A perda de trabalho e de renda das famílias interfere sobre as condições de alimentação. É o que prova levantamento feito entre as maiores cidades da região. Em Lajeado, por exemplo, enquanto em 2020 foram distribuídos pouco mais de 240 cestas básicas por mês, neste ano, esse número superou 700 kits de alimentação.
Outros municípios seguem essa tendência. Em Taquari, por exemplo, os pedidos de doação de cestas básicas cresceram 60% nos primeiros meses deste ano. Os motivos para esta maior demanda estão no aumento do desemprego, da perda de renda e também devido aos prejuízos da enchente de julho de 2020.
Em termos nacionais, pesquisa da Rede Brasileira em Soberania e Segurança Alimentar aponta que 19 milhões de pessoas (9% da população) passaram fome no ano passado. O número representa quase o dobro do visto em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de pessoas nessa situação. É o primeiro aumento da fome em 17 anos. Em 2014, a parcela da população tinha alcançado 9,5%.
Assistência pelo Vale
Arroio do Meio
São cerca de 140 famílias atendidas pela assistência social. Em março do ano passado, houve um grande registro em termos de cadastros para o auxílio emergencial. O término do programa, em dezembro passado, não trouxe grande impacto para os serviços municipais devido às ofertas de trabalho que foram abertas pela indústria entre janeiro e fevereiro, diz a assistente social, Natalia Capitanio.
“No nosso município o que mais interfere sobre as condições familiares é a falta de escola. Muitas famílias precisaram deixar o emprego para cuidar dos filhos. Isso não caracteriza desemprego”, avalia.
Encantado
São 1.025 famílias inseridas no Cadastro Único. Entre elas, 600 vivem com renda de meio salário mínimo por mês. No ano passado, a Assistência Social atendeu mais de 2,5 mil famílias.
Os principais pedidos foram: doação de cestas básicas, melhorias habitacionais, atualização e inclusão de novos nomes no Programa Bolsa Família, além de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência.
No ano passado, houve um aumento de procura pela Assistência Social em 70% se comparado com 2019. Pelas informações do setor, além daqueles que já vinham sendo atendidos, houve procura de famílias que passaram a ter dificuldades em função da pandemia e da enchente de julho.
Estrela
Conforme o Centro de Referência em Assistência Social, desde o início da pandemia, em março de 2020, há mais famílias solicitando doações de cestas básicas. Inclusive pessoas que nunca haviam procurado o serviço.
“Famílias tiveram a realidade financeira alterada. Casos de desemprego, perda de parte da renda, autônomos sem demanda de serviços, crianças em casa em tempo integral. Este cenário fez com que os atendimentos em busca de alimentos crescessem dez vezes acima do normal”, relata o secretário municipal de Saúde, Celso Kaplan.
Em um ano, as duas unidades do Cras no município distribuíram cerca de 3,7 mil cestas básicas. “Mesmo com as doações e a compra por parte do governo, ainda é insuficiente frente a procura crescente.”
Devido aos protocolos de distanciamento social, também foi alterada a forma de atendimento das famílias.
Para evitar aglomerações e filas, hoje são limitados em 20 fichas por semana. Cada família, complementa Kaplan, recebe uma cesta básica por mês, independente do número de pessoas no domicílio. O auxílio vale por 90 dias, com possibilidade de reavaliação da necessidade durante este período e após o prazo.
Lajeado
Conforme a assistência social, em 2019, a média mensal de cestas básicas fornecidas pela Secretaria do Trabalho, Habitação e Assistência Social (Sthas) era de 100 cestas. Em 2020, o volume subiu para uma média mensal de 244 cestas. Nos três primeiros meses de 2021, já foram distribuídas cerca de 730 cestas por mês.
Na análise da Sthas, a pandemia, com impactos sobre o trabalho, em especial para informais e pequenos empresários, o município percebeu a necessidade de ampliar o volume de oferta de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social.
“Houve uma mudança de perfil de quem busca ajuda do município para obter alimentação. Não são apenas pessoas que já estavam inscritas no Cadastro Único, nossa principal referência. Agora, atendemos também pessoas que são profissionais liberais, que atuavam de maneira informal para conseguir seu sustento, e viram sua fonte de renda reduzir a ponto de impactar a alimentação”, relata a assistente social Fátima Luciane Machado.
Taquari
Hoje há cerca de 900 famílias dentro dos programas de auxílio. Elas recebem doações de cestas básicas todos os meses. Conforme dados da Assistência Social, os meses de junho e julho foram de mais demanda, devido a enchente.
