As igrejas costumavam estar entre as primeiras construções para a formação de uma comunidade. Muitas delas foram erguidas pelos próprios moradores e guardam histórias nos vitrais coloridos ou no badalar dos grandes sinos. Em uma região diversificada pela colonização europeia, parte dessa cultura se encontra nos templos religiosos, onde também reside um grande potencial turístico a ser explorado.
Em pesquisa, o pároco da Igreja Santo Antônio, em Estrela, Padre Neimar Schuster, propôs um roteiro para a região. O caminho passaria por Estrela, Lajeado e Arroio do Meio, onde estão algumas das comunidades mais antigas do Vale.
“Esse roteiro seria de um dia, mas a pesquisa abriu a possibilidade de estendermos esse percurso, porque a riqueza cultural religiosa dos municípios é muito grande”, ressalta Schuster.
A ideia foi traçar o caminho dos jesuítas instalados primeiro em terras estrelenses para depois se espalharem em travessias pelo rio. Por isso, a proposta do trajeto é se locomover de uma cidade a outra pela água, pelas igrejas da região.
“A maior beleza artística que temos nas cidades está nas igrejas. Elas transmitem o valor da história do nosso povo”, ressalta. Schuster conta que, há alguns anos, na época do Natal, a igreja abriu à noite durante as festividades do município. Mais de 500 pessoas visitaram o templo naquele período, entre moradores e turistas. Uma espécie de teste com resultados positivos para o turismo religioso.
Sinos alemães
A Igreja Santo Antônio, em Estrela, seria a primeira parada do roteiro. O pesquisador Leônidas Erthal conta que esta é a terceira edificação de cunho religioso construída no lugar. A primeira foi fundada em 1873.
Feita de pedra, foi erguida pelas mãos da comunidade e, ainda hoje, parte dessa parede está no interior da igreja, em uma espécie de memorial. A primeira capela não possuía torre. Com o tempo, o lugar ficou pequeno com o crescimento populacional e precisou ser incrementado. Em 1988, outra ampliação, com duas torres e janelas simples, finalizada no início dos anos 90.
Depois de passado os primeiros 50 anos, houve uma grande reforma no prédio e, em 1942, foram colocados os vitrais, doados por famílias da comunidade. Apenas os mais novos foram feitos em Porto Alegre.
Um relógio também veio de lá, da comunidade de Nossa Senhora das Dores. Um estrelense de ascendência alemã chamado Bruno Schwertner, muito habilidoso nos trabalhos manuais, recebeu a máquina para estudar.
O objeto serviu de inspiração para a construção de outro relógio para a igreja. O mesmo que ainda habita a torre da Santo Antônio. Depois do primeiro trabalho, a atividade virou profissão e Schwertner assinou mais de 200 relógios na região.
Três sinos também são abrigados pela torre. “Os sinos de aço foram trazidos da Alemanha. Eles são três e possuem nomes. O maior é Maria Imaculada, outro é São José, e o menor é Santo Antônio”, destaca Leônidas.
Outra história conta que a primeira figura de Santo Antônio foi doada por Antônio Vitor Menna Barreto, também doador das terras onde fica a edificação e da praça logo à frente.
Já na nova igreja, três grandes quadros foram colocados no altar. De Santo Antônio, São Luis e Santa Cecília, nome do Coral de Estrela, o mais antigo do Brasil. De acordo com Leônidas, o primeiro quadro veio da Espanha e ficou preso no porto de Rio Grande por dias até chegar à cidade.
Incêndio e reconstrução
Na outra margem do rio, os colonos também passaram a ter assistência religiosa dos padres jesuítas, que fundaram a Paróquia Santo Inácio de Lajeado, em julho de 1881.
Na época, no salão do sobrado de Antônio Fialho de Vargas, transformado em oratório, eram feitos os atos litúrgicos por quase 24 anos. A obra da Capela de Santo Inácio foi demorada, por falta de recursos. No livro de Batizados, a primeira menção de “Capela Santo Inácio” foi em 11 de maio de 1879.
Esses são trechos do livro “Grão de Mostarda”, do professor José Alfredo Schierholt, sobre a história da Igreja Matriz de Lajeado. O terreno foi doado por Antônio Fialho de Vargas, proprietário de grande parte das terras do antigo centro histórico do município, onde também fica a conhecida Praça da Matriz. Nos registros de Schierholt, diz-se que a primeira imagem do padroeiro foi doada por Fialho de Vargas, trazida de Roma e entregue em um dia de grande multidão.
