“Jamais pensei que fosse se aproximar e pedir um chimarrão”

Abre Aspas

“Jamais pensei que fosse se aproximar e pedir um chimarrão”

O agrônomo e jornalista Jackson Luis Erpen, 57, natural de Tapera, ficou conhecido na última semana por servir um chimarrão ao Papa Francisco. Ele atua como jornalista na Rádio Vaticano desde 2012

“Jamais pensei que fosse se aproximar e pedir um chimarrão”
(Foto: Arquivo Pessoal)
Vale do Taquari

Na semana passada, o Papa viu você tomando chimarrão. Fale sobre o momento.

Foi um acontecimento inesperado, indescritível, surpreendente. Sem dúvida, foi algo que ficará marcado na minha vida. Uma visita com tudo cronometrado, o Papa simplesmente para tudo para pegar um fôlego tomando um chimarrão, dando atenção a alguém que não ocupa nenhum posto importante na estrutura da rádio, mas um simples funcionário. Foi a primeira vez que o Papa Francisco visitou a Rádio Vaticano. O prédio tem quatro andares. Nossa redação fica no quarto andar. Havia uma escala de pessoas que iriam saudá-lo e os outros ficaram um pouco mais para trás. Como sou alto, fiquei bem no fundo, mas logo que chegou, levantei a cuia para chamar a atenção, esperando quem sabe um aceno ou bênção de longe, mas jamais pensei que fosse se aproximar e pedir um chimarrão. Ele saudou os que estavam na frente, pediu licença e foi abrindo caminho, pois queria saudar a todos que estavam mais para trás. Foi aí que veio em minha direção e disse que estava com sede. Reconheceu logo que a erva não era argentina, mas tomou todo o mate e agradeceu. Após a entrevista, com o corredor já quase vazio a pedido da segurança, ele saudou as poucas pessoas que lhe aguardavam, me viu lá no fundão de novo e foi em minha direção e disse que queria outro. E ficou conversando. Aquela cuia e aquela bomba eu trouxe para casa e vou guardar como relíquia.

Você costuma vir com frequência ao Brasil?

Minhas férias passo no Brasil, todos os anos. Ano passado queria ter ido em abril, mas por causa da pandemia a viagem foi cancelada. Acabei indo em novembro, quando no Brasil a situação estava melhor e aqui estava piorando. Sempre que venho trago dez quilos de erva na bagagem. Não tenho uma marca preferida. Para mim o importante é que seja moída grossa e de preferência embalada a vácuo, para se manter nova no tempo. Minha família reside em Porto Alegre, mas costumo passar por Tapera, Ijuí, Três de Maio. Sempre vou ao supermercado ver que erva tem, até para experimentar umas marcas diferentes. Me faltou erva aqui duas vezes, uma foi ano passado por causa da pandemia. Tivemos lockdown total por dois meses aqui e estava acabando minha erva. Aí tive que usar um recurso que os antigos usavam: tomava o mesmo mate três dias, mas deixava a cuia guardada na geladeira que temos na redação. Aí de manhã tirava só um pouco da erva mais consumida e colocava uma colher de erva nova para dar um gosto. Quando acabou em 15 de maio, fui numa loja de importados aqui em Roma e deu sorte que tinha dois pacotes de meio quilo de erva brasileira embalada a vácuo, algo raro, pois tem mais argentina.

O Papa falou sobre os brasileiros quando um grupo pediu que os abençoasse e ele fez um comentário de que não havia salvação: “é muita cachaça e pouca oração”. Como você avalia essa “brincadeira” com os brasileiros?

O Papa Francisco tem um grande coração, ama a todos, e como bom latino-americano é muito brincalhão e espontâneo. Quando ele encontra pessoas de um país que ele gosta, se sente absolutamente à vontade, pois sabe estar entre amigos, deixa as formalidades de lado e brinca, sabendo que a intenção de sua brincadeira será entendida e bem recebida. Infelizmente nem todos no Brasil perceberam desta forma sua brincadeira. Mas o Papa tem o Brasil no coração, reza muito pelo país e pelos brasileiros.  Seguidamente quando vê alguma bandeira do nosso país na Praça São Pedro, sai do texto preparado do Angelus, por exemplo, para saudar os brasileiros. Para ver sua consideração pelo Brasil, basta ver o número de brasileiros – cardeais, bispos, sacerdotes – ocupando postos importantes na Cúria Romana. Apenas para sitar alguns: Cardeal João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos; Padre Alexandre Awi Mello, Secretário do Dicastério para os Leigos, Família e Vida; Monsenhor Marcos Pavan, regente do Coral da Capela Sistina; Cardeal Odilo Pedro Scherer é membro da Congregação para o Clero e para a Educação Católica, da Comissão Cardinalícia de Vigilância do Instituto para as Obras de Religiões, do XII Conselho Ordinário da Secretaria do Sínodo dos Bispos, da Pontifícia Comissão para a América Latina e do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, bem como membro do Conselho para a Economia; Dom Sérgio da Rocha é membro da Congregação para o Clero, Pontifícia Comissão para a América Latina e Congregação para os Bispos, e assim por diante.

Como é a sua rotina aí?

A rádio consome a gente. Não tem como simplesmente cumprir o horário de trabalho, pois as coisas estão sempre acontecendo a nível mundial e também no Vaticano, nas atividades do Papa. Assim, o único jeito de desligar mesmo é quando se tira férias. Aqui tem que estar sempre atento, com comunicados mesmo noturnos da Sala de Imprensa, ou mensagens do Papa que, em função das diferenças de fuso horário com os tantos países no mundo, muitas vezes temos que publicar 9 ou 10 da noite. Mas vou cedo pra redação, e lá chegando a primeira coisa preparo o mate e se começa a trabalhar. À medida do possível tento fazer Adoração Eucarística no final do dia e participar da Santa Missa, para assim alimentar minha fé e encontrar forças para tocar o barco pra frente.

Qual o sentimento de trabalhar tão próximo ao Papa?

Primeiro que me sinto agraciado e agradecido de poder servir à Igreja e ao Santo Padre no coração do catolicismo. Tive a graça de estar aqui em Roma com três Papas, tendo participado do funeral de São João Paulo II e da eleição de Bento XVI e Francisco. Um Papa para cada tempo, e com cada um se aprende a amar mais a Igreja e conhecê-la sempre mais. Ao mesmo tempo, estando aqui, percebo o quanto conheço pouco da minha Igreja e o quanto deveria ler muito mais os documentos que compõe o Magistério. Não se pode amar o que não se conhece. O mesmo com Francisco: acabamos conhecendo sempre mais seu grande coração e sua grande humanidade ao traduzir diariamente suas reflexões, pronunciamentos, suas homilias. É um grande Papa!

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