Em janeiro, se presenciou também uma evolução de 60% no número de pessoas em situação de vulnerabilidade. Para a equipe do município, isso tem relação com o fim do auxílio emergencial pago pelo governo federal.
Além da entrega das cestas básicas, a Secretaria de Assistência monitora essas famílias e orienta sobre programas disponíveis, entre eles ajuda nos cadastros do Auxílio Emergencial.
Teutônia
São 350 famílias acompanhadas por mês. Desde o início da pandemia, se registra mais na procura pela assistência social. As maiores demandas foram situações de fragilização e vulnerabilidade social pela falta de trabalho e renda.
A maior parte dos pedidos é para alimentação. Em um comparativo com os três primeiros meses de 2019 para 2020, houve um aumento de 26% por procura e entrega de cestas básicas. Comparando os três primeiros meses de 2019 com 2021, a demanda aumentou em 180%, e se comparado 2021 com o ano passado, houve um aumento de 122%.
Os motivos para isso estão na retração econômica, frente a menos oportunidades de emprego e renda. Como forma de auxiliar, por meio de atendimentos individuais e visitas aos domicílios, as equipes avaliam a concessão de benefícios eventuais, tais como doação de cestas básicas, campanhas de arrecadação de alimentos, produtos de higiene e de limpeza.
Entrevista
“Quanto mais perdura a pandemia, pior fica para a economia”
O aumento da informalidade impacta sobre a seguridade social, avalia a doutora em sociologia Cláudia Tirelli. Para ela, programas de repasse de renda, de proteção ao emprego e para garantir a sobrevivência das empresas são fundamentais neste momento.
A pandemia interfere sobre toda a economia nacional, estadual e regional. Quais as classes sociais que mais sofrem com a perda de renda?
A crise sanitária não atinge a todos os setores econômicos e classes sociais da mesma forma. Por exemplo, o setor do agronegócio, voltado à exportação de commodities, vai muito bem, enquanto o comércio e serviços de uma forma geral, tiveram uma retração muito significativa. Em que pese os diversos setores empresariais estarem sofrendo as consequências das medidas de controle, são os trabalhadores que mais têm sentido os efeitos da crise. Muitos empregados foram demitidos e houve um aumento das formas precarizadas de trabalho (trabalho informal, intermitente, sazonal), além de muitos estarem expostos compulsoriamente aos riscos de contágio e de adoecimento. Os países que conseguiram atenuar os efeitos da pandemia foram aqueles em que os governos tiveram uma ação forte no sentido de propiciar renda emergencial, com medidas de apoio às empresas, com testagem e vacinação ampla à população. Quanto mais perdura a pandemia, pior fica para a economia.
Qual o perfil do trabalhador mais vulnerável às oscilações do mercado?
Com certeza os trabalhadores mais vulneráveis às oscilações do mercado de trabalho são aqueles que têm vínculos mais precários de contratualização das relações de trabalho. Estes estão vinculados aos setores econômicos mais atingidos pelas medidas de enfrentamento à pandemia. Os trabalhadores do setor de serviços e do comércio foram os mais atingidos, pois muitas empresas tiveram que fechar ou reduzir horários de atendimento. Além disso, os tipos de atividade de grande parte desses trabalhadores não podem ser feitas por home-office. Segundo os dados da PNAD, no trimestre de novembro de 2020 a janeiro de 2021, o Brasil teve um incremento de 3,6% no número de pessoas sem carteira assinada no setor privado em relação ao trimestre anterior. Além disso, a taxa média de desemprego atingiu 14,2%, a mais alta desde o início da série em 2012. Esta taxa corresponde a 14,3 milhões de pessoas que buscavam ativamente no mês uma (re)colocação no mercado de trabalho. Um aumento de 2,4 milhões em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.
As medidas governamentais, como o auxílio emergencial e o programa de proteção ao emprego, são suficientes para amenizar as dificuldades das famílias? O que mais pode ser feito?
Acredito que essas medidas são fundamentais, mas insuficientes. O valor do atual auxílio emergencial é extremamente baixo para suprir as necessidades básicas de uma família. O programa de proteção ao emprego é de suma importância, mas precisa estar aliado a um conjunto de medidas que permitam uma sobrevida às empresas durante o período da pandemia, tais como o maior acesso ao crédito, a prorrogação de prazos de pagamentos relativos a financiamentos e tributos, sempre considerando o perfil dessas empresas e seu capital.