Há mais de 1,6 mil anos, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, a biblioteca de Alexandria foi invadida e incendiada por cristãos que destruíram os livros que não estavam de acordo com sua fé. A ira e intolerância foram implacáveis com o conhecimento acumulado.
Obras importantíssimas, como peças teatrais de Ésquilo, Eurípedes e Aristófane e o tratado de astronomia de Aristarco de Samos, simplesmente, sucumbiram. Acredita-se que a humanidade teve uma das maiores perdas da sapiência acumulada na história, quando considerada a época e o acervo destruído.
Em 380 d.c, Aristarco já afirmava que a Terra era mais um dos planetas em órbita, que as estrelas estavam muito distantes e se moviam lentamente. Tudo foi destruído e ficamos às margens de novas descobertas.
Hoje, em pleno século 21, o extremismo e o fanatismo parecem rondar nosso discernimento como sociedade civilizada, outra vez. De tempos em tempos, a humanidade parece retroceder na sua capacidade de evoluir socialmente.
Analisemos o atual momento: intolerância crescente entre religiões; divisão, conflitos e vaidades na medicina e na ciência; afronta doentia nas ideologias políticas; e por aí vai…
Esta semana, na Rádio A Hora, entrevistei o senador Paulo Paim (PT). “Desafios da esquerda” foi o tema pautado. Afinal, pessoalmente e, imagino, que muitos ouvintes também desejavam saber como anda o movimento do partido que governou o país durante 14 anos. E mais, que está prestes a retornar ao páreo com um dos nomes mais expoentes na política brasileira, o ex-presidente Lula. Este é o fato.
Para nenhuma surpresa, a enxurrada de críticas contra o entrevistado, o entrevistador e a emissora foi semelhante quando o sabatinado foi alguém ligado ao atual presidente Bolsonaro, alguns dias atrás.
Quando não conseguimos conviver ou, sequer, tolerar o pensamento contraditório, nosso discernimento e empatia se perdem. Com isso nos tornamos vazios, extremistas e intolerantes. Corremos o risco de debandar para a ignorância inconsciente.
Quando reconhecemos e assumimos nosso radicalismo, ainda vai. Mas, quando nossa capacidade de percepção sobre o real estado do nosso próprio comportamento ou opinião fica prejudicada, então, temos o pior dos mundos: a total falta de noção, num português mais claro, a burrice em pessoa.
Um povo, uma sociedade ou um indivíduo sem noção aproximada da realidade se torna agressivo, cheio de convicções sem base e, a cada discussão, reforça sua intransigência e intolerância. E isso não ocorre apenas com os não letrados. Está cheio de “doutores” e acadêmicos renomados com pensamento limitante.
A história nos mostra que sempre foi um pouco assim. E, na maioria das nações, o senso comum criava suas próprias narrativas e crenças, conforme conveniências regionais. Hoje, somos afetados pela multiplicação ou “escalada dos guetos”.
De repente, quase todos têm acesso à internet e viraram “produtores” do próprio conteúdo. Este fenômeno trouxe excelentes possibilidades, mas também abriu o caminho para os mal-intencionados, os desonestos, os “loucos” e os fanáticos. Os algorítimos acabaram por formar grupos similares e, associado à entrega de conteúdos afins, fecharam as pessoas em guetos.
Numa analogia bem simples, seria como várias alcateias raivosas aprisionadas em piquetes, cada uma esperando para dizimar a outra.
É como se voltássemos aos primórdios, onde um clã tenta destruir o outro. Parece não haver espaço para compartilhar e multiplicar os conhecimentos alheios. O diferente deve ser condenado, odiado, destruído.
Será que voltaremos a incendiar bibliotecas e museus para impor “novas verdades”? Em tempos onde fanáticos voltam a acreditar que a terra é plana, tudo é possível!
Ainda assim, estamos em tempo de frear estes extremismos e pensamentos intolerantes que nos deixam mais pobres, doentes, tristes e com menos perspectivas. Cada um pode ajudar um pouco, na sua “alcateia”, freando impulsos e reavaliando “verdades”.
Bom fim de semana a todos!