“O que mais me doeu foi quando a água baixou e eu voltei.” As palavras de Clarice Pereira Lopes, 52, de Lajeado, resumem o sentimento de milhares de famílias atingidas pela enchente do dia 8 de julho de 2020.
Um ano após a enchente, as defesas civis e os agentes públicos buscam melhorar a prevenção, para que seja possível haver mais condições de prever o tamanho das inundações. “Sabemos que teremos enchentes. O que precisamos é reduzir os impactos”, avalia o secretário de Segurança Pública de Lajeado e ex-integrante da Defesa Civil estadual, Paulo Locatelli.
Em menos de 12 horas, choveu mais de 160 milímetros, com alta concentração sobre a bacia hidrográfica Taquari/Antas. “Foi triste. Perdi muita coisa”, relembra Clarice. Moradora do centro antigo de Lajeado, conta que a casa da família ficou destruída. Para reconstruir, precisou de doações para a reconstrução.
A enxurrada daquele dia foi a segunda em uma semana. No dia 1º de julho passado, o RS foi atingido por um ciclone bomba. A conjunção de duas anomalias climáticas elevou o nível do Rio Taquari. Inclusive há dúvidas sobre a tabulação do nível máximo que atingiu o rio. De forma oficial, passou dos 27 metros no Porto de Estrela.
No pós 8 de julho de 2020, a cobrança sobre os poderes públicos foi incisiva. Os prejuízos econômicos alcançaram R$ 500 milhões, mais expressivos nas cidades cortadas pelo Rio Taquari. Mais de mil famílias precisaram ser retiradas de casa. Os municípios mais atingidos foram de Muçum, Encantado, Arroio do Meio, Lajeado e Estrela.
Entrevista
Franco Turco Buffon • Gerente de Hidrologia e Gestão Territorial
• Especialista do Serviço Hidrológico do Brasil (CPRM) avalia os motivos para que a enchente do ano passado tenha sido tão devastadora. Junto com isso, ressalta o que foi feito desde então e como é possível reduzir os prejuízos em novas inundações.
“A enchente foi atípica devido ao ciclone bomba, mas mostrou quesitos que precisam evoluir”
• O que a enchente de 2020 mostrou sobre a necessidade de previsibilidade, prevenção, alertas e socorro à comunidade?
Sistemas de monitoramento e alertas servem para que a população da área atingida possa se precaver com antecedência. Para isso, é importante que todo o processo, do recebimento dos dados dos rios e das chuvas até a chegada das informações às comunidades, estejam esteja bem alinhados.
A enchente de 2020 foi atípica devido ao ciclone bomba, mas mostrou quesitos que precisam evoluir. Em especial sobre o sistema de alerta e de monitoramento hidrológico. Identificamos a necessidade de modernizar e reestruturar algumas estações hidrometeorológicas operadas pela CPRM. Junto com isso, avançar em estudos que nos permitam aperfeiçoar a simulação do comportamento dos rios.
• O que avançou do ano passado até agora?
No sistema de alerta e monitoramento houve aperfeiçoamento dos modelos que permitam simular e antecipar o comportamento do Rio Taquari.
Além disso, também houve a substituição e modernização de equipamentos da estação Estrela, bem como manutenções preventivas nas estações operadas pela CPRM.
Ainda, houve o mapeamento de áreas de baixo, médio e alto risco em Lajeado. Mas o avanço que considero mais importante é a aproximação da CPRM com as defesas civis do Vale do Taquari. Essa parceria é importante promover uma melhor integração e entre todos, que deverá refletir também na qualidade da prestação desse serviço.
• É possível mitigar os prejuízos? O que precisa ser feito para tanto?
Há diversas formas de se minimizar os impactos das enchentes, algumas delas podem ser medidas estruturais que envolvem a construção de grandes obras de engenharias, como diques, barragens ou canais. Obras que exigem grandes investimentos.
Outras formas podem ser medidas não-estruturais que envolvem a gestão do território, com o mapeamento de áreas suscetíveis e sistemas de monitoramento e alertas.
Hoje existe o Sistema de Alerta Hidrológico da Bacia do Rio Taquari (SAH Rio Taquari) que reúne os dados das estações automáticas disponíveis na bacia e que processa e encaminha essa informação em avisos para os agentes envolvidos durante os eventos críticos. O SAH Rio Taquari já se encontra em operação, mas entendemos que ainda pode evoluir bastante.