Adaptação forçada, dívidas e expectativa de recuperação

Bares e restaurantes

Adaptação forçada, dívidas e expectativa de recuperação

As restrições no atendimento, o fechamento das atividades nos períodos de alta da pandemia e o aumento nos custos de operação resultam em um cenário incerto para estabelecimentos gastronômicos e de confraternizações. De cada dez empresas do setor, sete estão endividadas

Adaptação forçada, dívidas e expectativa de recuperação
(Foto: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

“Tivemos de mudar tudo. É quase como abrir outra empresa.” As palavras de Irineu Schmidt, dono de um restaurante e pizzaria no centro de Lajeado são uma amostra dos desafios enfrentados pelos empreendedores do segmento de alimentação e bebidas.

Manter as atividades em meio a maior pandemia do século exige reorganização. No empreendimento dele, precisou demitir mais da metade dos funcionários, rever as despesas e cortar a lista de compras dos alimentos. “Desde março do ano passado tivemos quedas constantes no faturamento. No período de restrições, chegou a 80%. Houve uma melhora a partir dos últimos meses do ano passado e em março deste ano mais perdas.”

Essas condições interferiram sobre as obrigações. “Estamos com contas em aberto. Precisei renegociar energia elétrica e há impostos em atraso.” O endividamento é um quadro comum entre restaurantes e bares. De cada dez empresas do ramo, sete estão com dívidas.

É o que aponta pesquisa da Associação Nacional de Bares e Restaurantes (Abrasel). Os dados foram apresentados nesta semana e mostram que a maioria das dívidas estão no pagamento do Simples, ou de outros impostos, como o Imposto de Renda e o INSS. Também há um percentual considerável de empreendimentos com aluguel atrasado e débitos vendidos de água, luz, gás e com fornecedores.

Além disso, quase metade das empresas tem faturado menos do que 40% na comparação com o período antes da pandemia. O levantamento aponta que 77% dos bares e restaurantes tiveram prejuízo em abril. Em março, mês em que todo o Rio Grande do Sul estava em bandeira preta, esse índice era de 81%.

90% endividados na região, diz Sindavat

O presidente do Sindicato dos Hotéis, Motéis, Bares e Restaurantes do Vale do Taquari (Sindavat), Paulo Schöller, atesta a situação de dificuldade do segmento desde o início da pandemia. Pelo contato com os empreendedores, afirma: “na região, 90% estão endividados. É um número extraoficial. Mas é uma realidade. Deste percentual, eu diria que uns 40% estão quebrados. Ainda assim, seguem abertos, tentando retomar os negócios.”

Baixar custo de operação, usar plataformas digitais no contato com os clientes e mesclar atendimento presencial e tele-entrega são estratégias para superar momento de dificuldade (Foto: Filipe Faleiro)

De acordo com ele, estabelecimentos noturnos, que oferecem gastronomia combinada com atrações de lazer e de cultura, têm sofrido ainda mais. “Temos informações de que essa modalidade de negócio está com um faturamento entre 35 a 45% do que precisariam para manter as portas abertas.”

No RS, conforme a Abrasel, nove em cada dez bares e restaurantes tiveram problemas para pagar os salários dos funcionários em abril.“É impossível manter nossos negócios sem poder atuar em todos os horários e sem o auxílio do governo”, aponta Maria Fernanda Tartoni, presidente da Abrasel no RS.

“Uma terceira onda seria a pá de cal”

A imposição de novas restrições, no caso de avanço da pandemia e necessidade de regras mais rígidas sobre o distanciamento social seria catastrófica para o segmento de alimentação fora do lar, realça Schöller. “Uma terceira onda seria a pá de cal. Não haveria como manter. Sem dúvida, teríamos muitas empresas fechando as portas.”

Em meio ao período de dificuldade, também houve uma mudança no perfil das empresas. De acordo com o presidente do sindicato regional, havia um esforço para profissionalizar o segmento. “Nosso perfil sempre foi de empresas familiares. Antes da pandemia, havia um movimento para contratação de mão de obra especializada.”

Com a pandemia e a necessidade de redução na equipe, se retornou ao cenário de uso de familiares para atendimento, frisa Schöller.

