Basta o vento ficar um pouco mais forte, com uma ameaça de chuva para a família de Maristela Etgeton, da localidade de Linha Wolf, em Estrela, temer oscilação na energia. Só neste mês, a comunidade soma 90 horas sem luz.
“Há cinco anos estamos pedindo para trocar o poste em frente da propriedade. Os técnicos vieram olhar e dizem que só vão trocar se ele cair”, relata a agricultora. Em Arroio do Meio, mesma situação.
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Roque Schmitt questiona “gambiarra” para segurar poste de madeira (foto: Ramiro Brites)
“Já faz uns quatro anos que eu vou na RGE para trocarem o poste, porque pegaram isso daqui e colocaram um “irmão” aqui do lado. O poste tá podre, o meu poste de concreto está segurando ele. Se um dia der uma tragédia eu sou testemunha que fui atrás. Eles vieram olhar, e só olharam. Viraram as costas e foram embora”, critica o morador Roque Schmitt, da localidade de Picada Arroio do Meio.
“Quando tem vendaval, os fios começam a balançar, os postes começam a balançar. E se cair, vai cair tudo no meio da rua”. A cada instabilidade, os problemas se repetem, com quedas de energia e demora para o reestabelecimento.
Uma situação comum pelo Vale do Taquari. Além de Estrela e Arroio do Meio, há dificuldades em cidades como Encantado, Roca Sales, Cruzeiro do Sul e outras. Em algumas localidades, as famílias chegam a ficar cinco dias sem energia elétrica.
Todas essas cobranças se repetem faz no mínimo uma década. “Vem desde a época da AES Sul. Melhorou um pouco com a RGE, mas ainda estamos distantes do que a região precisa”, ressalta o presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat), Luciano Moresco.
A RGE apresentou em 2019 um plano de ações para o Vale do Taquari. No documento, se institui a necessidade de investimentos na troca de postes e de melhoria no atendimento ao cliente, com mais garantias frente ao reestabelecimento da energia. A reportagem entrou em contato na terça-feira, dia 22. Até o fim da tarde dessa sexta-feira não obteve resposta sobre o que avançou das promessas de melhorias desde então.
Transtornos e prejuízos
Frente às críticas ao serviço da RGE, o município de Estrela ingressou na Justiça para cobrar os prejuízos à comunidade. Além de ofício encaminhado ao governo municipal, na tentativa de trocar de concessionária, clientes estão ajuizando ações contra a empresa. O setor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores de Estrela e o próprio Executivo auxiliam nestes encaminhamentos.
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Em Linha Geraldo Baixa, condição da rede de fornecimento evidencia riscos, tanto para falta de luz quanto para acidentes com eletricidade (foto: Felipe Neitzke)
Na ponta, quem mais sofre são os produtores rurais. “A cada interrupção, ficamos dois, três, até cinco dias sem luz”, diz Maristela. A família dela atua na bovinocultura de corte e a energia é imprescindível para o funcionamento do maquinário da propriedade. “Quando tem problema na rede não tem como fazer a ração e moer o pasto, voltamos ao modo manual”, destaca.
Para evitar perda de alimentos no congelador e, até para tomar banho, a família precisa ir na casa amigos ou parentes. “Quando falta luz, também falta água.” Outro impacto negativo pela precariedade no abastecimento de energia está na educação.
A filha de Maristela, a estudante Letícia, 18, inclusive perdeu uma prova que estava sendo feita pelo formato remoto. Por conta da pandemia as atividades de ensino são a distância, frisa. “O sinal de internet não é problema, apenas a questão da energia.”
Letícia é quem liga para o 0800 da RGE quando tem algum problema no abastecimento de luz. Muitas vezes não consegue falar com o atendente e quando obtém sucesso no contato, as respostas são vagas.
Sem conhecimento de quanto tempo ficarão sem energia e nem quando as equipes de manutenção farão o reestabelecimento, o que resta é depender dos vizinhos. “Aqui todos se ajudam, quem conseguir alguma informação primeiro repassa.”
Troca o nome, mas o problema continua
Postes de madeira, instalados há mais de 40 anos, ainda compõem a rede na localidade de Colônia Piccoli, no interior de Boqueirão do Leão. São cerca de 50 famílias convivendo com problemas no serviço de energia elétrica. A troca de concessionárias, desde a época da CEEE, depois AES Sul, RGE Sul e agora a RGE, criou muitas expectativas, mas pouco se resolveu.
Do ponto de vista dos moradores, foram apenas trocas de nomes, pois a precariedade do serviço se mantém. Convivendo com essa situação, muitos já se acostumaram em ficar vários dias sem poder ligar uma lâmpada ou ter de acomodar a carne do congelador na casa de algum familiar.
Postes caindo, alguns podres, são comuns pelo caminho até a casa do agricultor Valdir Martini, 55. Ele já perdeu as contas de quantas vezes solicitou a substituição.
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Postes no interior de Boqueirão do Leão. “Basta vir um vento mais forte que tudo vai para o chão”, diz Valdir Martini (foto: Felipe Neitzke)
“Um dos postes está completamente podre e inclinado para a estrada. A fiação fica a menos de 2 metros do chão. Pode alguém encostar e levar um choque”, relata. O produtor já participou de audiência pública há mais de 10 anos, mas as melhorias prometidas até hoje não ocorreram.
Por conta da produção de tabaco e do risco de perdas durante a cura das folhas, Martini investiu R$ 6 mil em um pequeno gerador. “Já tive prejuízo de R$ 15 mil, pois faltou energia e a ventilação do fumo na estufa foi comprometida”, explica.
“Temos de sair da crítica pela crítica”
Audiências com o Procon, com as agências reguladoras (Agergs), com o Ministério Público, entre prefeitos, representantes comunitários e líderes empresariais. Todas tentativas de aproximação com a RGE se mostraram insuficientes para a solução dos problemas.
“Estamos revendo nossas estratégias. Temos de sair da crítica pela crítica”, argumenta o presidente do Codevat. De acordo com Luciano Marasca, a estratégia definida entre região e coordenação regional da RGE é um diagnóstico das localidades mais vulneráveis.
“Combinamos com os prefeitos para fazermos um levantamento completo da rede de energia pelo Vale. Por meio destes dados, queremos aproximar o diálogo com a concessionária.”
“A solução virá quando o cliente puder escolher”
O marco regulatório do setor elétrico, em trâmite no Congresso Nacional, é a oportunidade para encerrar com problemas históricos. É o que acredita o presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat) e prefeito de Santa Clara do Sul, Paulo Kohlrausch.
“A solução virá quando o cliente puder escolher. Como foi com a telefonia. Se não estiver satisfeito, troca a operadora.” Para ele, ainda que os líderes locais busquem aproximar o diálogo com a concessionária, há poucas garantias legais para impôr demandas da região.
O trabalho de fiscalização dos contratos, feitos pelas agências reguladoras, pouco contribuem para os clientes. “O argumento se sustenta no contrato com a União e que estão atendendo as obrigações previstas. Isso é pouco para os consumidores.”