Vale do Taquari
“Eu estava em uma palestra e fui convidado para trabalhar como auxiliar no desenvolvimento de softwares”. Assim começou a trajetória profissional de Pedro Augusto Gerhardt. Com 16 anos, passa por treinamento em uma empresa de tecnologia de Lajeado.
A oportunidade apareceu como que por acaso. Agora faz parte de uma equipe em expansão. A conversa, quase entrevista de emprego, foi com o CEO da organização, Douglas Scheibler. “Ele me perguntou do que eu gostava. E eu disse que estava fazendo programação.”
O interesse em aprender sobre uma área foi determinante para a escolha, diz o diretor. “Temos falta de profissionais na área da Tecnologia da Informação (TI)”, ressalta. Como estratégia para manter a operação, a empresa decidiu apostar em jovens talentos. “Vamos treinar esse profissional. Se trata de uma geração já inserida no meio digital. Cada empresa hoje, que busca um modelo de inovação, virou uma escola”, frisa Scheibel e complementa: “para se ter uma ideia, nós estamos com 38 vagas em aberto. Para diversos níveis e campos de atuação.”
Dados do relatório da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) corroboram essa carência. Na área de TI, o país precisa formar pelo menos 420 mil profissionais até 2024. Hoje a média anual é de 46 mil novos profissionais. Pela projeção da entidade, seriam necessários ultrapassar 70 mil trabalhadores aptos por ano para suprimir essa demanda.
Caminho sem volta
Até o bug do milênio, no ano 2000, as mudanças nos processos das empresas eram motivadas pelas novidades criadas dentro das indústrias e que se disseminavam por outros segmentos. As linhas de produção, dos anos 60, os programas de qualidade e o nascimento das operações pelos softwares. Movimentos norteavam o mundo dos negócios e ditavam o ritmo das adaptações no mercado.
Com a imersão tecnológica e o acesso às informações na palma da mão, essa balança pendeu para o outro lado. O consumidor passou a ser o principal elemento de pressão por mudanças dentro das organizações. É ele que exige respostas mais rápidas para o atendimento das necessidades.
As percepções da existência deste vácuo profissional na área de tecnologia se acentuam a partir do aumento na procura por esses serviços, em especial na pandemia. De fato, a revolução digital muda a relação de consumo. Por consequência, também interfere nas necessidades e oportunidades do mercado de trabalho. Ter processos e relacionamento no meio digital passa a ser uma exigência no mundo dos negócios.
“A pandemia acelerou esses movimentos. As empresas tradicionais passaram a olhar para o modelo de negócio e a TI apareceu como a ‘salvadora da pátria’”, argumenta Douglas Scheibel. A consequência disso recaiu sobre as organizações. Com mais volume de trabalho, surgiu um vácuo na formação técnica e superior no campo tecnológico.
“Estamos vivendo um ciclo de alta demanda, o que evidenciou ainda mais a escassez de bons profissionais”, afirma o diretor de outra empresa de desenvolvimento de softwares de Lajeado, Douglas Lutz.
Quando as necessidades é por mão de obra com alta qualificação, as empresas se tornam ainda mais competidoras entre si. Por vezes, a estratégia é tirar algum quadro de outra equipe. “Nos paramos de procurar profissionais ‘prontos’. Se trata de uma mão de obra inflacionada e não conseguimos repassar este custo todo para o cliente”, frisa Lutz.
De acordo com ele, a falta desse profissional atinge em pelo menos duas formas diretas: 1) tranca parte do crescimento. “Temos projetos com prazos mais longos do que o normal, o que eleva o tempo do ciclo venda/execução/entrega”. 2) Força uma reinvenção nos processos. “Em médio e longo tempo é saudável para quem souber aproveitar”, contextualiza Lutz.
Contato permanente e parcerias
Gerente de uma empresa de suporte e soluções tecnológicas de Lajeado, Gelson Spall, traça o panorama regional em TI. “Aquele preparado, com formação e conhecimento, já está empregado. Ter essa mão de obra exige um custo maior.”
Dentro da organização em que ele atua, a estratégia encontrada foi de manter um diálogo com as escolas técnicas e universidades. Na base, nos primeiros meses ou semestres de estudo, estão os futuros profissionais. “Temos que prepará-los. Então há uma forma de aliar teoria e prática por meio do trabalho”, sustenta.
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Ambientes criativos, para construção de projetos disruptivos, fazem parte do modelo das empresas de tecnologia. Foto: Filipe Faleiro
De acordo com Spall, o treinamento é constante, indiferente do segmento. “Empresa de tecnologia não é só desenvolver sites ou dar suporte de informática. Também tem comercial e administrativo. Todos precisam estar alinhados ao conceito de tecnologia e inovação.”
A falta desses profissionais precisa ser vista nos processos, frisa Spall. “Quando não se tem quem fazer, temos um retrocesso, um desserviço”, frisa e complementa: “onde só há um, na verdade não se tem nenhum. Quando temos treinamento nos primeiros níveis, sempre temos no mínimo duas pessoas.”
Entrevista
- Mouriac Diemer – Professor da Univates
“A revolução de agora é mais rápida e ocorre no mundo ao mesmo tempo”
Coordenador dos cursos de Engenharia de Software, de Engenharia da Computação, Sistemas de Informação e Redes de Computadores realça o momento de oportunidade para profissionais de TI. Na análise de Mouriac Diemer, essa imersão tecnológica cria necessidades de soluções digitais para todas as empresas.
A Hora – Como se consolidou esse movimento de imersão digital?
Mouriac Diemer – O mundo passa por uma revolução tecnológica. Isso muda a forma como serviços e produtos são consumidos. Faz com que os padrões históricos de referência econômicos e sociais também mudem. Grandes “players” da tecnologia, as empresas chamadas de Big Techs como, Amazon, Google, Apple, Microsoft, Alibaba, Facebook, são responsáveis em boa medida por nos apresentar isso. Elas são, em essência, fruto da evolução da capacidade de processamento dos computadores e da internet.
– O processo de transformação a partir da tecnologia mostra que se trata de um movimento sem volta. Como isso impacta na sociedade?
Diemer – A pandemia acelerou o processo de digitalização, impulsionando o crescimento das transações comerciais por meio da internet, do ensino mediado pela tecnologia, dos serviços bancários. Mesmo aqueles serviços mais resistentes à mudança, onde a concorrência inexiste ou é muito pequena, como serviços de Cartórios, Tabelionatos, passaram por digitalização. O governo também mudaram a forma de se relacionar com os cidadãos. Agora temos CNH Digital e Renavam Digital, temos pagamentos via Pix (que é um serviço do Banco Central).
Essa é a revolução digital. Com impactos nas relações de trabalho e consumo semelhantes a que ocorreu na 3ª Revolução Industrial. A revolução de agora é mais rápida e ocorre no mundo ao mesmo tempo.
– Como esse ambiente acelerado de transformação e alta demanda repercute sobre o profissional de TI?
Diemer – Ele é o protagonista e beneficiado, pois atua no centro do processo. Para que todas essas transformações ocorram, é preciso de programadores, analistas de sistemas, engenheiros, enfim. Profissionais de toda a cadeia tecnológica. Desde os responsáveis por implementar a infraestrutura que dá suporte aos novos produtos, quanto para quem produz as soluções desses novos serviços.
O mundo passa por um apagão de mão de obra na área de TI. Se trata de uma demanda para que as empresas possam por em prática os projetos de digitalização. Na nossa região é muito parecido, há grande procura de formados em computação, software, informática e em análise de sistemas.