Sem cabelo, com muita autoestima

Caderno VocÊ

Sem cabelo, com muita autoestima

Com a perda de um dos maiores símbolos femininos, mulheres contam como ressignificar a queda de cabelo por problemas de saúde e recuperar a autoestima durante e após os tratamentos

Sem cabelo, com muita autoestima
(Foto: Bibiana Faleiro)
Estado

Era semana de Ano-novo quando Sandra Mezacasa, 47, passou pela primeira quimioterapia em Lajeado. Diagnosticada com tumor raro no fígado, iniciou o tratamento assim que recebeu a notícia do câncer, no fim do ano passado.

Os cabelos, antes longos, foram encurtados. Ela já se preparava para os efeitos dos medicamentos. Mas mesmo com as instruções dos enfermeiros e do guia sobre a doença, não foi fácil quando viu os primeiros fios de cabelo no chão no banheiro.
“Eu estava ciente de que isso ia acontecer, mas quando vi eles caindo foi um choque”, conta Sandra.

Enquanto tiver sol eu não me deito na cama. Faço um chá e tento levar pra frente

Algumas semanas depois, quando a amiga Marilene Mantelle, a Mari, 58, foi visitá-la, Sandra pediu que ela raspasse sua cabeça.
“Ela queria raspar e ninguém tinha coragem de fazer. Eu estava tranquila, ia raspar a minha também se fosse preciso para ela se sentir melhor”, conta Mari.

(Foto: Bibiana Faleiro)

Naquele dia, Sandra demorou para se olhar no espelho. “Aquilo me abalou muito. Eu tentei ficar forte, mas é um momento difícil. Meu filho de 11 anos também demorou a me olhar, porque ele me associava aos amigos que perdemos para a doença”, relata.

O uso de lenços e perucas foram opções encontradas por ela na busca pela auto aceitação. A primeira prótese capilar, Sandra ganhou da Liga Feminina de Combate ao Câncer de Lajeado, ainda no fim do ano passado. Desde então gosta de variar. Tem dias em que também deixa a cabeça “respirar” e é quando os pequenos fios de cabelo em crescimento aparecem.

O uso dos adereços mantém Sandra positiva, o que também auxilia no tratamento da doença. Tem dias melhores do que outros, mas nem mesmo as dores da quimioterapia impedem que ela prepare o almoço e o chimarrão.

“Enquanto tiver sol eu não me deito na cama. Faço um chá e tento levar pra frente”, destaca. Quando sai de casa, ela também gosta de se maquiar com o lápis de olho ou batom, veste a peruca ou um turbante e diz querer ficar bem para ajudar outros pacientes oncológicos no futuro. Depois de 14 sessões de quimioterapia, ela aguarda, agora, os próximos exames.

“Vamos nos redescobrindo nesse processo”

A professora e empreendedora Raquel da Silva, 38, se preparava para a formatura quando se deu conta de que a falta de cabelo no topo da cabeça podia ser algo sério. Mas, com 18 anos à época, e no fim do curso de magistério, achou que fosse uma consequência da ansiedade. Alguns médicos diziam ser uma reação normal, e só três anos mais tarde ela procurou um especialista.

Foi nessa época que iniciou os tratamentos. O diagnóstico veio aos 23 anos. Raquel sofria de alopecia, uma doença autoimune, em que o sistema imunológico tenta destruir o bulbo capilar. Com diversos tipos da doença, ela não tinha certeza quanto ao diagnóstico. Até que anos mais tarde descobriu se tratar de uma alopecia genética, e encontrou outros casos na família.

Mesmo com o tratamento, o cabelo continuava a cair e os efeitos colaterais eram muitos. “Cada vez o meu cabelo caía mais, eu ganhava peso, tinha dor no peito, era quase um reposição hormonal que eu estava fazendo”, conta. Depois de anos na rotina, ela decidiu parar com as medicações.

“Em 2012 comecei a usar prótese capilar. Fiquei mais uns seis anos perdendo cabelo até não conseguir mais disfarçar e mais tarde resolvi raspar a cabeça”, lembra. Faz quase dez anos que ela aceitou a situação e resolveu lidar com a doença de uma forma mais leve.

