“É mais difícil ser pai do que ser padre”

ABRE ASPAS

“É mais difícil ser pai do que ser padre”

Prestes a completar 85 anos, o padre Orlando Pretto está na cidade natal, Travesseiro, para se recuperar de um AVC. Homem de muitos talentos, o sacerdote que atuou por 25 anos em Santa Cruz já foi repórter e jogador de futebol

“É mais difícil ser pai do que ser padre”
Vale do Taquari

Como é ser padre e abrir mão de ter uma família?

Se eu digo para os meus colegas que hoje é mais difícil ser pai do que ser padre, eles ficam brabos comigo. Mas se enxergarmos o mundo como ele é hoje, você vai ver que um desafio imenso para o ser humano são as relações humanas. O ser humano não pode viver sem as relações. O padre tem uma relação humana genérica na paróquia. Claro que tem pessoas mais amigas, mais próximas, mas ele não tem a esposa, a família. É uma relação profunda, a raiz de tudo. Ao passo de que quem é casado não. Ele tem que administrar a relação com a esposa, a relação com os filhos, e isso é um desafio imenso hoje. No meu tempo de guri, o pai falava e era isso. Hoje, já não é mais assim. Tem que argumentar.

Como iniciou a sua relação com a Igreja Católica?

Meu pai e minha mãe foram pessoas muito religiosas. O pároco de Travesseiro, meus pais eram padrinhos. É um costume. A capela era filial da paróquia de Arroio do Meio. Então, o pároco de Arroio do Meio, Monsenhor Seger, escolheu meu pai e minha mãe para serem uns dos padrinhos do primeiro pároco. Então, ele vinha muito aqui em casa. Eu tinha muita relação com seminaristas.

Qual dessas viagens foi a mais marcante?

Eu tenho irmão que também é padre, chamado Frei Antônio. Ele fez o doutorado em direito canônico em Roma. Meu pai queria muito visitar esse filho em Roma e depois conhecer a Terra Santa. Aí meu pai fez um check up médico e o doutor disse que ele não poderia viajar sozinho. Aí o pai pediu que eu fosse. Um padre que estava no Rio de Janeiro, voltou por Santa Cruz, por coincidência e por isso o bispo me liberou por três meses. Em Santa Cruz, eu tinha muito contato com a mídia. Como sabiam que eu tinha feito um curso de verão em Jornalismo, eles encaminharam uma carteira de repórter para mim viajar. Estava estourando a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e o mundo árabe, e eu comecei a preparar matérias sobre esse tema.

De onde veio o chamado para ser padre?

Minha vocação começou quando eu tinha seis aninhos. Faleceu a filha o diretor técnico do moinho Pedro Pretto. Naquela época, ninguém sabia o que houve, depois se soube que a pequena tinha leucemia. Ela tinha nove anos e foi sepultada em um sábado. Domingo de manhã, às 11 horas, tudo isso eu lembro, passou por mim o Pedro Frozer, pai da menina. Ele tinha dois metros e dois de altura! Ele entrou, a loja fechada, entrou na casa para pegar um dinheiro antecipado para pagar o velório. De certo por respeito, ele não contou o dinheiro na frente do pai. Eu estava ali brincando e olho um vulto enorme, eram onze degraus na época, e lágrimas caiam em cima das notas, enquanto ele contava o dinheiro. Aquilo me chocou, não conseguia dizer nada. O que pensei foi: ‘meu pai deu dinheiro para o seu Frozer e ele não parou de chorar. Será que se eu virasse padre eu não ia fazer o seu Frozer parar de chorar?’. Essa é a minha ideia de padre e desde ali nunca mais arredei pé.

Dizem que o senhor foi jogador de futebol e já jogou pelo Avenida. É verdade?

Sim, mas veja, de que maneira eu joguei pelo Avenida. Como padre eu não podia ser profissional. Eu treinava todas as terças-feiras com o Avenida. A não ser que tivesse um enterro, ou coisa assim. Na época o técnico era o Daltro Menezes, espírita declarado, mas muito meu amigo, não se pode misturar as coisas. Uma vez ele quis me por para jogar, estava tudo certo, mas meu pai teve um problema de saúde e eu vim para Travesseiro. Quando cheguei o jogo estava no fim, não quis entrar sem aquecer. Já pensou em padre não rezar missa por ter se machucado no futebol?

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