mobilidade precisam ser mais integradas, avalia a professora Fernanda Antonio, coordenadora de mobilidade urbana do Crie Smart Cities.
Um dos debates previstos no evento será justamente sobre a integração. “Não dá para pensar a mobilidade de Lajeado isoladamente, e sim como um todo. Muita gente de fora vem trabalhar e estudar aqui. Quanto mais gente participar, se envolver, é melhor”, salienta. A cultura de diálogo na região, segundo ela, favorece o debate. “O Vale é privilegiado nisso, com a cooperação entre poder público, sociedade civil, empresas e universidades”.
Entretanto, há outros gargalos a serem observados de perto por gestores. O deslocamento interno é um deles. “A malha cicloviária de Lajeado está numa região importante, margeando o rio Taquari. Mas não se desenvolveu para outras áreas, e as pessoas, que poderiam adotar a bicicleta como meio de transporte, acabam optando por outros meios, por não se sentirem seguras”, frisa.
Além disso, Fernanda reforça a importância de se trabalhar uma educação para o trânsito de forma compartilhada. “Temos um trânsito onde um fica apontando o erro do outro. Uma cidade inteligente também deve estimular maior empatia no trânsito, onde temos de entender nossos deveres e não só olhar para nossos direitos. A cidade só tem a ganhar com isso”.
GOVERNANÇA
Articulação entre os diferentes atores e participação da sociedade
Colocar em prática os conceitos de uma cidade inteligente exige uma intensa articulação dos diferentes agentes de transformação. A atuação conjunta de governos, sociedade civil, universidades e iniciativa privada é fundamental para o desenvolvimento deste processo.
Augusto Alves, coordenador do eixo Governança, ressalta a importância de se criar condições de participação das pessoas e estimular o bom funcionamento do Estado. “A governança diz respeito a essa questão de iniciativas e lideranças locais conseguirem exercer seu papel, de conduzir um processo, encontrar apoio. Ter um bom planejamento, uma boa gestão são fundamentais”, analisa.
Esta articulação é notada por Alves na região, com protagonismo dos diferentes atores, mesmo quando ocorre trocas de comandos e fins de ciclos em prefeituras. “Vemos uma relação bastante positiva entre governo, empresariado, universidade e sociedade. Existe muita cooperação, convergência”, opina.
Alves ainda cita o exemplo do Waze, aplicativo de trânsito voltado sobretudo para planejar ações de mobilidade urbana. “Ter a tecnologia é fundamental, mas quem vai promover ela? Quem vai trabalhar estas iniciativas? É isso que passa pela governança”.
QUALIDADE DE VIDA
Reflexão sobre o estilo de vida e mudança de hábitos
O debate sobre uma cidade inteligente também vem acompanhado sobre mudanças de hábitos na população. Afinal, todas as ações conduzem para uma melhora na qualidade de vida. Este eixo, segundo o coordenador Leonardo de Ross Rosa, chama a comunidade para uma reflexão sobre o seu papel.
“Essa questão do estilo de vida envolve mudanças individuais que impactam no coletivo. E a relação com o ambiente é a saúde relacionada ao urbanismo, também da caminhabilidade, dos deslocamentos ativos. São questões que se interligam. A pessoa é parte da engrenagem, pois não basta apenas o poder público dar condições”, sintetiza.
Rosa salienta que sua temática também tem “um pé” na mobilidade e meio ambiente, pois todos envolvem o estilo de vida e o cuidado de si. “As ruas devem ser capazes de auxiliar nisso, possibilitando a pessoa abandonar o carro e fazer seu trajeto diário a pé ou de bicicleta. Quando mudo meu estilo de vida, diminuo um possível gasto futuro em saúde. Hoje, demoramos para trocar o gasto por investimento”, lembra.
TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS
Como usar as tecnologias em favor da comunidade?
Todas as ações para criar uma cidade inteligente precisam de tecnologia. E as transformações digitais dos últimos anos auxiliam. Mas é preciso saber utilizá-las em seu favor, na saúde, na segurança, na proteção de dados, entre outras áreas.
