O churrasco com carne de gado, uma vez por semana, agora está limitado. “Dá pra fazer no máximo uma vez por mês e olhe lá”, diz o eletricista industrial, Marciano Krummenauer, 33. A tradição dos domingos, de reunir a família para uma confraternização, também mudou.
“A gente juntava umas 15 pessoas. Irmãos, primos, o sogro, a sogra, as crianças.” Tanto os encontros quanto a compra da carne de gado precisam ser revistos. “Primeiro não podemos fazer aglomeração. Já a carne está muito cara. Tem meses que nem faço churrasco. Quando escolho assar uma carne, é contado, em menor quantidade para não sobrar.”
Esse comportamento, em especial dos gaúchos, podem ser comprovado pelos dados do governo federal, pois o consumo de carne bovina caiu para o menor nível em 25 anos. Pelo cálculo da disponibilidade interna do produto subtraído pelo volume exportado, a média nacional por pessoa é de 26,4 quilos por ano. Entre 2020 até agora, a retração foi de 14% ante o ano de 2019, período anterior a pandemia.
Pela análise da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a perda de renda da população, junto com a disparada no preço dos cortes bovinos, são algumas justificativas para esse movimento. Soma-se ainda o fato das exportações para a China.
A alta nos preços para o mercado interno faz com que os consumidores busquem outras opções, com maior consumo de frango e suínos. Outro indicativo desse comportamento está no consumo de ovos. Por ser um produto sem exportação, a venda no mercado interno alcançou o maior resultado em 20 anos.
Alta de 35% em 12 meses
Pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, os últimos 12 meses mostram o impacto dos alimentos no custo de vida. Entre estes itens, destaque para as carnes, com uma alta acumulada de 35%.O í
ndice é cinco vezes maior do que o próprio IPCA no período. No caso da arroba do boi, o preço subiu mais de 50% na comparação com o mesmo período de 2020.
Como há maior demanda externa, os frigoríficos registram queda nos abates. Conforme informações da Embrapa, há uma ociosidade perto dos 40% na indústria do segmento no país.
Diante do aumento nos custos de produção, as empresas que tem autorização para vendar ao exterior preferem exportar do que vender no mercado externo. Isso se deve a desvalorização do real. “O pagamento em dólar cobre os custos de produção”, analisa o economista e professor Eloni Salvi.
Entrevista
Eloni Salvi • economista e professor
“Se a renda não sobe, o custo precisa cair”
• Quais os motivos para a queda no consumo de carne de gado?
O alto preço para o consumidor interno, que tem sofrido com perda de renda. A maior demanda externa pelo produto e o aumento nos custos de produção são alguns. Mas também há uma mudança de hábito que ocorre faz alguns anos.
No mundo inteiro há campanhas para reduzir o consumo de carnes. Não quer dizer que as pessoas estão virando vegetarianas ou veganas. Mas há uma conscientização mais presente para se consumir menos. Não há como medir isso, não temos indicadores, mas já víamos uma constante redução neste consumo.
• Os alimentos têm pesado muito sobre o orçamento familiar. Como equilibrar a balança despesa e receita?
Não há alternativa além de buscar alimentos mais baratos. Substituir a carne de gado, tirar ela da dieta diária. Se a renda não sobe, o custo precisa cair. Seja trocar pelo frango, pelo suínos, ou mesmo buscar nos vegetais. Não é de hoje que se alerta sobre o preço da carne. Esse será um produto cada vez mais raro na mesa das pessoas. As carnes, em especial de gado, continuarão subindo nos próximos meses.
• Como a exportação atinge a demanda interna por carne de gado?
A inflação de itens de consumo é provocada por dois fatores. Crescimento da demanda ou pela produção que não acompanha o mercado. Para a carne de gado, ocorrem os dois movimentos. O consumo mundial cresce, em especial na China.
Temos que nos dar conta. Se cada chinês comer um grão a mais de carne, vai faltar no Brasil. Quando eles aumentam a demanda, qualquer pequeno percentual, é gigantesco em termos de volume. A Ásia tem metade da população mundial, faz que qualquer demanda seja tão grande que nem o Brasil consegue produzir.