Mais tarde, a comunidade cresceu e a capela foi ampliada, em formato de cruz. Duas torres também faziam parte da estrutura que já tinha espaço para receber mil fiéis. Mas, depois de um tempo, pararam as reformas.
O zinco enferrujou, o forro apresentava perigo e grande parte da madeira estava infestada por cupins. Já havia a ideia de construir uma igreja nova. Mas, no silêncio da madrugada quente de 13 de janeiro de 1953, ouviu-se um crepitar de fogo. Um incêndio destruía a igreja.
De acordo com os registros, uma coruja gritou pela casa, acordou os padres e a vizinhança. A comunidade vinha com alguns extintores e baldes de água. Dos escombros, apenas os sinos se salvaram e ainda estão nas torres.
A reconstrução iniciou no mesmo ano e em 1955 a primeira missa foi rezada no lugar. Na época, um sonho dos párocos era colocar 36 anjos adoradores, de asas levantadas acima do altar-mor. A inauguração da galeria foi no dia dos Santos Anjos da Guarda, em 2 de outubro de 1955. A nova igreja passou a ter apenas uma torre.
No interior do prédio, uma das pinturas ganha destaque, feita pelo Irmão Nilo, também acima do altar-mor. Elas retratam o nascimento e a morte de Cristo.
Uma funcionária da paróquia, Sirlei Prestes Heinen conta que outros dois altares laterais também fazem parte da construção, para saudar o Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças.
Com pedras da comunidade
Depois de Lajeado, o caminho segue para Arroio do Meio. Evangélica, uma das construções de maior destaque do município é a Igreja de Pedra, da comunidade de Forqueta. Antes da grande construção, uma pequena capela feita de madeira era o principal lugar de encontro religioso da localidade.
Na época, o espaço era suficiente para atender os moradores. Mas a população cresceu, e uma nova igreja foi construída pelas mãos da própria comunidade. Feita de pedra de areia, o material foi retirado de uma pedraria ali perto, carregado em uma carroça até o terreno onde a pequena capela já existia. A construção levou três anos, concluída em 1952. A comunidade, no entanto, é mais antiga, com 141 anos.
Grande parte dos moradores foi batizada ou confirmada na Igreja de Pedra, como o atual presidente da comunidade, Adilson Fischer. Ele conhece bem a construção, e também um casal de corujas que vive no topo da torre da igreja. “Uma das corujas só sai à noite. Ela é branca, e quando abre as asas, tem cerca de um metro e meio de comprimento”, conta.
Lá no alto, também fica o sino com um badalar característico, trazido da Alemanha como doação. Hoje ele funciona de forma automática, mas no início havia uma corda para puxá-lo de forma manual.
A estrutura não possui relógio, mas os vitrais chamam a atenção. “Esses vidros são caríssimos, e a maioria foi doada pela comunidade”, destaca Fischer. Atrás do altar, três deles representam os caminhos de Jesus Cristo. Além deles, apenas uma imagem habita a igreja, um quadro de Martinho Lutero. Isso porque as igrejas evangélicas são características por terem menos adornos do que as católicas.
Outra curiosidade é o símbolo de um galo ao lado da igreja, que significa harmonia. “Ele estava na capela antiga. Há poucas igrejas que ainda têm esse símbolo”, ressalta Fischer.
Hoje, a Igreja de Pedra é considerada um dos principais pontos turísticos de Arroio do Meio, atrás, apenas, do Morro Gaúcho e da Ponte de Ferro. O lugar é também parada obrigatória para os ciclistas e famílias que visitam a comunidade. Entre 100 e 200 pessoas assinam o livro de registros na entrada da igreja em cada fim de semana.
O que ainda é necessário
“Em função das grutas, como de Doutor Ricardo, Itapuca, e algumas igrejas, o Vale já atrai muitos turistas adeptos a esse turismo religioso”, acredita o presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), Leandro Arenhart.
Na visão dele, o Cristo Protetor de Encantado despertou um interesse ainda maior para esse turismo, tanto com rotas urbanas quanto naturais. “Mas, para funcionar, é preciso estar próximo das governanças do turismo para fortalecer os municípios. É preciso estrutura”, ressalta.
Segundo Arenhart, o primeiro passo é melhorar o que já existe, e fortalecer a região como um Vale de oportunidades.
Para o Padre Schuster, fomentar o turismo religioso na região, além de permitir um resgate histórico, viabiliza o comércio e incentiva a circulação de pessoas nos municípios. “Nós temos uma história para contar, desenvolvida pela cultura religiosa. A riqueza é muito grande, e criar os roteiros vai fazer as pessoas daqui e de fora reconhecerem essa grandeza”, aposta.