No dia do seu casamento, Raquel conseguiu fazer o penteado que sonhava, mesmo usando prótese capilar (Foto: Arquivo pessoal)

“No começo é como perder a identidade, ainda mais pra mulher que tem o cabelo como parte da feminilidade. Tu te olha no espelho e te vê como uma pessoa diferente”, afirma Raquel.

O processo foi lento, mas ela encontrou nas redes sociais um refúgio e hoje fala abertamente sobre alopecia, com a esperança de ajudar outras mulheres em situação semelhante.

“Mostrar minha careca é algo libertador. No início eu pensava em deixar tudo assim, porque com a prótese ninguém notava. Mas quando fiz o processo de raspar a cabeça, usar os acessórios e ter essa retomada da minha feminilidade, percebi que eu era muito mais do que o meu cabelo”, destaca.

Com a descoberta de outras belezas no próprio corpo, ela passou a se sentir bem. “A vida não é perfeita, mas a gente tem que aceitar ela como ela é, e vamos nos redescobrindo nesse processo”, ressalta.

Banco de perucas de Vespasiano Corrêa atende pessoas de toda a região (Foto: Divulgação)

Um banco de perucas no Vale

No fim de junho, a Secretaria de Educação, Cultura, Desporto e Turismo de Vespasiano Corrêa inaugurou o Banco de Perucas “Nova Esperança”, que atende pessoas de toda a região.

O espaço conta com 50 próteses doadas pela Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan) de Bento Gonçalves, além de toucas, lenços ou turbantes feitos por voluntárias do projeto “Mãos que curam”.

“A nossa ideia é receber bem essas mulheres que chegam às vezes um pouco fragilizadas, com vergonha. Queremos dar amor e o que mais elas precisarem”, ressalta a secretária Marina Brustolin.

Pacientes oncológicos ou não, quem tiver interesse pelos acessórios ou perucas pode agendar um horário para visitar o banco junto ao Centro de Referência e Assistência Social (Cras) do município.

Doações de cabelos também podem ser feitas no lugar. O comprimento mínimo para a doação é de 20 cm. Interessados podem entrar em contato com a secretaria pelo (51) 3755-8198 ou (51) 51 9549-1587.

A Liga Feminina de Combate ao Câncer de Lajeado também recebe a doação de cabelos, na Casa Rosa, ou no Hospital Bruno Born (HBB).

Entrevista

“Elas se veem vulneráveis sem o cabelo”

Profissionais do Centro Regional de Oncologia (Cron) falam sobre o impacto da queda de cabelo no emocional das mulheres, tanto em pacientes oncológicos quanto de outros problemas capilares.

Quais são as reações mais comuns da perda de cabelo para as mulheres?

Pode ter um impacto diferente para cada mulher. Mas, sem dúvida, representa um momento delicado, gerando uma sensação de intenso estranhamento. Observo como sentimentos mais comuns, a angústia e a vulnerabilidade.

Por que a questão do cabelo é tão importante, especialmente para mulheres? E como lidar com a situação junto ao tratamento de uma doença?

Ele representa mais do que uma parte do corpo, sendo um símbolo da feminilidade. Assim, elas se veem vulneráveis sem o cabelo, que até então foi referência de autoestima para a maioria. A mudança assusta, pelo menos até conseguirmos perceber os recursos à nossa volta e utilizarmos a nosso favor.

Existe algo que possa ser feito para diminuir os impactos dessa queda no emocional das mulheres?

Na oncologia, hoje, existem recursos inclusive que oferecem possibilidade de minimizar a queda do cabelo, como a touca de resfriamento do couro cabeludo, para pacientes que passam por sessões de quimioterapia. Recentemente, inclusive, é um recurso disponível no Cron. A touca diminui a circulação sanguínea, fazendo com que menos quimioterapia passe no local, diminuindo a queda de cabelo. Para algumas pessoas, essa queda chega a ser mais impactante do que o próprio diagnóstico de câncer, e é para essas pessoas que podemos fazer a diferença e tornar essa fase da vida um pouco mais leve.

Como é possível ressignificar esse momento?

Uma boa rede de apoio é muito importante. Acima de tudo, é importante que cada mulher consiga, olhando para si, reconhecer aspectos que possam tornar a experiência menos difícil. Cortar, quando começa a sentir a queda do cabelo pode ser uma boa alternativa. Outra possibilidade é a utilização de acessórios que possam fazê-la sentir-se bonita. Se necessário, buscar ajuda.

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