Com quem deixar as crianças?

Escolas fechadas

Com quem deixar as crianças?

Caso recente de suposto “abandono de incapaz” em Venâncio Aires traz à tona dificuldade encontrada por diversas famílias. Sem ter parentes ou pessoas próximas para cuidar dos filhos, alguns pais optam por deixá-los sozinhos enquanto trabalham

Com quem deixar as crianças?
Além dos prejuízos pedagógicos, escolas fechadas interferem na organização da rotina das famílias (Foto: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

Um caso recente em Venâncio Aires, onde uma mãe foi denunciada ao Conselho Tutelar por deixar os filhos menores, de 10 e 3 anos, sozinhos em casa, reacende um debate que diz respeito a muitas famílias: com quem deixar os filhos enquanto as escolas não retomam o ensino presencial?

Na situação citada acima, a mãe, durante os primeiros meses da pandemia, ficou em casa. Porém, devido à situação financeira da família, teve que conseguir um emprego. Sem ter com quem deixar as crianças, optou por esta solução. Ela responderá processo por abandono de incapaz.

Desde o começo da pandemia, a suspensão das aulas, sobretudo na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, interfere na organização das rotinas das famílias. Em muitos casos, pais deixam os filhos aos cuidados de avós, tios e até vizinhos. Porém, nem sempre há estas opções.

“Olhar caso a caso”

Promotor da Infância e do Adolescente, Sérgio Diefenbach ressalta que a pandemia trouxe um desequilíbrio econômico, social e organizacional para toda a sociedade. O alongamento da suspensão das aulas acaba gerando situações onde os pais deixam os filhos sozinhos em casa, muitas vezes sem a idade adequada para tal.

“As famílias usam de toda a criatividade e solidariedade para isso. Deixa o filho com um tio, um avô, o vizinho. Outros levam para cuidadores clandestinos, ou conseguem levar juntos para o próprio emprego. Numa hipótese gravosa, deixam sozinhas em casa. Pode, sim, caracterizar uma negligência dos pais, mas tem que sempre se olhar caso a caso”, afirma.

O promotor argumenta que, mesmo com a melhor das intenções, nestes casos, os pais podem responder por abandono. “Se foi pela necessidade do emprego, é uma defesa que a pessoa fará. Talvez não seja condenada. E quem resolve isso? Estamos diante de circunstâncias sem solução”, observa.

Diefenbach comenta que não é novidade a situação de crianças pequenas sozinhas em casa, mesmo antes da pandemia. “Não é de hoje que isso acontece. Nós convivemos com um déficit de educação infantil há anos. Pouquíssimas cidades do país tem educação infantil para todos. Lajeado se aproxima disso, mas nem mesmo ela consegue ter. Não é um drama novo, só está aumentando”.

Guarda

Especialista em Direito da Família, o promotor Neidemar José Fachinetto lembra que, em muitos casos de crianças pequenas deixadas sozinhas em casa, o pai ou a mãe se valem desta questão para reivindicar a alteração da guarda.

“Esse tipo de situação tem sido relatada em alguns processos, e agora com a pandemia tem acontecido muito mais. Muitas vezes se consegue esclarecer que é uma organização familiar, onde não se tem muita alternativa. O momento atual exige muita cautela”, afirma o promotor.

Reportagem entrou em contato com famílias para averiguar como se organizam diante da suspensão das aulas presenciais:

“Ela fica o dia inteiro na tv”

Sem se identificar, moradora de Lajeado afirma que precisa deixar a filha de sete anos sozinha durante o dia, para ir trabalhar. No ano passado, a mãe deixava a criança com algumas pessoas do círculo familiar: a tia, a comadre, ou a avó. Mas neste ano isso não foi possível.

“Início do ano sentei com ela e disse: ‘filha, você vai ter que ficar sozinha, a mãe não tem com quem deixar você, ou pagar alguma cuidadora’. E ela aceitou, começou até a apoiar”, comenta.A rotin

a da família começa cedo. A mãe sai de casa para trabalhar às 7h, quando a filha ainda está dormindo. Quando a criança acorda, logo liga para a mãe, que já deixou o café da manhã preparado.

Às 12h30min a mãe volta para casa, prepara o almoço, e às 13h30min retorna para o trabalho. Pelas 16h30min, encerra o dia de trabalho e volta para casa.

“No início foi difícil ela aceitar, mas não tem outra alternativa. Minha filha é muito parceira, somos só nós duas. E nós nos falamos durante todo o dia, sempre estou ligando pra ela, pra ver se está tudo bem. Ela fica o dia inteiro na TV. Mal dá tempo de ir pegar rápido um lanche na cozinha”.

“Decidimos pagar alguém”

Outra opção encontrada por pais é contratar cuidadoras. Esse é o caso de Daiane Lopes Flores e seu marido. A filha deles, de três anos, fica durante o dia na casa de uma cuidadora. “Quando as aulas presenciais começaram a ficar ameaçadas, pensamos o que iríamos fazer. Não temos com quem deixar ela, nossos parentes moram longe. Outra opção era eu ou meu marido largar o emprego para ficar com ela em casa. Mas decidimos pagar alguém”, conta.

Na cuidadora, a filha do casal fica com outras crianças de diferentes idades. No início, a mãe conta que a adaptação das crianças foi difícil. “Ela pedia pela escola, pelos colegas, pelos professores. Eu até um dia passei na frente da escola, pra mostrar que tava fechada”.

Daiane defende a volta das aulas presenciais. A mãe considera que o ambiente escolar é fundamental para o desenvolvimento das crianças de todas as idades.

Abandono de incapaz

  • O artigo 133 do Código Penal determina que, “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade e, por qualquer motivo, é incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono” caracteriza crime de abandono de incapaz”. A pena é de seis meses a três anos de prisão.
  • O crime de abandono de incapaz é aplicado a quem está incapaz, de forma absoluta (considerando acidentados), ou em critério de idade, com crianças e adolescentes até os 16 anos.
  • Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), até 12 anos uma pessoa é considerada criança. A partir dos 12 até os 18, é adolescente.

 

Acompanhe
nossas
redes sociais