O professor Bruno Teixeira, do eixo de transformações tecnológicas, ressalta que existem muitas possibilidades para impulsionar as cidades por meio da tecnologia. “É preciso ver como utilizá-la, como ela vai se inserir num ambiente. A pandemia acelerou muito as transformações. Algumas já estavam disponíveis a nós e eram subutilizadas”, recorda.
Porém, o dinamismo exige uma adequação constante para que as tecnologias sejam, de fato, utilizadas para facilitar a vida das pessoas. “Coisas que são realidade hoje podem se tornar obsoletas em cinco anos. No campo da tecnologia da informação, as mudanças são muito rápidas.
EDUCAÇÃO
Desafios pós-pandemia e a cidade como espaço de educação
Ter uma cidade inteligente também passa pela educação. O setor teve profundas transformações desde o ano passado, acelerado pela pandemia da covid-19. O ensino remoto, que antes atingia uma pequena parcela da população, foi adotado nas escolas de forma abrupta, e evidenciou as desigualdades educacionais no país.
Um dos debates previstos no evento abordará o futuro do ensino pós-pandemia. Mas também há discussões cuja importância crescem neste momento. Uma delas é a palestra de Ciro Pirondi, que falará da cidade como espaço de educação. Arquiteto e urbanista, ele é fundador da Escola da Cidade.
“Certamente esta será uma discussão muito relevante, na qual identificamos a importância da educação e o contexto da cidade”, comenta o professor da Univates, Leonel de Oliveira, coordenador do Crie Smart Cities.
ENTREVISTA
“Cidade inteligente descobre o valor da felicidade para seus cidadãos”
Sônia Bridi • Jornalista com quase 40 anos de experiência, atua na Rede Globo desde os anos 90 e tem vasta experiência em coberturas especiais de matérias relacionadas à sustentabilidade. Ela será a palestrante de abertura do Crie Smart Cities, na noite de segunda-feira e trará sua experiência jornalística dentro da temática.
A Hora: Você tem um longo trabalho como jornalista e correspondente especial na área do meio ambiente. Qual seu entendimento de uma cidade inteligente?
Sônia Bridi: É uma cidade que permite às pessoas serem felizes. E elas só serão felizes num lugar onde não precisam passar muito tempo no trânsito. Serão felizes em áreas mais verdes, com mais parques. Se tem mais sombra, elas vão querer caminhar mais, andar de bicicleta. E se tem mais gente circulando, mais segura fica a rua. Uma cidade inteligente descobre o valor da felicidade para seus cidadãos.
AH: Quando se fala em “cidades inteligentes”, muitos remetem à tecnologia, mas o conceito é muito amplo. Em que parte a sustentabilidade entra neste debate?
Sônia: Com a tecnologia se pode fazer uma rede de energia inteligente. E, com energia mais abundante, podemos eletrificar parte dos serviços. Mas a grande tecnologia que muda de maneira radical as cidades, há milhares de anos, é a árvore. É isso que as cidades precisam entender. E a maioria das redes de energia hoje faz com que as árvores sejam rasgadas, mutiladas. Elas pertencem às cidades, criam conforto para as pessoas. Mas, para muitos, elas competem com fios e atrapalha essa maçaroca, que geram uma poluição visual.
AH: Muitas iniciativas ocorrem em Lajeado para torná-la uma “cidade inteligente”. Como que isso deve ser feito de forma que o meio ambiente não seja afetado?
Sônia: Primeiro, é necessário conhecer o ambiente e fazer os planejamentos em cima dele. Na mobilidade urbana, por exemplo, é preciso saber onde as pessoas moram e trabalham. Se a cidade incentiva o adensamento e a população vive em apartamentos, é preciso ter mais parques, mais áreas verdes para ter contato com a natureza. Uma cidade com muitos núcleos urbanos é ineficiente em termos de sustentabilidade. É preciso levar as áreas de lazer, de convívio, para perto das pessoas.
AH: Estamos prontos para lidar com as mudanças climáticas?
Sônia: Todos estamos sujeitos a elas. Por isso, nenhuma área do conhecimento deve se dar ao luxo de ficar de fora das soluções e não levar em consideração as mudanças climáticas para fazer qualquer tipo de planejamento. É preciso ter isso muito claro. Senão, vão pagar obras que não duram e nunca irão para frente. Tanto o poder público quanto a iniciativa privada.