“O barbeiro é quase um psicólogo”

Abre aspas

“O barbeiro é quase um psicólogo”

Com 40 anos de trabalho, Elton Inácio Sturmer, 61, deixou a agricultura para cortar cabelo. Era a oportunidade de ter autonomia e o próprio sustento, sem depender dos pais. Natural de Lajeado, do bairro Conventos, acompanhou a evolução urbana da cidade. Ao longo deste tempo, criou proximidade com clientes. Alguns estão com ele desde o início do salão e, inclusive,se tornaram amigos

“O barbeiro é quase um psicólogo”
(Foto: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

Como era Lajeado quando começou a cortar cabelo? 
Era bem diferente. Tinha bastante comércio, mas não era esse movimento de hoje. A maior parte era de moradores daqui e de algumas cidades vizinhas. Carros eram poucos. Era uma cidade de interior mesmo.
Quando resolvi sair da propriedade, deixar a agricultura, procurei uma imobiliária e o corretor me disse: “é mais fácil ganhar na loteria do que conseguir um salão”. Nunca vou esquecer. Naquela época não se tinha tantos imóveis. Os edifícios que vemos hoje eram poucos. Mudou muito. A cidade cresceu.

A cidade cresceu, em especial a partir dos anos 90. Para você, o que mais mudou?
As indústrias atraíram muitas pessoas de outras cidades. Aumentou muito o movimento e o público também mudou. Isso fez com que se tenha uma rotação maior de público. Tenho clientes que sempre cortam o cabelo comigo e outros que estão de passagem. Para mim, o que mais mudou foi o trânsito e as pessoas. Lajeado hoje atrai muitos trabalhadores.

O barbeiro é um personagem em qualquer cidade. Ainda mais quando se trata de alguém que está faz 40 anos em contato com as pessoas. Como é essa relação entre o barbeiro e o cliente? Eles se tornam amigos?
O barbeiro é quase um psicólogo (risos). As pessoas falam comigo, sobre suas preocupações, os problemas. Tive até casos de alguns que me pedem conselhos. Teve cliente que saiu daqui me agradecendo por ter ouvido.
Eu procuro tratar todos bem, com simplicidade e respeito. Gosto de conversar. Tem alguns que vem aqui só para bater papo, para contar piadas. Imagina só, são 40 anos. Mais de 30 só neste ponto. Eu converso com todos, se é agricultor, médico ou advogado.
Sobre amizade, fiz muitos. É incontável. Uma das coisas que me dá satisfação é quando me reconhecem. Já aconteceu de eu estar de férias, na praia, e um cliente me chamar: “o barbeiro, o que está fazendo aqui.” Imagina só. Os clientes vêm, conversam. Falam quando eu fiz um corte. Ter a lembrança das pessoas é um orgulho.

A pandemia interferiu na vida de todos. Inclusive teve de fechar o salão, nos períodos de mais restrições. Depois abriu com restrições. Como foi para você?
Quando comecei, sabia que os negócios têm altos e baixos. Me preparei para isso. Tive perdas, sim. A receita foi a zero. Mas consegui manter o salão. As coisas ainda não voltaram ao normal, mas já melhorou.
O pior de tudo foi a distância. Eu abria o salão e as pessoas não vinham. Pensava nos clientes, aqueles de mais tempo. Se estavam bem. Ficar sem receber notícias das pessoas. Tive clientes de longa data que morreram de covid. Isso me assustou.
Alguns destes estão voltando. Outros não cortam mais o cabelo. Teve um, que vem aqui faz uns 30 anos, que ficou 15 meses sem cortar o cabelo (risos). Quando ele entrou, pedi para fazer uma foto de como estava e como ficou depois do corte.

O que significa ser barbeiro para você?
Pra mim foi uma oportunidade de melhorar de vida. Eu trabalhava na agricultura. Naquela época era bem difícil. Como não tinha condições de fazer uma faculdade, de ficar quatro anos estudando, optei por fazer um curso de barbeiro. Eram seis meses e me garantia uma renda em curto prazo. Foi por esse trabalho que conquistei tudo o que tenho. Esse trabalho me deu condições de criar meus três filhos. Fiquei muito feliz quando o mais novo optou por seguir o meu trabalho.

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