Um dos pilares da economia regional, a avicultura, está diante de um momento conturbado. Frigoríficos da região diminuem o abate, suspendem linhas de produção e demitem funcionários. No campo, produtores rurais reduzem o alojamento de frangos.
Os motivos estão ligados ao preço dos insumos, em especial o valor da saca de milho. Ainda soma-se a baixa demanda do mercado interno. “O setor está agonizando. Vem atuando com prejuízos e não há uma previsão de reverter esse quadro em um curto espaço de tempo”, afirma o presidente da Câmara da Indústria e Comércio da região (CIC-VT), Ivandro Rosa.
No ano passado, a instabilidade causada pela pandemia interferiu pouco sobre o agronegócio do Vale, relembra Rosa. De acordo com ele, o tripé aves, leite e suínos fez com que os impactos econômicos na região fossem menores. Inclusive a alta na empregabilidade, vista a partir de agosto, foi puxada pelos resultados positivos da indústria alimentícia.
O quatro atual é bem diferente, avalia o presidente da CIC. “Hoje quem está conseguindo algum lucro é quem exporta suínos. O restante trabalha com prejuízo.” Como consequência, a estimativa é de desemprego.
Conforme dados do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), em março o Vale do Taquari teve um saldo negativo. Representa que foram extintos 148 postos de trabalho. “Pelo o que estamos acompanhando, abril esse rombo será maior”, antecipa Rosa.
Dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), mostra que em 12 meses, a produção de frangos teve um aumento de custo de 43,3%. Deste total, as empresas conseguiram repassar 26,6% desse valor para o consumidor.
Minimizar perdas
O momento da produção alimentícia regional foi tema de reunião na noite dessa quarta-feira. O encontro virtual promovido pela CIC-VT teve participação de líderes gaúchos ligados aos setores produtivos.
Pela análise dos representantes das indústrias há riscos que essa instabilidade pode gerar como desemprego, redução drástica de produção e possibilidade de fechamento de agroindústrias.
O presidente executivo da Dália Alimentos, Carlos Freitas, as condições do mercado diante do aumento nos custos torna inviável produzir frangos. Segundo ele, o milho brasileiro é o mais caro do mundo.
Em outra cooperativa da região com produção de aves, a Languiru, houve redução nos turnos de abate. De acordo com o presidente, Dirceu Bayer, o prejuízo à indústria chega a R$ 2 por quilo de frango.
Pela análise do presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, essa redução de turnos na produção é uma forma de minimizar as perdas. Para ele, os governos precisam ser mais ágeis para auxiliar o setor, em especial com a suspensão temporária do PIS/Cofins sobre as importações. “É o momento de se buscar uma solução que realmente dê um resguardo ao setor.”
O Secretário de Desenvolvimento Econômico do RS, Edson Brum, se comprometeu a agendar reuniões com representantes da bancada gaúcha no Congresso Nacional. O objetivo é fazer com que a reivindicações cheguem ao Ministério da Agricultura.
Na tarde de hoje, a Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat) também aborda as dificuldades enfrentadas pelo setor avícula. A assembleia começa às 14h e terá a participação dos representantes das cooperativas Dália Alimentos e Languiru.
Entrevista
“O Vale atende o Brasil”
Cintia Agostini – Economista – Com redução do consumo interno, indústrias do Vale enfrentam dificuldades, pois os maiores mercados não estão no RS, mas no centro do país, avalia a economista.
• Por que o Vale é tão atingido por essa instabilidade?
É um problema em várias dimensões. Passa pelo consumo interno, muito abalado pela perda de renda das pessoas, e pelo câmbio. Estamos com uma taxa de desemprego de 14%, significa que uma parcela muito grande da população está com restrições para comprar.
O Vale atende o Brasil. Cerca de 60% dos produtos feitos aqui não ficam nem no nosso estado. Então temos de olhar o que acontece no Sudeste, no Nordeste. O cenário que tínhamos, de otimismo em janeiro e fevereiro não é o mesmo de agora.
• E quanto aos custos de produção?
Quando olhamos para essa questão, vemos que não é só o milho ou a soja. A logística está mais cara. O petróleo aumentou muito. Todo esse conjunto interfere sobre as condições de trabalho da indústria. As empresas estão gastando mais e recebendo menos. Nisso, também não há como repassar essas despesas para o consumidor.
• A indústria alimentícia tem um papel fundamental na economia local. Inclusive ano passado foi a principal força para mitigar impactos da pandemia no Vale. Quais as perspectivas para superar essa crise?
Me parece algo temporário. Os três segmentos base da região, o leite, os suínos e os frangos, já enfrentaram condições adversas. Então acredito que seja uma questão cíclica. Neste momento, a exportação torna-se mais atrativas. No entanto, não somos competitivos o bastante para abrir novos mercados. Talvez agora com a volta do auxílio emergencial, políticas de apoio às empresas e de proteção ao emprego possamos melhorar nosso patamar de consumo.