Todo cacho é uma forma de poder

Beleza

Todo cacho é uma forma de poder

Após assumirem os cabelos naturais, jovens melhoram a autoestima, resgatam suas identidades e se libertam de preconceitos

Todo cacho é uma forma de poder

Assumir os fios enrolados e deixar o cabelo natural se tornou sinônimo de resgate da identidade e força. Muitos jovens, inspirados por grupos e redes sociais, aderiram a transição capilar e deixaram de lado as químicas para alisar as madeixas, a fim de assumir suas origens. Muito mais que um movimento estético, a onda dos fios com curvatura e cabelos volumosos está diretamente ligada a questões sociais e emocionais de boa parte da população.

Até pouco tempo, os cacheados e crespos eram subjugados como cabelos ruins, malcuidados e feios. Ter cabelo volumoso era vergonhoso e, por isso, muitas mulheres optavam por alisá-lo, enquanto os homens o escondiam com bonés ou raspavam a cabeça.

Estudante e empreendedora, Andressa Baumhardt da Silva, 24, conta que começou a evitar o cabelo natural aos 12 anos. Na época, a jovem lembra que recebia críticas no colégio por conta dos cachos, então optou por procedimentos de alisamento para se enquadrar nos padrões de beleza. “Acho que a gente acaba se escondendo dos outros para não chamar tanta atenção e deixa de ser nós mesmos em prol da opinião alheia”.

Andressa Baumhardt da Silva

Durante seis anos ela se viu limitada de fazer algumas atividades que amava em função do seu cabelo. “Por causa da progressiva, não podia ir à piscina. Me preocupava como ia secar os fios depois e como eles ficariam com a água e o cloro”. Além disso, a cada retoque do procedimento de alisamento, Andressa passava mais de cinco horas no salão. “Eu evitava muita coisa, mas não aguentava mais isso. Depois que passei para a fase adulta, aos 18 anos, assumi os cachos e foi libertador”, conta.

A mesma sensação de liberdade teve o auxiliar administrativo, Matheus Venancio, 25, que durante toda a infância e adolescência escondeu o cabelo em toucas, bonés e raspando a cabeça. “Acredito que, por eu ter nascido em uma cidade colonizada alemã, foi bem complicado essa questão de me aceitar. O que eu não queria era chamar a atenção, então evitava ao máximo mostrar meu cabelo”, relembra.

As mudanças no estilo de Venancio começaram a despertar no ensino médio, mas foi ao entrar na faculdade e integrar o time de futebol americano que o rapaz resolveu assumir os cachos. “Teve uma vez que deixei meu cabelo crescer seis meses e depois o raspei, mas não me reconheci mais. Então entendi que o cabelo grande fazia parte de mim”, afirma.

 

Uma onda de aceitação

O auxiliar administrativo conta que sua maior inspiração para assumir o cabelo volumoso e black veio do jogador de futebol americano, Odell Beckham Jr. À medida que Venancio ia se autoconhecendo e se inseria no universo esportivo, suas inseguranças diminuíam e aumentava a vontade de assumir a origem e ser exemplo para os outros, assim como o ídolo.

Matheus Venancio

Logo que adotou os cachos e o volume, Venancio lembra que percebia alguns olhares curiosos sobre seu cabelo, mas nem por isso deixou de lado sua transição. Certo dia, em uma feira, um rapaz o chamou para elogiar e perguntar sobre os cuidados. “Tempo depois ele me encontrou nas redes sociais e vi que o homem também deixou o cabelo crescer. Isso foi uma das coisas mais bacanas que me aconteceu”.

Foi o mesmo processo de autoaceitação que fez Andressa apostar no cabelo natural e se transformar em uma inspiração para inúmeras jovens que passam pela transição. Em suas redes sociais, ela conta como foi todo movimento e dá dicas para manter o cabelo em destaque. “Foi bizarro como precisei trabalhar muito o meu interno e o emocional para deixar o cabelo cacheado florescer. Isso realmente transforma uma pessoa”.

Para aprender a lidar com o cabelo, Andressa buscou vídeos na internet e inspirações em redes sociais. Além disso, fez dois cortes Big Chop, procedimento que tem a função de cortar a parte lisa do cabelo para que não haja dois tipos diferentes de fios na cabeça. Passaram-se mais de 18 meses até que a jovem encontrou o seu novo estilo.

“Nunca pensei em desistir, apesar de muitas pessoas dizerem que é trabalhoso. Isso é mais uma crença limitante que acaba nos atingindo se não temos um emocional bem trabalhado. No momento que tu sabes quem é e qual o teu objetivo, isso te liberta”.

 

“Estava distante do padrão”

Além dos cabelos cacheados, Délis Amanda Bianchini, 28, se incomodava com a cor do cabelo. “Ele é ruivo, então me tornava muito diferente de todas as minhas amigas. Estava distante do ‘padrão’ e isso fazia com que eu me sentisse excluída”.

Délis Amanda Bianchini

Ainda criança, também por volta dos 12 anos, a publicitária e fotógrafa já tinha as chapinhas como suas “melhores amigas”. Pouco depois aderiu as progressivas e, mais tarde, mudou a coloração para se sentir aceita. Foi somente após passar por uma cirurgia bariátrica, em 2016, e ter uma alteração no organismo que a fez perder alguns fios, que Délis optou por parar totalmente com a química do cabelo e deixá-lo ao natural.

“Confesso que pensei em desistir algumas vezes. O cabelo liso me dava mais praticidade, pois acabava tendo poucos cuidados com ele, era somente lavar e deixar secar naturalmente. Mas hoje não me vejo mais alisada. Acho que meu cabelo natural mostra muito mais a minha personalidade”, assegura a publicitária, que também passou pelo Big Chop.

 

Cacho, o sinônimo de libertação

Andressa, Matheus e Délis acreditam que o cabelo tem forte influência na autoestima das pessoas e vai muito além de somente questões estéticas. “Ele mostra mais da nossa personalidade”, afirma a publicitária.

Para ambos, cuidar dos fios é sinônimo de liberdade e autocuidado. É o reflexo do seu eu interior. E não há uma fórmula mágica para deixar os cachos definidos. O segredo é testar produtos e alternativas para encontrar uma forma com que cada pessoa se identifique e consiga adaptar a rotina.

“No começo rola aquele medo, vejo por mim. Mas acho que é mais uma questão de se gostar. Se a pessoa se reconhece, ela deve fazer o que acha melhor, independente se for alisar, cortar, deixar crescer… A partir do momento que você deseja se cuidar, está se melhorando para si mesmo e isso é o que mais importa”, acredita Venancio.

 

(@labellelajeado)

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