Lugares, objetos, festas e receitas culinárias ajudam a manter a memória coletiva de um povo. Assim como a arquitetura e edificações. Essa memória faz parte do patrimônio cultural passado de geração a geração, e celebrado no dia 17 de agosto. Este ano, a data tem como foco a educação patrimonial e coloca em evidência projetos e ações que buscam preservar a história de Lajeado e de quem viveu no município.
Entre as iniciativas que ajudam a preservar o patrimônio cultural está o inventário das edificações históricas das cidades. O inventário é utilizado como forma de proteção, já que identifica e cataloga construções de valor histórico, além de descrever detalhes arquitetônicos e a planta baixa do imóvel. Com as informações históricas coletadas, o inventário serve de apoio ao poder público para ações relacionadas à preservação e conservação desses bens.
Produzido em 1992, o primeiro inventário de Lajeado identificou 35 prédios históricos no município. O documento foi catalogado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado (Iphae). Um novo inventário foi realizado em 2011 e foi apurado que 12 das 35 edificações foram demolidas. A reportagem visitou as 24 edificações restantes do inventário de 2011 e verificou que uma das casas, situada na rua Parobé, foi demolida desde a última documentação. Outros imóveis estão em situação precária ou com estruturas em estado de ruínas. Muitas delas estão abandonadas.
Hoje, a Casa de Cultura é o único imóvel tombado pelo Iphae no Localizada na rua Oswaldo Aranha, antiga residência de Bruno Born é uma das mais antigas na cidade, datada de 1930. Lá funcionou, também, a agência do “Deustche Bank”, o Banco Alemão e é um dos patrimônios mais emblemáticos da cidade. A residência encabeça a lista de prédios históricos do inventário cultural do município. Em fevereiro de 2012, a administração municipal anunciou a intenção de comprar o imóvel e uma das ideias seria transformá-lo em um museu. A negociação não foi adiante e hoje a casa se encontra completamente deteriorada. município e um dos poucos do Vale do Taquari, ao lado dos bens móveis e integrados do Jornal O Taquaryense. A arquiteta e mestre em Patrimônio Cultural, membro do Conselho do Patrimônio de Lajeado, Fernanda Pramio Thomas, explica que o tombamento histórico é um nível acima de proteção em relação ao inventário de 92.
Em pesquisa de mestrado concluída em 2020, a arquiteta fez um levantamento de cinco casas datadas entre 1900 e 1940 na rua Borges de Medeiros. No trabalho, ela apresenta a histórica das casas, assim como a medição das fachadas e plantas baixas.
“A minha pesquisa é uma forma de começar uma atualização do inventário. O ideal seria continuarmos fazendo isso em todas as casas”, explica. Essa é uma das propostas do Conselho do Patrimônio da cidade. O material coletado fica disponível na Biblioteca Pública, acessível à comunidade.
Educação patrimonial
Outra proposta do conselho é criar uma cartilha com a história do patrimônio do município, para ser distribuída nas instituições de ensino. “A educação sobre nosso patrimônio é fundamental, vamos começar pelas crianças, mas queremos atingir todas as idades”, completa.
De acordo com o secretário de Cultura Carlos Reckziegel, o município busca incentivar a comunidade a preservar os prédios históricos. “Mais pra frente queremos pensar em uma lei, algum incentivo para quem tem esses imóveis, como isenção do IPTU e outras alternativas para que esses patrimônios sejam preservados”, destaca o secretário.
Além disso, foi feito um novo levantamento, ainda não oficial, sobre os prédios com características para se tornarem patrimônios históricos no município. A ideia é que os espaços sejam ocupados pelos serviços públicos, como a própria Secretaria de Cultura e o Arquivo Histórico Municipal.
“Não descartamos colocar o Museu Bruno Born em algum desses imóveis também”, ressalta Reckziegel. Muitos dos prédios identificados pelo levantamento estão abandonados e outros são de propriedade privada. Por isso, serão necessárias negociações para o projeto ir adiante. O secretário destaca outra iniciativa em execução, com a aquisição de fotos antigas e a gravação de relatos da comunidade. A ideia é fazer uma exposição nos próximos meses para os 130 anos de Lajeado.
Patrimônio Vivo
Para incentivar a preservação dos imóveis históricos, o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Univates Jauri dos Santos Sá destaca o projeto Patrimônio Vivo, que coordena. Ele explica que a iniciativa surgiu em 2018 e já atuou em Forquetinha, Lajeado, Cruzeiro do Sul, Santa Clara do Sul e Bom Retiro do Sul.
“O projeto de extensão está vinculado ao curso de arquitetura e urbanismo e tem como objetivo exercer um papel multiplicador da sociedade frente a questão de preservação, salvaguarda, reconhecimento do legado histórico, com ênfase nas manifestações arquitetônicas e também na valorização das tradições das comunidades do Vale do Taquari”, ressalta.
Para isso, vincula alunos, professores e comunidades com ações, em especial, a grupos de idosos. “A gente explica e traz imagens de patrimônios que são reconhecidos, e nessas rodas de conversas perguntamos o que eles consideram o patrimônio local e o que acham que deve ser preservado”, destaca o acadêmico.
De acordo com ele, a ideia é preservar o sentimento de pertencimento na comunidade para que reconheçam os valores das edificações e preservem esses bens.
Com a pandemia, o foco do projeto mudou. Assim, a partir do levantamento das rodas de conversa em Santa Clara do Sul, foram identificadas edificações em enxaimel para a produção de uma cartilha com desenhos e croquis elaborados por voluntários. Essa cartilha foi entregue ao município para ser utilizada nas escolas do ensino fundamental como uma das práticas de educação patrimonial. “A ideia é que as crianças comecem a entender que aquela edificação onde mora o avô, tio, padrinho, que é uma casa de 150 anos, são tesouros que devem ser preservados”, ressalta.
Cercada de casas centenárias, Forquetinha foi escolhida como primeiro município a ter os patrimônios históricos mapeados.
100 anos na família
Entre eles, está uma casa que pertence à família do vereador e estudante Direito na Univates, Lucas André Grahl da Silva, 21, há quase 100 anos, quando o bisavô Fredolino Schneider foi adotado pelo casal Jacob Winter Filho e Clementina Hengen Winter. “Foi ali que meu bisavô conheceu a minha bisavó Wilma Elsa Drechsler, que era empregada doméstica na casa da família. No ano de 1949 se casam e constituem família”, conta Lucas.
O imóvel em estilo enxaimel encontrava-se desabilitado desde 2012, depois que a última inquilina morreu. Ao lado da avó, Lucas cuidava da casa e se preocupava em abrir as janelas, varrer ou tirar os galhos de árvores próximas, para manter a estrutura em boas condições.
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Casa da família de Lucas, construída há mais de 130 anos, estava desabitada desde 2012 e passou por ampla reforma
Lucas decidiu, então, restaurar o espaço. “A intenção foi recuperar a casa e manter a tradição cultural e patrimonial deixadas por nossos ancestrais”, destaca. A partir dali passou a receber visitantes de diferentes lugares para mostrar o imóvel e contar a história dos objetos e do lugar.
“A casa é construída na técnica do enxaimel, ou seja, madeira encaixada sem nenhum prego. Ela possui cerca de 130 anos de construção, somados aos anos da madeira, chegamos a 150 ou 160 anos”, ressalta Lucas.
Ele também acredita que a restauração serve como exemplo para que mais famílias façam o mesmo e preservem esse tipo de construção. “Isso é patrimônio para nós e temos que preservar as casas que ainda temos”, diz.