UTI pediátrica fecha e Vale teme precarização

Fim de um ciclo

UTI pediátrica fecha e Vale teme precarização

A Unidade de Terapia Intensiva para crianças dos 29 dias até 13 anos do HBB encerra as atividades. Sem referência para o Vale, o atendimento dos pacientes dependerá da central de regulação do Estado. Hospital mais próximo fica em Santa Cruz do Sul. Instituição de lá também avalia extinguir UTI pediátrica. Coordenadoria de Saúde admite não ter perspectiva para solucionar impasse

UTI pediátrica fecha e Vale teme precarização
UTI pediátrica de Lajeado é a única no Vale do Taquari
Vale do Taquari

Depois de três décadas de atendimento, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Hospital Bruno Born (HBB) fecha a partir de hoje. A unidade atendia no mesmo espaço da UTI Neonatal. Esse fator e a falta de funcionários especializados na área motivaram o fechamento dos quatro leitos pediátricos do Vale do Taquari. Sem o serviço em Lajeado, a região busca alternativas. Entre elas, os hospitais Santa Cruz e São Sebastião Mártir, em Venâncio Aires.

“O surgimento da UTI pediátrica no passado era diferente. Na época, o tipo de atendimento que se prestava era um, e englobava as funções dos dois profissionais. Mas com o passar dos anos, a unidade neonatal se especializou. Em 2010 recebemos a informação de que essas UTIs não poderiam ser compartilhadas”, explica o diretor técnico do HBB, Fernando Bertoglio.

Desde então, as unidades atendem de forma “irregular” de acordo com o Ministério da Saúde. Houve uma tentativa recente para criar uma UTI pediátrica em outro local dentro da entidade, mas sem evolução.
O diretor ainda ressalta que montar uma nova UTI pediátrica exige grande investimento para manter a estrutura e profissionais qualificados na área.

“Isso significa um aporte econômico considerável. Numa situação dessas é preciso a mão do Estado. Se fosse um hospital privado ou público seria diferente, mas somos um hospital filantrópico”, ressalta Bertoglio.
Depois de diversas reuniões entre a coordenação do HBB, a administração não encontrou alternativas e essa seria uma forma de priorizar o atendimento da ala neonatal.

“A situação começou a se agravar. Chegamos ao ponto de termos um nenê nascido prematuro sem plantonistas. Quase fechamos a unidade neonatal também por falta de profissionais”, ressalta. No fim do ano passado, a entidade avisou a 16ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) sobre a situação e o fechamento.

O médico Sérgio Kniphoff foi um dos primeiros pediatras a atender no espaço, e esteve presente na fundação da UTI. “É lamentável, foi uma luta de muito tempo, vemos com tristeza o fechamento de um serviço tão relevante. É uma perda inestimável”, lamenta.

Kniphoff afirma que é inviável para o hospital manter duas UTIs, sendo a pediátrica com quatro leitos e 40% de ocupação média. “É um retrocesso, mas entendo o hospital”.

Sem UTIs de referência para crianças dos 29 dias até 13 anos, os pacientes do Vale dependerão da central de regulação do Estado. Isso significa que os pacientes podem ser encaminhados para qualquer hospital gaúcho que tenha alguma vaga pediátrica.

Sem alternativas

Segundo o secretário de Saúde de Lajeado, Cláudio Klein, a definição da separação das UTIs foi sustentada por um estudo americano sobre riscos de recém-nascidos serem facilmente infectados pelas crianças tratadas na unidade pediátrica.

“Entretanto não se avaliou questões locais, hospitais e cidades de pequeno e médio portes, número de profissionais capazes de atender agora duas UTIs, ou seja, tudo deveria dobrar”, ressalta o secretário.

Na época, uma reunião entre o então deputado federal Ênio Bacci e o secretário estadual de Saúde da época, Ciro Simoni, definiu como prioridade a manutenção dos leitos da UTI do HBB. A emenda parlamentar de Bacci destinada à construção do Centro de Cardiologia, poderia ser usada para construir a nova UTI pediátrica. Mas o recurso previsto não foi liberado e o projeto foi arquivado.