Custo dos alimentos duplica

O enfermeiro Fabrício Miotto ingressou no ramo de restaurantes faz dois anos e meio. “Quando conseguimos uma boa clientela, chegou a pandemia”, lamenta. Nos períodos antes da covid-19, servia cerca de 250 almoços por dia. “Em um ano, conseguimos um bom faturamento e fizemos uma economia importante.”

Naquele período, para empatar as contas entre receita e despesa, precisava de uma média de 70 pratos por dia. Com os aumentos nos preços do alimento, esse cálculo pulou para 120 almoços. Essa é a média de hoje, conta Miotto. “Estamos trabalhando para se manter aberto. Eu e minha esposa não estamos tirando nada de salário para poder manter os funcionários.”

Com os fornecedores, o preço dos alimentos duplicou. O quilo da carne, custava perto dos R$ 20, agora está mais de R$ 40, afirma. “Março e abril foram meses terríveis. Tivemos 25% de faturamento. Agora percebemos que os clientes estão voltando. Ainda vai levar um tempo, mas acredito que vai melhorar.”

Foi justo nos meses mais difíceis que teve problemas para quitar o aluguel. “É a única dívida que temos. O proprietário e eu conversamos, e chegamos a um acordo de empurrar esse atraso para quando tivermos melhores condições.”

“Nos meses difíceis, o segredo é ficar no empate”

Dono de uma pizzaria e sócio de um restaurante no centro de Lajeado, Márcio Dal Cin, está entre os menos de 30% de empresas do segmento sem dívidas. “Conseguimos não nos endividar. Temos as contas do mês para pagar, como todo negócio, mas foi possível manter sem nem mesmo buscar empréstimos.”

No restaurante em que é sócio, assumiu a gestão faz cerca de 15 dias. “Pelas tabelas do ano passado, foram dez meses positivos e dois negativos. Justo naquele período de paradas sérias devido a pandemia. Com isso, estamos na estatística de quem não está endividado”, afirma.

Para ele, as estratégias passam por um controle rigoroso dos custos, na reestruturação da equipe e não fazer investimentos. “Nos meses difíceis, o segredo é ficar no empate. É preciso avaliar cada detalhe do negócio. Reduzir alguma despesa mas sem perder qualidade.”

Na pizzaria, como funciona no modelo de tele-entrega, a média de pedidos não oscilou muito. “Percebemos que não houve crescimento, pois aumentou o número de empresas atuando nesse formato.”

Entrevista

“ A pandemia ensina que é preciso fazer reserva”

Sandro Faleiro • diretor do Centro de Gestão Organizacional (CGO) da Univates

• Quais os aprendizados que a pandemia deixa para empresários do setor de restaurantes e bebidas?
A pandemia ensina que é preciso fazer reserva. Nosso empresário, micro e pequeno, mistura o recurso da empresa com o da família e o faturamento que der no negócio, costuma limpar o caixa, deixando com o mínimo de recurso necessário, usando para investimentos pessoais. O micro e pequeno empresário precisa fazer uma reserva de caixa para situações emergenciais, calcular sua necessidade de fluxo de caixa para poder enfrentar qualquer situação de risco, situação momentânea.

• Quais os caminhos para haver uma retomada econômica deste segmento?
Com a vacinação. O consumidor está ainda muito receoso em frequentar restaurantes, hotéis, em sair de casa. A minha percepção é que as pessoas estão interessadas em consumir, mas com receio de sair de casa. Com isso, tem um período em que o empresário terá de dar conta de sobreviver, de não quebrar para estar de portas abertas quando o consumidor voltar.

• Quais estratégias são mais sugeridas para mitigar as dificuldades e garantir o sustento do negócio?
É preciso digitalizar o atendimento, isso é multiplataforma, ter o pague-leve, a tele-entrega e o cliente ter a opção de contratar o pedido pelo WhatsApp, Instagram, Facebook, portal ou aplicativo. Não tem jeito de ser diferente, é preciso de adaptar.
Tem um momento de sobrevivência, de dificuldade, uma baixa na demanda. O proprietário pode baixar seus custos fixos, negociar o aluguel, reduzir número de funcionários ou reduzir jornada de trabalho. Fazer esses cortes sem perder a qualidade, com um uso sistemático das multiplataformas para se aproximar os clientes.

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