Em meio à maior pandemia do século, o mundo do trabalho se transformou. Máscaras, álcool gel, distanciamento, higienização constante passaram a ser obrigatórios. Junto com isso, o olhar para a saúde das equipes se tornou uma prioridade aos empregadores.
As mudanças ocorrem seja no ambiente comum, dentro das empresas e, em alguns casos, o ofício foi para dentro da casa dos funcionários. No dia dedicado aos trabalhadores, são muitas as preocupações e os desafios.
Entre estas, muitas dúvidas com relação aos direitos e deveres dos trabalhadores e dos empregadores. Conforme o advogado trabalhista, Luís Fernando Cardoso de Siqueira, não há unanimidade sobre a responsabilidade da empresa em caso de contágio de algum funcionário.
“Teremos um limbo jurídico, em que cada caso terá de ser analisado no específico, pois, tratando-se de uma matéria nova no judiciário e sem previsão legal correspondente, não se tem um entendimento consolidado de que a covid é um acidente de trabalho.”
Essa insegurança jurídica tem como nascente a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de artigo da Medida Provisória 927/2020 que previa casos de contaminação não serem considerados ocupacionais.
De acordo com Siqueira, a discussão nos tribunais recairá também sobre o tipo de ofício. “No caso dos trabalhadores da saúde, é muito difícil desvincular o contágio no ambiente laboral.”
Associado a isso, a comprovação de que a empresa disponibiliza os meios para evitar a propagação da doença. “É muito difícil de comprovar o local do contágio. Mas, com certeza o judiciário vai analisar a condição do ambiente de trabalho. Se a empresa for desleixada, deixou fazer aglomerações, seja no refeitório, no vestiário, ou mesmo nos espaços de produção, restando comprovado que não cumpriu as medidas sanitárias determinadas pelas autoridades, será difícil escapar de uma condenação.”
O advogado lembra que já há jurisprudência sobre o assunto, tanto com decisões favoráveis quanto contrárias aos trabalhadores. Essa situação, afirma Siqueira, comprova que cada caso deve ser analisado de forma específica e de acordo com as circunstâncias.
Mais de 21 mil contágios no trabalho
No ano passado, mais de 21 mil trabalhadores se infectaram com o novo coronavírus exercendo atividades laborais. É o que afirma o Observatório Digital de Segurança e Saúde no Trabalho, feito a partir de uma parceria entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Para a secretária nacional de Saúde da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Madalena Margarida da Silva Teixeira, a pandemia acentua dificuldades do país. “Nós, enquanto movimento sindical, somos desafiados a elaborar novas formas de organização dos trabalhadores.”
A entidade, diz, defende a necessidade de fiscalização constante sobre as empresas, para que as atividades nos ambientes laborais sejam o mais seguras possíveis. “Nosso papel é cobrar os empregadores para que, acima de tudo, melhorem os espaços comuns para os trabalhadores e trabalhadoras.”
Na avaliação de Madalena, junto com a cobrança sobre protocolos sanitários trabalho, é preciso cobrar a notificação de contágios entre a equipe. “O contágio ocorre de forma aérea. O risco é maior em espaços sem ventilação e com aglomerações. Se o trabalhador ficou doente nestes locais, ou no percurso, é dever da empresa preencher os termos e informar às autoridades.”
“A responsabilidade da empresa é a mesma do cidadão”
A discussão jurídica em torno da pandemia se agravou a partir da decisão do STF. No dia 29 de abril de 2020, os magistrados suspenderam o artigo 29, sobre a natureza ocupacional da covid-19.
Para o coordenador da comissão de Direito do Trabalho da Federasul, Luís Gustavo Casarim, esse fato trouxe incertezas e abriu margem para interpretações. De acordo com ele, é preciso deixar claro que o reconhecimento da doença ser relacionada a acidente de trabalho depende da comprovação do nexo de causalidade.
“O que precisamos analisar é se o ambiente expõe o trabalhador”, destaca. Segundo Casarim, as organizações devem contribuir no sentido de evitar a propagação do vírus. “A responsabilidade da empresa é a mesma do cidadão. Cumprir protocolos de distanciamento, usar máscaras e estar atento à higienização.”
A partir destes conceitos defendidos pelas autoridades de saúde, frisa a importância de toda a sociedade em disseminar as informações quanto à prevenção. “Precisamos ter a sensibilidade tanto das empresas, dos empregados, mas também do judiciário, para termos clareza de análise sobre essa crise que vivemos.”
Diálogo, transparência e informação
A doutora em Psicologia e professora da Univates, Liciane Diehl, destaca a busca do entendimento para evitar conflitos. Para ela, o principal papel das organizações está ligado a possibilidade de expressão das pessoas. “Esses espaços favorecem que a potência criativa dos trabalhadores e trabalhadoras possa se expandir ou, quando é o caso, que situações de sofrimento sejam manifestadas e, assim, ressignificadas.”
Na análise dela, quanto mais abertura e transparência nas relações entre empregadores e funcionários, maior a possibilidade de conhecer e compreender aquilo que não vai bem e, assim, implantar ações assertivas que visem a saúde e a produtividade.
“As pessoas reagem de modo singular diante do estresse, como é o caso da pandemia”, argumenta. Os riscos de contágios pelo novo coronavírus faz com que as pessoas estejam sempre em estado de alerta. “Esse sentimento é importante pois tem função protetiva. No entanto, o excesso pode causar desconforto, ansiedade e, em casos mais extremos, alguns tipos de transtornos psíquicos.”
Entre os cuidados com a saúde das equipes de trabalho e a manutenção de relações profissionais seguras, Liciane reforça: “informação segura, com base científica, e na medida adequada para não sobrecarregar as pessoas, trazem segurança e tranquilidade.”