“Até o momento, Lajeado manteve a coexistência das duas UTIs, sendo agora orientada pelo Estado para o fechamento de uma delas. Pela presença de uma maternidade de alta demanda, com partos de risco, a UTI neonatal é essencial”, ressalta Klein.

Desde 2010, Lajeado, HBB e outros hospitais da região, ao lado da 16ª CRS, alertam o Estado sobre o problema enfrentado pelos municípios, mas não encontraram soluções. Em 2019, o governo municipal também levou a situação à Secretaria Estadual. “Solicitamos que definissem uma referência para o atendimento deste grupo etário na região. Isto ainda não foi feito”.

Há dez anos, mesma situação

Quando foi divulgada a nova legislação, a UTI pediátrica de Estrela fechou, e o HBB se encaminhava para o mesmo. Na época, o menino Lázaro José Dresch Kamphorst era atendido pelo hospital.

Ele nasceu em 2009 e, com um mês e cinco dias, foi internado da UTI pediátrica onde ficou até os quatro anos, quando teve uma parada cardíaca e faleceu. Segundo a mãe, Camila Letícia Dresch, Lázaro sofria de uma doença neurodegenerativa não diagnosticada e precisava do atendimento constante da unidade. Por isso, com a menção do fechamento, ela se juntou a um movimento e um abaixo-assinado que coletou 20 mil assinaturas, para manter o espaço aberto.

“Também fizemos uma ação no Parque dos Dick aos fins de semana, colocamos uma tenda com a frase: UTI é vida, não tire a nossa”, conta. A comunidade se engajou na causa e a UTI permaneceu em funcionamento.

Em Santa Cruz, UTI também deve fechar

Sem leitos no HBB, os pacientes serão transferidos para outras casas de saúde. O mais próximo é o Hospital Santa Cruz. Mas, com apenas dois leitos, a UTI pediátrica também deve ser fechada . O motivo é semelhante ao do HBB, já que a unidade também é compartilhada com a UTI neonatal.

Como o hospital é referência em parto e gestação de alto risco, a prioridade é manter a ala neonatal. “Vamos ter que nos adequar. Não é nada certo ainda, não temos uma data, mas é algo que vem acontecendo”, informa.

“Não temos perspectivas”, diz CRS

A 16ª CRS afirma que a região perde sua referência local e isso é sempre um problema. Segundo a entidade, esses são os únicos leitos de UTI pediátrica compreendidos pela coordenadoria, e fechar a unidade significa transferir os pacientes para outros locais quando necessário.

“A 16ª CRS buscou abrir conversas mas elas não prosperaram pois o investimento estrutural é alto e, da mesma forma, a equipe para compor uma UTI também é complexa, o que tem um custo difícil de cobrir. Então, neste momento, não temos perspectivas aqui na região, pelo menos a curto prazo”, informa.

Sem uma solução local, todo e qualquer pedido de leito de UTI pediátrica deverá ser inscrito na Regulação Estadual de leitos de UTI. Esta regulação consulta o mapa de leitos nos hospitais do estado e busca a vaga, normalmente na cidade mais próxima.

“Hoje temos leitos em Santa Cruz do Sul e a perspectiva de implantação de leitos em Venâncio Aires. Mas não temos a certeza de onde as necessidades serão atendidas. Na prática essa regulação é tal e qual outras situações na UTI adulto, onde eventualmente um paciente é enviado para outras regiões e, em outras ocasiões, pacientes de fora vêm para as UTIs aqui do Vale”, informa.

Estudos em Venâncio Aires

As organizações de saúde avaliam a possibilidade de implementar uma UTI pediátrica no Hospital São Sebastião Mártir, de Venâncio Aires. A ideia é instalar dez leitos pediátricos com referência microrregional e ambulatório de pediatria na entidade.

O projeto foi apresentado à Associação de Municípios do Vale do Rio Pardo, e atenderia as microrregiões de Santa Cruz do Sul, Lajeado e Cachoeira do Sul. Mas ainda está em fase de tratativas.

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